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Adão Iturrusgarai fala da francesa Charlie Hebdo

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Adão Iturrusgarai publicou seu primeiro desenho no Jornal do Povo. Aos dezoito anos, mudou-se para Porto Alegre, onde estudou Publicidade e Propaganda na PUCRS. Em 1991, Iturrusgarai editou a revista DUNDUM e logo depois viajou para Paris. Na França, publicou nas revistas Chacal Puant e Flag. Em 1993 voltou para o Brasil, passando a morar em São Paulo. Em 1994, lançou a revista Big Bang Bang, que teve quatro números lançados apenas. Foi redator de programas humorísticos da televisão, entre os quais TV Colosso e Casseta & Planeta, da Rede Globo. Em 1994 foi incorporado ao trio “Los 3 amigos”, de Angeli, Laerte e Glauco. Teve seu trabalho publicado em diversas revistas brasileiras, tais como Chiclete com Banana, Bundas, Veja, General e Vírus. Publica ou já publicou sua tira diária “Aline” nos jornais Folha de S.Paulo, Jornal do Brasil, Tribuna do Norte em Natal, Diário de Pernambuco e Correio da Manhã em Portugal. Já recebeu diversos prêmios, e seus álbuns de quadrinhos são editados pela Devir e distribuídos no Brasil e em Portugal. É casado com a argentina Laura, com quem tem dois filhos (Olívia e Camilo). Iturrusgarai reside em Gaiman, na Patagônia argentina”. As tiras do renomado cartunista são famosas pela forma de humor que utiliza. Temas como sexo, homossexualidade e o deboche pelo que se vê na vida em sociedade, utilizando quase sempre de palavrões, são corriqueiros em suas piadas.

Adão, o que é ser um cartunista em tempos estranhos tanto no Brasil como em outras partes do mundo?

Uma vez perguntaram ao Luis Fernando Verissimo se era mais fácil fazer humor na ditadura ou na democracia. Ele respondeu que era mais fácil fazer humor na ditadura. Mas logo completou dizendo que preferia viver em uma democracia. Um mundo estranho é um prato cheio para os humoristas. Têm muito mais material no ar. É só pegar. O atual Governo do Bolsonaro é uma piada pronta. Chega a ser ruim para quem faz humor porque é uma espécie de concorrência desleal.

O politicamente correto é um “parente chato” que está na sala de estar do humor?

Eu sou “politicamente incorreto” desde o início dos anos 80, antes desse termo virar moda. Agora o termo é pejorativo e associado a ofensa, racismo, homofobia, etc. Até o Bolsonaro defende o “politicamente incorreto”. Bom… tem uma lógica aí. Política incorreta tem tudo a ver com esse Governo.

Como se combate esse “parente chato?”.

Mau-humor só se pode combater com humor de qualidade. Conversei com alguns colegas sobre isso e concluímos que dá para fazer piada de tudo. Ao longo da minha carreira descobri que tem a ver também com quantidade. Exemplo: se você faz uma piada cutucando uma feminista e volta a cutucar o grupo no dia seguinte e por aí vai, acaba virando uma obsessão. Saber dosar talvez seja a chave. O bom seria fazer uma agenda: Segunda é dia de piada de português. Terça é dia de mendigo. Quarta a vítima é um comunista. Loira nas quintas, etc.

Acredita que as redes sociais contribuíram de alguma forma para isso acontecer?

As redes sociais foram importantes porque deram voz a muita gente que nunca era ouvida. Mas deu voz também aos burros, aos analfabetos funcionais. Vou te dar um exemplo: um dia eu faço um cartum e peso a mão. Esse cartum é publicado e eu sou linchado nas redes. As pessoas que me lincham nem conhecem minha carreira. Elas tomam por base um cartum pinçado entre milhares de outros. Isso é falta de conhecimento, leitura. As redes sociais estão se transformando em sucursais do inferno.

Você destaca nos seus traços, temas como o sexo e a homossexualidade. Esses temas ainda são tabus em nossa sociedade em sua visão?

Agora parece mais tabu do que há vinte anos, não? Tempos muito estranhos. Parece que o Brasil e alguns outros países do mundo estão andando para trás. A sensação é que estamos nos suicidando tomando decisões erradas.

Quais dos seus personagens já causaram esse tipo de revolta (mesmo que seja velada) de leitores ou daqueles que se dizem seus leitores?

Já tive problemas com Aline e Rocky & Hudson. Uma estudante da USP tentou defender uma tese dizendo que Aline era o machismo reverso. Veja só: Aline é liberada sexualmente, tem dois maridos e faz o que lhe der na telha ser considerado machismo é o fim da picada. Desanimador. Mas parece que a estudante levou pau com sua tese. Pau esse que Aline saberia muito bem o que fazer.

Fundamentalistas e conservadores são “águas” da mesma fonte em sua percepção?

Esses tempos escrevi algo que trata do tema. Que os radicais se alimentam. Um extremo precisa do outro para sobreviver. Não conseguir se alinhar, ser um espírito livre, nos dias de hoje se transformou em algo pejorativo. Eu vejo erros tanto na esquerda quanto na direita. Apesar de ser mais simpático à esquerda, por sua essência e ideias humanistas. Eu acho que o ser humano não deu certo. Nenhum sistema de governo pode dar certo. Isso só funciona com os animais. Mas o ser humano está dando um jeito de acabar com eles. No fim vencerão as pequenas formas de vidas, os musgos, bactérias e as baratas.

“Aline” que foi exibida em 2008 pela TV aberta, teria algum dissabor se exibida em 2019?

A série Aline foi abortada na Rede Globo em 2008 por censura de grupos mais conservadores da emissora, dizem as más-línguas. Acho que mesmo com a onda conservadora atual, a série não chocaria tanto em 2019. O que pegou foi que uma mulher com dois caras não podia. Mas um cara com duas mulheres, ok. Aquele velho fetiche machista de ver duas mulheres se pegando.

Você sempre teve liberdade plena em seus trabalhos ou isso foi melhorando quando o seu nome se tornou relevante?

Sempre tive muita liberdade no jornal Folha de S.Paulo que trabalho desde 1993. É incomparável a ousadia do jornal na parte dos quadrinhos. Nenhum outro jornal do Brasil se permitia tratar de temas como sexo e drogas. Na Argentina não se permite até hoje desenhar um personagem com tetas ou pinto. Em todos esses anos tive problemas com poucas tiras e aprendi que quando a piada é boa justifica o uso de palavrões, pintos e bucetas. Mas quando a piada é ruim, isso é desnecessário. Vira apelação.

Um semanário como o “Charlie Hebdo” ou alguma publicação do gênero, daria certo no Brasil?

Charlie Hebdo é uma ousadia francesa. Cabe em pouquíssimos outros lugares do mundo. Talvez só seja possível na França. No Brasil seria muito difícil uma publicação dessas vingar. Precisa de patrocínio. E quem vai patrocinar uma loucura dessas? O MEC?

Você mora na Argentina. Como é ver o Brasil “pelo lado de fora?”.

É como assistir uma edição do BBB com convidados zumbis.


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