Adélia Borges graduou-se em Jornalismo na Escola de Comunicações de Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) em 1973. Atua na imprensa desde 1972, tendo trabalhado em grandes veículos. Na direção editorial da Revista Design e Interiores, de 1987 a 1994, passou a se especializar em design. No meio audiovisual, fez a concepção, apresentação e direção de conteúdo da série de documentários “Designers do Brasil”, exibido no canal Curta! em 2017. Dez episódios, de 26 minutos cada, abordam profissionais de destaque no cenário brasileiro: Ronaldo Fraga, Rico Lins, Renato Imbroisi, Antonio Bernardo, Guto Indio da Costa, Fred Gelli, Ovo, Heloísa Crocco, Jacqueline Terpins e Guto Requena. É autora e co-autora de mais de 10 livros, entre eles “Designer não é personal trainer”, da Editora Rosari, e “Design + Artesanato: O caminho brasileiro”, da Editora Terceiro Nome. Artigos, textos para catálogos ou capítulos de livros de sua autoria, já foram publicados – além do português – em alemão, coreano, espanhol, francês, inglês, italiano e japonês. Desde o início dos anos 1990, Adélia vem realizando exposições e projetos culturais, em vários locais do Brasil e do exterior, além de ter feito palestras em várias partes do planeta. “O design está muito associado pela mídia ao consumo individual. É necessário discutir cada vez mais a sua capacidade de melhorar espaços públicos”, afirma a curadora.
Adélia, qual é a sua definição pessoal sobre o design?
São tantas as definições que prefiro ficar com a sacramentada no Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa: “a concepção de um produto (máquina, utensílio, mobiliário, embalagem, publicação, etc.) especialmente no que se refere à sua forma física e funcionalidade”. Esclareça-se que é uma palavra de língua inglesa que não encontra equivalente na maioria das línguas, por isso o uso do vocábulo em inglês.
Como você definiria a identidade do design brasileiro atual?
A identidade do nosso design é uma somatória de múltiplas influências, mesmo porque o Brasil é um caldeirão de culturas, uma mescla da cultura dos povos originários, os colonizadores portugueses, a imensa contribuição africana e a influência de imigrantes europeus, asiáticos e de outros países latino-americanos, no decorrer do tempo. De maneira breve, considero que a capacidade de fazer muito com pouco e a inventividade a partir de matérias-primas e técnicas disponíveis no entorno são marcas importantes que distinguem o nosso design. No entanto, é preciso atentar para o perigo de cairmos numa visão rasa e estereotipada. Como a excelente escritora nigeriana Chimamanda Adichie alerta, o problema do estereótipo não é que ele é falso, é que é parcial.
Acredita que as pessoas têm a noção que o design faz parte do seu cotidiano?
O design está tão enfronhado em nosso cotidiano que, a meu ver, as pessoas não têm noção de sua existência e de como ele pode influenciar nossas vidas, para melhor ou pior. Em geral, quando entram em contato com um mau design, que oferece problemas de uso, de segurança, etc., a tendência das pessoas é “culparem” a si próprias, como se fossem incapazes ou inábeis, e não o designer ou a empresa que projetou o objeto. Um dos objetivos de meu trabalho como curadora e escritora é aumentar a percepção consciente das pessoas sobre a presença do design, de forma a aumentar seu discernimento e, portanto, sua capacidade de escolher objetos que possam enriquecer o seu dia a dia e não prejudicá-lo.
Quando o design pode revitalizar e melhorar o entorno de uma população em sua visão?
O design está muito associado pela mídia ao consumo individual. É necessário discutir cada vez mais a sua capacidade de melhorar espaços públicos. Um exemplo de instituição aberta à população que utiliza o design de forma muito boa é o Sesc São Paulo. E o maior exemplo é o Sesc Pompeia, projeto da Lina Bardi, que favorece imensamente a convivência entre as pessoas.
O que é necessário para se tornar um grande curador em sua área de atuação?
É necessário sair da “zona de conforto” do que é mais conhecido e divulgado e ter muita curiosidade e determinação para pesquisar em todo o país, “comer poeira”, visitar instituições, ateliês, comunidades. Também é preciso estudar história do design. E não perder nenhuma oportunidade de abrir os olhos e todos os sentidos para ampliar o repertório, sempre, indo a exposições, feiras, etc. no Brasil e no exterior.
Qual a importância da revista Design e Interiores para sua especialização em design?
Ter editado a revista foi vital para mim. E devo essa oportunidade ao Vicente Wissenbach, grande jornalista, que criou a revista Projeto e depois a Design & Interiores. Foi a minha grande escola, me possibilitou conhecer designers e estudiosos nas várias regiões, participar de congressos, seminários. Naquela época eu costumava ouvir “como fazer uma revista de design no Brasil se aqui não existe design?”. Existia, sim, o que faltava era a comunicação, e a revista se dedicou a preencher essa lacuna.
Como analisa as publicações nacionais que falam sobre esse assunto?
Creio que são poucos títulos, muito poucos, quase todos fecharam. Tive uma coluna mensal na Bamboo, dirigida pela Clarissa Schneider. Eu adorava a revista, que abarcava também artes, arquitetura… Mas a conta não fechava no fim do mês e a Clarissa teve que fechar as portas. E agora recentemente foi um baque quando a Editora Abril anunciou a suspensão da Casa Claudia, que nos últimos anos fez uma cobertura ótima de design.
Onde estão as melhores fontes de informação para quem quer se orientar sobre o mundo do design?
Hoje estão na internet, nas redes sociais. São muitas newsletters, entre elas gosto bastante da inglesa Dezeen, que tem edições diárias.
O que ocorreu no passado do design que está sendo trazido novamente para o nosso presente?
Todo o passado reverbera no presente. É assim na nossa vida, é assim no design, ou em qualquer atividade humana. Não gosto da nostalgia regressiva de muitos, de pensar que antes era melhor, de tentar parar o tempo. Gosto muito de uma frase do Paulinho da Viola: “Eu não vivo no passado; o passado vive em mim”.
Quais são os pilares que moldam um bom design?
Servir ao usuário. Atender a uma função da melhor maneira possível. Trazer beleza e significado.
Fale um pouco sobre as suas atividades atuais.
Sou uma curadora e escritora independente. Então realizo exposições para museus e centros culturais de vários lugares, e tenho um contrato fixo com o MASP, de consultoria curatorial para a loja do museu. Também faço consultorias para empresas e viajo muito para fazer palestras. Já falei em 21 países, o último foi a Polônia. Cheguei há algumas semanas de Londres, onde fui participar do júri da London Design Biennale, ao lado de pessoas que admiro muito, como a Paola Antonelli, curadora de design do MoMA, de Nova York. Fico feliz de ter a oportunidade hoje em dia de estar bastante independente, podendo me dedicar a questões de conteúdo e podendo exercer com muita alegria o meu direito de ir e vir. Aos 67 anos, me sinto em pleno apogeu criativo. Agradeço a cada manhã por estar viva e sintonizada no aqui e agora, tentando dar a minha pequena contribuição para um mundo melhor.
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