Edu Felistoque é diretor, roteirista e produtor associado da produtora Felistoque Filmes. Nascido na cidade de São Paulo, iniciou sua carreira ainda jovem, como diretor de fotografia, mas logo passou a se dedicar por todo o universo audiovisual, atuando em cinema e televisão. Há 30 anos no cenário artístico brasileiro, vem acumulando diversos prêmios por suas produções. Em 2014, o cineasta lançou “Insubordinados”, escrito e estrelado por Sílvia Lourenço. A protagonista, Janete, passa o dia no hospital ao lado do pai, que está em coma, aproveitando o seu tempo ocioso para escrever seu primeiro romance policial, inspirada pela profissão do seu progenitor. A narrativa corre no tempo real e no tempo literário. Na época, Felistoque, anunciou o filme como primeiro capítulo da Trilogia da Vida Real. Em novembro passado, estrearam de uma só vez suas outras duas produções, “Toro” e “Hector”. No último dia 5, debutou pelo canal Sony, seu documentário “Buscando Buskers”, que retrata músicos que se apresentam livremente pelas ruas e praças das cidades. “A inspiração dos personagens sem dúvida veio de pessoas e acontecimentos reais! O meu argumento na trilogia dos filmes parte da certeza de que um único acontecimento ruim pode mudar a vida de todos. E quando esse acontecimento ruim poderia ser evitado e não fizemos nada para isso porque estávamos mais preocupados com a nossa vida pessoal?”, afirma o cineasta.
Edu, como você vê o momento atual do universo audiovisual brasileiro?
Não sabemos o que fazer com quase 150 filmes nacionais produzidos por ano! Tenho certeza que ninguém erra porque quer, mas vejo que erramos quando apontamos somente esforços e recursos financeiros públicos na produção, pensando que isso geraria uma distribuição automática. Erro fatal! Fora isso, não existem incentivos fortes para novas distribuidoras e tampouco algum mecanismo desburocratizado que crie e financie novas salas de cinema que priorizem os filmes nacionais a ingressos populares – salvo o Circuito Spcine, em São Paulo, que acertou na mosca. E, sem mídia, você não consegue divulgar o seu filme da forma que deveria ser. Essa verba de divulgação é essencial, caso contrário, o filme nasce morto. Mesmo que seja um ótimo filme, se não for divulgado corretamente, não acontece!
Também tenho certeza que a lei da TV por assinatura, que determina uma cota de tela para exibição de produções nacionais, está correta. Porém, quem deveria investir seriam os próprios canais de exibição, não produzindo e sim licenciando conteúdos de produtoras independentes e, claro, a valores dignos.
Não temos outra indústria no Brasil que seja financiada 100% com dinheiro público como temos a indústria audiovisual brasileira! Na minha opinião, isso não é correto. Não sou contra o fomento, mas 50% de incentivo já seria o suficiente. As produtoras independentes parecem mais produtoras estatais do que independentes e, se estamos falando de uma indústria audiovisual forte, precisamos contar com a iniciativa privada também. Para isso, precisamos deixar nossos filmes e formas de exibições mais atraentes e lucrativas, para chamar a atenção de todos como “um bom negócio“ e os empresários investirem.
Você atua há mais de 30 anos nessa área. Em que pontos você acredita que o cinema brasileiro deve melhorar, mesmo com todos os avanços na tecnologia que são evidentes nos últimos anos?
Esteticamente creio que estamos no caminho certo! Adoro pensar e constatar que a tecnologia barateou e democratizou o nosso cinema, o nosso audiovisual… Agora, se você tem uma boa história para contar, pode usar a câmera do seu celular ou o modo vídeo da câmera fotográfica!
O ponto que devemos melhorar, sem dúvida, seriam a divulgação e a distribuição popular dos nossos filmes, como comentei. O mais grave é a política de fomento e para melhorar isso, é necessária uma reforma enorme nas leis de incentivo do audiovisual.
Acredita que não existam mais os intelectuais do cinema ou o cinema atual tem outro foco diferentemente de outrora?
Intelectual existe, o que esta faltando é sem dúvida honestidade intelectual. Vejo muitos discursos com pouca convicção e nada de prática.
Eu acredito em dois cinemas… Aliás, três! O cinema de entretenimento visando vários gêneros, mas não abandonando a comédia; o cinema de arte (o cinema de autor), com filmes que têm estéticas inovadoras, que estimulem pensamentos e discussões e de discurso social; e por fim, um cinema de camadas, um híbrido com uma mistura dos dois outros tipos, “sanduichando” entretenimento em umas camadas, e em outras camadas colocando reflexões, pensamentos e questionamentos.
Acho estranha a ideia de compactuar com um cinema que quer acabar com outro tipo de cinema! Os filmes não devem nascer divorciados dos públicos!
Alguns cineastas afirmam que nunca conseguiremos ter uma indústria de cinema no Brasil. Como enxerga este assunto?
Quando se fala em ter uma indústria, acho estranho não consultar antes os industriais competentes. Mais estranho ainda é repudiar essa ideia! Uma boa parte dos cineastas detestam empresários porque eles pensam em lucro… Ingenuidade sem igual dos meus colegas. Artista não é administrador, é artista que mostra uma possibilidade de novos pensamentos. Administrar verbas é com empresários! Os bons empresários sabem ouvir as boas ideias. Só vamos ter uma indústria audiovisual firme quando deixar de ser financiada inteiramente com dinheiro público. Dificilmente, quase nunca, o cão morde a mão de quem o alimenta. Nós artistas temos que ter cuidado com “presentes” de políticos.
Críticos dizem que sua criação cinematográfica é clássica. Considera sua criação clássica?
De forma alguma. Eu não tenho estilo definido, aliás, se tenho um estilo é não ter estilo algum que marque minhas obras. Cada filme que faço parece ter sido feito por cineastas diferentes. Adoro essa ideia de não ser óbvio e “aguardado”.
Quais festivais você acredita terem realmente peso para alavancar a carreira de um cineasta ou mesmo de um filme?
Ando meio preocupado com essa extrema competição que estamos encontrando em festivais e com essa necessidade de premiação dos filmes, do sucesso! Creio que cinema não é esporte, é arte. O clima dos festivais não é mais de contemplação e pensamento, e sim de competição entre os realizadores. Ambiente péssimo, mais parece um programa de entretenimento do tipo “Mega Chefes da Culinária”, onde os artistas da cozinha ficam brigando pra saber quem é o melhor… E toda intriga é promovida pelo cozinheiro mestre. Se eu souber que o prato que vou comer foi elaborado em um clima desses, não como! Pode dar indigestão de tanta carga negativa [Risos]. Assim também é nos festivais. Por isso, adoro as Mostras de Cinema, onde não existe premiação e tão pouco competição, e sim reflexão a arte.
Depende muito o que você deseja como sucesso na sua carreira! Meu sucesso e minha satisfação vem na realização da obra, no processo de criação, na filmagem, na ótima convivência com as pessoas da equipe técnica e artística… Pensando assim, não fico na adrenalina, na ansiedade se os filmes serão premiados ou se vão vender milhares de ingressos. O papel da arte está distorcido nessa nossa sociedade contemporânea, embora eu acredite também que alguns filmes possam ser “produtos”.
Um dos seus filmes mais comentados é “Inversão”. Quais foram as críticas positivas e negativas que mais lhe surpreenderam na realização desse trabalho?
Respeito a crítica, porque aprendo muito! Critico muito os meus filmes e quem critica tem que ser criticado também! Alguns críticos estão impacientes e irritados e outros pensam que fazem parte de um “departamento de controle de qualidade do cinema nacional”.
Alguns críticos já disseram coisas que eu jamais pensei, como o que os meus filmes teriam em sua estrutura dramatúrgica e aprendi com isso e usei depois. Na verdade, acho desumano a pressão que os críticos sofrem nos dias de hoje. No Brasil, são mais de 400 filmes lançados por ano. Sem dúvida que eles não conseguem ver todas as obras e, quando assistem, são obrigados pelos seus contratantes a escrever a crítica rapidamente e causar uma certa polêmica para poder vender mais… E, sinceramente, acho complicado ver um filme, respirar e refletir sobre em poucas horas. Percebo uma irritabilidade nas palavras deles e isso é sinal de pressão. Um grande crítico, muito famoso, me confessou que na sua sala tem 4 televisores e 4 aparelhos de DVD, e que ele assiste às vezes 4 filmes ao mesmo tempo! Bom… estranho compreender e ter uma análise certeira sobre os filmes dessa forma. Outros têm assistentes que assistem para eles e relatam o que viram…
Além de diretor, você é fotógrafo, produtor e roteirista. Na hora da criação e da concepção de um filme, consegue separar esses “quatro” Edus ou “eles” devem trabalhar sempre juntos?
Impossível separar totalmente, e gosto de deixar tudo acontecendo na minha cabeça! Claro que fico louco às vezes, mas quando preciso, por exemplo, dirigir um ator, automaticamente desligo dos outros Edus por alguns minutos. Mas isso é automático, eu não planejo, não existem rituais de entrada e de saída das funções. No fundo, adoro saber o que realmente esta acontecendo nos departamentos, não para ter o controle de tudo e, sim, para evitar problemas. No final, tudo se resume em escolher as pessoas certas para trabalhar com você.
A arte deve ter um papel social?
Sem dúvida, a “arte existe porque a vida somente não basta”. A inquietação do ser humano vem da genética, algo no nosso DNA, de milhares de anos empurrando a gente para frente. Um dispositivo para que o homem não pare nunca e sobreviva. E a arte preenche as lacunas desse processo quando existe a inquietação. Arte deve provocar reflexões, perguntas… a arte serve para tudo! O artista já nasce de esquerda, mas tem que ter cuidado para não se tornar “esquerdoide” e cego! A esquerda tem que vigiar a esquerda além da direita… o social é nosso direito e não um presente.
O que um diretor não deve abrir mão em hipótese alguma em uma produção cinematográfica?
Não abro mão da honestidade intelectual, da minha equipe artística e técnica! Não faço concessões que arranhem esses itens! Além do que, ser documentarista me ensinou a não interferir e não moldar o assunto ou o objeto que está sendo documentado, mesmo que o tema e opiniões sejam contrários aos meus pensamentos e convicções.
Em 2014 você lançou “Insubordinados” e em novembro passado, estreou de uma só vez, os últimos dois filmes da trilogia que são “Toro” e Hector”. Gostaria que falasse um pouco sobre cada um deles e se a trilogia ficou do jeito que esperava quando iniciava o projeto.
A inspiração dos personagens sem dúvida veio de pessoas e acontecimentos reais! O meu argumento na trilogia dos filmes parte da certeza de que um único acontecimento ruim pode mudar a vida de todos. E quando esse acontecimento ruim poderia ser evitado e não fizemos nada para isso porque estávamos mais preocupados com a nossa vida pessoal?
“Insubordinados”, o primeiro filme da trilogia, apresenta a arte e a criatividade como ferramenta de fuga de uma realidade angustiante (com Sílvia Lourenço). “Toro” (com Naruna Costa e Rodrigo Brassoloto) mostra em diversas camadas, múltiplas interpretações de temas atuais. Uma das camadas é a intolerância e suas causas verdadeiras. O personagem central se mantém em fuga de sua própria condição, oprimindo seus mais íntimos desejos através de uma falsa imagem que ostenta, a de um violento lutador.
Já “Hector” (com Eucir de Souza e Sérgio Cavalcante) mergulha em uma viagem psicológica entre o passado e o presente do personagem e pergunta: O que nos move? Impossível é entender os caminhos que a nossa mente pode tomar para poder suprimir a dor. Estou contente com tudo porque os filmes não serão só exibidos nas janelas de cinema, mas também na TV por assinatura e plataformas on demand. Filme sendo exibido é sinal de felicidade e missão cumprida!
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