O tocantinense Márlon Jacinto Reis é conhecido pela defesa da lei “Ficha Limpa”, sendo na época um dos juízes mais influentes do país segundo grandes órgãos da imprensa nacional. Foi o primeiro juiz a impor aos candidatos a prefeito e a vereador revelar os nomes dos financiadores de suas respectivas campanhas antes da data da eleição. Márlon Reis é um dos fundadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). Foi agraciado com o prêmio do Instituto Innovare em 2004, na categoria Juiz Individual, em reconhecimento as suas práticas pela melhoria da Legislação Eleitoral no Estado do Maranhão. Em junho de 2014 lançou o livro “O Nobre Deputado” – relato chocante (e verdadeiro) de como nasce, cresce e se perpetua um corrupto na política brasileira. No ano passado lançou “A República da Propina” uma trama baseada num realismo nada fantástico como ele próprio diz. “Quando fiz essa afirmação sequer tínhamos o direito de saber quem eram os doadores de campanha antes da votação. Felizmente uma decisão judicial que tomei naquele ano abriu um quadro de profunda mudança nesse cenário. Agora os doadores devem ser revelados quase que em tempo real. Foi um grande avanço. Mas ainda estamos longe do ideal. A lei continua tão ruim que nem sequer exige que os candidatos apresentem certidão relativa aos processos por improbidade a que eventualmente respondam”, afirma o ex-juiz.
Márlon, em sua infância e juventude, existiu algum caso de corrupção que o senhor presenciou, e que de certa forma, forjou a sua visão até se tornar um juiz influente e de renome nacional?
Quando eu era estudante universitário, eu me voluntariei para participar da campanha de Conceição Andrade, que concorria, pela oposição, ao governo do Estado do Maranhão. Certa vez fizemos uma viagem a Chapadinha, cidade situada na região Baixo Parnaíba. Eu estava percorrendo um bairro paupérrimo de cujo nome não me recordo. Lembro bem que todas as casas eram de taipa e cobertas com palha. Uma pobreza sem igual. Numa das casas, a proprietária apenas entreabriu a porta e perguntou quanto eu tinha para oferecer a ela. Respondi que não tínhamos dinheiro, que estávamos lá para tratar de ideias políticas. Ela bateu a porta na minha cara. Mas antes disse que só votava se alguém desse mais que o candidato dela dava para os pobres. Foi uma cena muito agressiva. Aquilo marcaria minha vida profundamente.
Em algumas publicações, o senhor também é referido como ativista. Além de advogado e ex-juiz, também se considera um ativista?
Sempre fui um defensor de causas. Lembro-me de estar envolvido nisso desde a adolescência. Minha participação em processos como que culminou com a aprovação da Lei da Ficha Limpa vai além das minhas contribuições como jurista. Penso e atuo como um líder social.
Qual prática o senhor considera a pior e que ainda consiste e persiste no processo eleitoral?
Ainda não conseguimos nos livrar da compra do voto. Isso é terrível. Quando me reportava ao que acontece por aqui em eventos de que participei na Europa e no EUA, muitos não acreditavam que um país tão grande e pujante pudesse estar tão submetido a essas práticas.
Em 2012, o senhor afirmou que o brasileiro vota às cegas. Em que momento o senhor acredita que vamos votar às claras?
Quando fiz essa afirmação sequer tínhamos o direito de saber quem eram os doadores de campanha antes da votação. Felizmente uma decisão judicial que tomei naquele ano abriu um quadro de profunda mudança nesse cenário. Agora os doadores devem ser revelados quase que em tempo real. Foi um grande avanço. Mas ainda estamos longe do ideal. A lei continua tão ruim que nem sequer exige que os candidatos apresentem certidão relativa aos processos por improbidade a que eventualmente respondam. Isso é muito sério. Ainda falta muito o que ajustar para que tenhamos o nível adequado de informações para o eleitor.
O financiamento público de campanhas é benéfico em sua visão?
Defendo um modelo misto, baseado em financiamento público e doações de pessoas físicas. É o modelo atual, mas com diversos aperfeiçoamentos. Entendo que não deve ser permitido o uso de recursos próprios, o que favorece a candidatura dos ricos e desequilibra o jogo eleitoral. Também defendo a fixação de um valor correspondente a cada eleitor. Esse valor, multiplicado pelo número de votantes, deve definir o teto de arrecadação.
Com o fim das doações privadas, acredita que a pressão de grupos privados no mundo político, irá diminuir de alguma forma?
Não tenho a menor dúvida de que essa pressão cairá drasticamente. As grandes corporações simplesmente foram retiradas do processo eleitoral. Se não bastasse a vedação legal, temos ainda a Lava Jato e outras operações a desestimular a compra de mandatos com dinheiro das empresas.
No que a Lei da Ficha Limpa (que tem o senhor como idealizador) precisa ser melhorada?
O que temos a melhorar na Ficha Limpa é a maneira como ela está sendo interpretada em alguns pontos, especialmente do que diz respeito à rejeição de contas públicas. A sociedade brasileira se mobilizou para que prefeitos que atuaram como ordenadores de despesas e tiveram suas contas rejeitadas não pudessem ser candidatos. Infelizmente o Supremo Tribunal Federal relativizou essa disposição legal e liberou centenas de candidaturas de pessoas corruptas. Foi um grave retrocesso.
Como descentralizar o atual sistema eleitoral dos indivíduos?
Precisamos enfatizar a atuação política coletiva, sair do individualismo e adotar uma postura mais efetivamente cidadã, baseada na alteridade. Isso demanda muito mais do que medidas legais. É preciso promover uma ampla educação política para que nossa sociedade compreenda o quanto ela perde ao analisar as campanhas eleitorais como um tempo de conquista de vitórias personalísticas.
A reforma política seria sem dúvida nenhuma, uma saída para os vários problemas que temos em nossa jovem democracia. O que senhor acredita ser necessário, para que essa reforma saia definitivamente do campo das intenções?
Isso já está começando a acontecer. Os políticos já percebem que o sistema eleitoral vigente está totalmente desmoralizado. O modelo político brasileiro é caro, ineficiente e permeável à corrupção. Para que a reforma política ocorra falta apenas uma mobilização social mais efetiva e clara.
Qual a visão que o senhor tem dos partidos políticos do nosso país, afinal, muitos se esqueceram de lutar por suas bandeiras e ideias…
Eles se adequaram às regras do jogo. Se as eleições são caras, vamos financiá-las com o dinheiro a que tivermos alcance. Se o sistema eleitoral privilegia a disputa interna, então vamos derrotar os nossos correligionários. É o que acontece nas eleições para deputado e vereador: o maior adversário é o que disputa votos pela mesma legenda. O pragmatismo chegou a níveis insuportáveis.
Muitos são favoráveis a cláusula de barreira. Por que o senhor é vigorosamente contrário?
A cláusula de barreira trata partidos de aluguel e partidos pequenos e ideológicos como se fossem iguais. Isso é muito sério. A única cláusula de barreira admissível é o voto. A cláusula de barreira impedirá o surgimento de novas ideias partidárias e irá sacralizar o domínio dos grandes partidos já instalados no país.
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