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A paixão de Marcio Scavone pela fotografia

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Marcio Scavone começou a fotografar ainda criança com a Rolleiflex de seu pai (Rubens Teixeira Scavone). Aos 20 anos já era um fotógrafo de publicidade. Na década de 70 estudou fotografia profissional no Ealing College em Londres, experiência que deixou marcas profundas no seu olhar ainda em formação. Em 1997, publicou seu primeiro livro “E Entre a Sombra e a Luz”, uma viagem pelo mundo, o íntimo e o geográfico, um encontro de texto e imagem com o romancista italiano Antonio Tabucchi. Seu segundo livro, “Luz Invisível”, consagrou seus retratos de celebridades e do homem comum, sua grife reconhecida na fotografia editorial brasileira, e trouxe texto do escritor Luis Fernando Verissimo. Por suas lentes já passaram Oscar Niemeyer, Pelé, Fernanda Montenegro, Burle Marx, Jô Soares, Caetano Veloso, Fernando Henrique Cardoso entre outros. Suas obras figuram na coleção Pirelli/Masp, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e em coleções particulares no Brasil e no exterior. Em 2008 realizou o reconhecido projeto “Viagem à Liberdade”, um livro e exposição sobre a presença japonesa em São Paulo que foi publicado em forma de ensaio na National Geographic Magazine, conquistando assim o prêmio de melhor texto e foto de material gerada fora dos Estados Unidos. Baseado no seu estúdio paulista, Scavone dedica-se à fotografia publicitária, editorial e a projetos pessoais.

Marcio, o que a fotografia representa em sua vida?

A fotografia imprimiu linhas na minha mão o brilho nos meus olhos e um sentido para minha vida. Com uma câmera você nunca está sozinho, você entra em qualquer lugar fala com quem quiser. A fotografia é a minha primeira paixão e primeira coisa que penso quando acordo. Tudo que já consegui na minha vida emocional ou material esteve ligado a esta minha energia em fazer imagens. Minha trajetória mostra que não gosto de me prender a estilo formal ou a um assunto. Estilo é algo mais sutil e profundo, é fazer a fotografia do jeito que pensamos o assunto. A minha dedicação aos retratos é esperada, consequência acima de tudo, do meu interesse pelo ser humano e o que fazemos neste planeta.

Quando você acredita que encontrou a forma única que distingue os seus trabalhos dos demais fotógrafos?

Tenho uma obsessão que levo a sério. Tento interpretar todos os estímulos criativos, aos quais eventualmente sou exposto, da maneira mais pessoal possível. Tentei imprimir o meu estilo de fotografar ainda na publicidade dos anos 90, pois, era claro para mim que em fotografia existia apenas uma janela para o mundo. Não importa sua aplicação. Quando o estilo de um fotógrafo se apoia quase que totalmente na forma, fica fácil identificá-lo, mas também fica muito fácil imitar, ou mesmo impedir que a produção do tal fotógrafo sucumba num maneirismo indesejável. Meu estilo é mais sobre a maneira que penso e interpreto o assunto e porque escolho este assunto. Meu estilo pessoal demais acaba se tornando, naturalmente universal como expressão artística. Imagino que inadvertida, totalmente sem querer, consegui esse espaço original.

Você acredita que o retrato pode ser uma briga entre forças?

Eu costumava dizer exatamente isso. Que o retrato era um tour de force entre autor e retratado. Um jogo inteligente que sempre me atraiu. O ato do retrato me provoca um esgotamento físico e mental temporário. De alguma forma este exercício de entrega, este tour de force entre fotógrafo e retratado drena minha energia e me deixa ofegante e exausto. Acredito sim que todo retrato seja um autorretrato no sentido de que o grande retratista alimenta o seu retratado de impulsos, voluntários ou não, durante a sessão. Todo retrato é um evento uma grande troca de talentos e ideias, ele tem sua curva própria e é dever do retratista detectar o auge desta curva. Claro que estamos falando do grande retrato e não de um simples snapshot (foto instantânea) que as pessoas às vezes chamam de retrato.

Ainda sobre o retrato e sobre esta pergunta gostaria de dividir o seguinte pensamento: a missão do bom retratista é mostrar o que o retratado tenta esconder. No mais – especialmente nos dias de hoje – o retratado não vai precisar de você, e sim de um autorretrato, o tão decantado selfie.

Qual a maior liberdade que um fotógrafo pode ter em seu ofício?

A liberdade de tentar mostrar o mundo visível através da sua visão subjetiva. É nesse paradoxo que reside o maior bem do fotografo criativo. Fiz um livro chamado “Viagem à Liberdade” é claro que é sobre o bairro japonês de São Paulo, basta você pegar o livro na mão. Mas o livro é também sobre a liberdade autoral. Ele é sobre a liberdade de se contar uma história com imagens. Tenho certeza que quanto mais avançamos neste século XXI, mais nós, os fotógrafos, nos transformaremos em “fazedores de imagem”. Conto isso no meu livro: “Copo de Luz” a ser publicado ainda este ano.

Um bom fotógrafo, deve sempre desafiar o desconhecido?

Um bom fotógrafo deve desafiar o conhecido. Fotografar a mulher com que ele dorme, dar a volta ao quarteirão da sua casa e lá, no ambiente mais familiar de sua vida, se perder com a câmera na mão. O bom fotógrafo consegue fazer do desconhecido o conhecido, e vice-versa.

Concorda com a afirmação de que a fotografia vem ganhando um aspecto cada vez maior de efemeridade?

Se você considerar a fotografia em questão a avalanche visual contemporânea na rede social da internet a qual somos expostos, sem dúvida nenhuma. Por este e por vários outros motivos, nunca me interessei por quem, em fotografia, corre os cem metros rasos – mesmo que quebrando recordes – me interesso pelos maratonistas. Todo mundo vai fazer uma ou duas grandes imagens na vida. Afinal elas existem por si só. O difícil é uma vida de imagens consistentes.

Qual o peso dos estudos sobre fotografia em Londres no seu trabalho que veio a posteriori?

Fui para a Inglaterra bem jovem, aqui vivíamos os tempos obscuros e tristes da Ditadura. Um país fechado e aparentemente sem futuro…

Londres foi a minha escola de vida. Sim estudei fotografia profissional 3 anos, mas a bem da verdade eu já fotografava. Tinha passado um ano trabalhando como o fotógrafo in house da Almap do tempo do Alex Periscinoto, fiz campanhas para a VW com 21 anos de idade. Londres foi muito mais uma imersão cultural, uma catarse e a possibilidade ilimitada de encontros com talentos e equipamentos. Foi a explosão da minha vocação. Tive aulas com Arnold Newman [fotógrafo norte-americano. Foi considerado o “fotógrafo dos artistas”, 1918 – 2006], Sam Harkins e David Bailey [fotógrafo britânico. Um dos ícones culturais da Swinging London, os efervescentes anos 60 na cidade de Londres. Marcou sua carreira com trabalhos para algumas das maiores revistas do planeta, 1938 – ], é claro que esta super exposição à luz destes cavalheiros geniais iria calar fundo e emergir futuramente, como que por mágica nos meus retratos. O Zaragoza (designer do meu livro “Luz Invisível“) dizia que enxergava uma “Englishness” no meu estilo. Quem sou eu para discordar.

Você lançou em 2002 o livro “Luz Invisível”. Quando você acredita que consegue chegar a essa luz invisível, que faz o seu trabalho ser considerado um dos mais originais do nosso país?

O livro foi para mim um divisor de águas e uma satisfação para mim mesmo, uma espécie de justificativa para uma energia incrível de trabalho em todos os níveis que eu vinha injetando na minha fotografia. Por isso mesmo fiz questão absoluta de que o livro não fosse somente sobre pessoas extraordinárias – sim elas estão lá – mas também sobre a pessoa comum, a desconhecida e a íntima. Consigo chegar nessa luz invisível quase sempre nos retratos. Mas o drama, como gosto de chamar o rosto, tem que voltar para mim. O exercício é coletivo. Para você conseguir algo grandioso no retrato, a grandeza tem que estar lá, na pessoa. Sou apenas o rádio por onde a música toca.

Fotografia é um dos pilares das artes. Quando acredita que essa arte deve ter um papel social?

Está tudo bem se você produzir algo inútil, mas que você ame. Sim, por favor, produza alguma coisa inexplicável. A arte será sempre inevitavelmente social. Ninguém é uma ilha. Se o nosso consciente evita os outros, o nosso inconsciente já estará lá na frente dialogando com estranhos. É quase impossível se expressar por meio da arte e não tocar os outros, não disparar algum mecanismo que irá causar repúdio ou fascínio.

A fotografia serve algumas vertentes e especialidades; a moda, o jornalismo, o retrato, a publicidade e outras mais. Mas existe a grande arte, aquela fotografia que paira por cima de todas as suas aplicações e que, neste momento que vivemos, acena como linguagem universal. Acredito que ela, a fotografia, sempre estará cumprindo um papel social. Seja ele o primeiro objetivo do exercício, ou seja, ele produto de um acidente de percurso. Haverá sempre a leitura social deste médium, que Roland Barthes chamou de: mensagem sem código.

O que é mais complexo para se obter uma boa foto: dominar a luz ou controlar o estúdio?

A luz é um dos mais primitivos e misteriosos fenômenos do universo. É também a principal ferramenta de retórica do fotógrafo. Escrevemos com a luz. Mas a boa fotografia não é sobre luz, ela apenas ajuda a contar a história. A boa fotografia é sobre a relação do autor com o assunto. A boa fotografia é aquela que parece tão fácil que qualquer um poderia ter feito. Este é o mistério.

Em quais projetos está trabalhando neste momento?

Este ano sai o meu livro “Copo de Luz “ uma reflexão em 22 ensaios sobre a arte, a fotografia e minha história pessoal. Será o primeiro livro com mais textos meus do que fotos, me dei a liberdade… O outro é um projeto grande, no qual estou trabalhando há 4 anos. Estou fotografando algumas das grandes cidades do mundo de um jeito singular e muito pessoal. Carregado de referências. Uma conversa de árvores numa mata onde elas parecem existir sem se darem conta umas das outras, mas inevitavelmente entrelaçando suas raízes à medida que são visitadas por viajantes. Quem se interessar pode ler esta entrevista para o Blog Internacional das Cameras Leica, sobre o projeto.


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