Apesar de ter iniciado sua carreira como ilustrador numa pequena agência de propaganda no centro do Rio de Janeiro, em 1989, o ativista político Carlos Latuff tornou-se cartunista publicando sua primeira charge num boletim do Sindicato dos Estivadores, em 1990, e permanece trabalhando para a imprensa sindical até os dias de hoje. Com o advento da Internet, Latuff deu início ao seu ativismo artístico o qual ele chama de “artivismo”, produzindo desenhos copyleft para o Movimento Zapatista. Após uma viagem aos territórios ocupados da Cisjordânia, em 1998, tornou-se um simpatizante da causa Palestina, destinando boa parte de seu trabalho a esse tema. Seus desenhos sobre os acontecimentos da Primavera Árabe, se tornaram inclusive notícia em grandes meios de comunicação. “Parece que com o fim da Ditadura Civil-Militar no Brasil em 1985, os cartunistas e chargistas adotaram um tom mais ameno, especialmente se tomarmos como exemplo, aqueles que participaram do jornal “O Pasquim”. Alegam que com a democracia já não é mais necessário o discurso que faziam contra o autoritarismo, como se esse tivesse acabado de fato com a redemocratização. (…) Quando estive na Palestina em novembro de 1998, a internet era diferente. Hoje com as redes sociais a comunicação foi potencializada. É possível ter contato com a realidade palestina diretamente com os palestinos”, afirma o cartunista.
Latuff, entrando em seu site nos deparamos de cara com a frase do cineasta Glauber Rocha: “A função do artista é violentar”. Os artistas brasileiros em especial os chargistas, têm violentado muito, pouco ou quase nada?
Parece que com o fim da Ditadura Civil-Militar no Brasil em 1985, os cartunistas e chargistas adotaram um tom mais ameno, especialmente se tomarmos como exemplo, aqueles que participaram do jornal ‘O Pasquim’. Alegam que com a democracia já não é mais necessário o discurso que faziam contra o autoritarismo, como se esse tivesse acabado de fato com a redemocratização. As minhas passagens por delegacias nos anos 2000 por ter feito charges contra a violência policial, me dizem o contrário. Agora mais do que nunca é preciso levantar a voz e as canetas contra o estado policial em que estamos mergulhando.
Como era a sua visão política antes de ter contato com o Movimento Zapatista?
Na minha juventude nunca militei, nunca me interessei por política, trabalhava para a imprensa sindical porque foi a única mídia que abriu as portas pra mim sem exigir o “quem indica”. No entanto, o contato com os sindicalistas e com a esquerda produziu um acúmulo ideológico, somado a isso, o meu contato com o Movimento Zapatista fez de mim o que sou hoje, um “artivista”.
Você disse que a mídia se alimenta dos processos violentos em países em conflito como “Drácula”. Isso se dá apenas pelo lado pró-Israel, ou os pró-Palestina atuam da mesma forma?
Não me lembro de ter feito essa comparação com Drácula, mas a questão é que catástrofes produzem altos índices de audiência, sejam guerras, operações policiais em favelas ou incêndios em casas noturnas.
O quão as informações sobre o conflito Israel X Palestina chegam distorcidas para nós aqui no Brasil, já que você esteve lá e viu de perto toda a situação?
Quando estive na Palestina em novembro de 1998, a internet era diferente. Hoje com as redes sociais a comunicação foi potencializada. É possível ter contato com a realidade palestina diretamente com os palestinos. Existem muito mais fontes para se consultar, sem ter de passar necessariamente pelo “mainstream media”. Quando visitei os territórios ainda não havia a Segunda Intifada (conjunto de eventos que marcou a revolta civil dos palestinos contra a política administrativa e a ocupação israelense na região da Palestina a partir de setembro de 2000, enquanto a Primeira Intifada ocorreu em 1987), nem o muro do apartheid e nem a divisão da Palestina entre Cisjordânia e Gaza. Se na época a situação já não era fácil, agora ficou ainda pior.
Os seus trabalhos foram muito utilizados na “Primavera Árabe”. Acredita que por serem charges, o poder da imagem foi muito mais forte se por exemplo fossem usados textos com o mesmo conteúdo?
Sendo a imagem uma linguagem universal que pode ser compreendida por povos de idiomas e culturas diferentes, seu alcance é muito maior. Se um texto requer tradução, uma charge sem palavras transmite uma mensagem mais fácil e rápida. E quando um manifestante resolve imprimir a charge e levá-la para as ruas, isso significa que além de ter compreendido a mensagem, ele agregou o desenho para sua vida e sua luta. A charge virou seu alto-falante.
Como você vê a inversão de papéis de governos como do Bahrein, quando dizem que o seu trabalho não é neutro?
Não existe neutralidade em lugar nenhum. Até mesmo um cadáver tem lados! Quando morre um palestino vítima de um dos tantos ataques de Israel, seu corpo no caixão é levado em cortejo pelas ruas, é um ato político. Assim também quando o estudante Edson Luiz foi morto pela Ditadura em 1968 seu corpo foi levado para a Assembléia Legislativa do Rio. Ou seja, nem mortos somos neutros. Existe os que assumem lados e outros que os mascaram.
As pessoas que te chamam de antissemita sabem o que é ser um antissemita ou simplesmente repetem o discurso de terceiros?
A maioria repete sem qualquer reflexão. Compram o discurso de que críticas contra o Estado de Israel, contra seus políticos ou militares, é um ataque a todo povo judeu. Essa estratégia tem sido aplicada ad nauseam (sob argumento de repetição) pelos defensores de Israel como forma de blindar o Estado de qualquer crítica. Isso sem falar que semitas são os árabes também.
A primeira coisa quando se fala do conflito entre israelenses e palestinos, é que a motivação dessa contenda vêm da religião. Você diz que a questão é apenas política. Quem está querendo mudar o foco então desviando a questão para a Bíblia ou para outros livros sagrados?
O discurso religioso serve como cortina de fumaça. Os defensores do Estado de Israel seguem a linha Chacrinha: “Eu vim para confundir e não pra explicar”. Tentam confundir a opinião pública com questões religiosas e raciais para encobrir o que de fato se resume a questão palestina: o neocolonialismo.
Alguns comentários na web dizem que você é um grande crítico dos meios de comunicação, mas mesmo assim quando é convidado para ir na Globo News (que pertence ao maior grupo de comunicação do Brasil) não pensa duas vezes. Como enxerga essa afirmação dos seus detratores?
Antes eu costumava não dar entrevistas para veículos de grande circulação. Hoje entendo que, se querem ouvir o que tenho a dizer, eu digo. O importante é não mudar o discurso por estar diante das câmeras da Globo. Tenho adotado também a estratégia de gravar toda entrevista por telefone, para o caso de minhas palavras serem manipuladas ou postas fora de contexto.
Uma charge sua que nos chamou bastante atenção e que ao nosso ver é bastante chocante, foi aquela sobre Pinheirinho, quando um policial Militar, uma advogada, o governador paulista Geraldo Alckmin e um investidor, brindam com sangue a retirada das pessoas daquele lugar que trará grandes dividendos financeiros aos mencionados. Nos fale mais sobre essa charge em especial.
Creio que a charge fala por si, a celebração da barbárie. As vidas de toda uma comunidade jogada na sarjeta para atender interesses de especuladores. Um crime inominável. Eu visitei o Pinheirinho dias antes do despejo. Me revolta lembrar que os sorrisos daquelas crianças foi apagado pela Tropa de Choque. O que aconteceu no Pinheirinho foi terrorismo de Estado.
Você é um grande crítico da Polícia no Brasil, dizendo que ela é feita apenas para repressão. A sociedade precisa de Polícia em sua visão?
Precisa de segurança, não necessariamente de Polícia, ainda mais dessa Polícia brutal e corrupta que temos. Mas afinal, o Estado também é brutal e corrupto, como esperar que a Polícia seja diferente.
Alguns estudiosos dizem que parte da classe média brasileira sustenta às atrocidades contra os menos favorecidos, uma visão bem parecida com a sua. Podemos dizer que vivemos uma Guerra Civil não declarada no país?
Não há Guerra Civil aqui. Não existem forças antagônicas se degladiando pelo poder. O tráfico, por exemplo, não é uma força estrangeira buscando a derrubada do regime e a implantação de outro. Tráfico, Polícia e Estado são tentáculos de uma mesma criatura monstruosa. O que existe é terrorismo de Estado, é controle social.
Você já sentiu medo por causa das reações contrárias ao seu trabalho?
Sim, mas é que nem dor de cabeça. Dá e passa.
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