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Adriana Lisboa e o amor pela arte de escrever

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A escritora carioca

A carioca Adriana Lisboa morou na França (Paris e Avignon), e desde 2007 vive a maior parte do tempo nos EUA (numa pequena cidade próxima a Boulder, no Colorado). É autora de seis romances, além de poemas, contos e histórias para crianças. Seus livros foram traduzidos ao inglês, francês, espanhol, alemão, árabe, italiano, sueco, romeno e sérvio, e publicados em catorze países. Integrou várias antologias de contos e poesia no Brasil e no exterior. Recebeu o Prêmio José Saramago, em Portugal, pelo romance “Sinfonia em Branco”, o Prêmio Moinho Santista, no Brasil, pelo conjunto de seus romances, e o prêmio de autor revelação da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) por “Língua de Trapos”. Foi ainda pesquisadora visitante no Nichibunken (International Research Center for Japanese Studies), em Kyoto (2006), na Universidade do Novo México (2007) e na Universidade do Texas em Austin (2008-2009). Entre outros autores, traduziu para o português obras de Cormac McCarthy, Margaret Atwood, Stefan Zweig, Robert Louis Stevenson, Jonathan Safran Foer, Emily Brontë e Maurice Blanchot. Sua novela “O coração às vezes para de bater” foi adaptada para o cinema no Brasil por Maria Camargo, num premiado filme de curta-metragem. Em 2012, o cineasta Eduardo Montes-Bradley realizou um documentário sobre sua vida, intitulado “Lisboa” e filmado em Denver e Boulder, Colorado (EUA).

Adriana, o que é ser escritora em seu modo particular de ver o seu ofício?

Acho que é preciso acrescentar ser escritora brasileira e escrever em português. É um ofício que amo, respeito, que é parte fundamental da minha vida. O que não significa que não seja difícil, pelo que requer de dedicação, empenho e furiosa autocrítica. Mencionei escrever em português porque isso é levado em conta quando alguma editora estrangeira se interessa pelo trabalho de um autor brasileiro, que às vezes pode acabar confinado a um gueto. Mas às vezes as escolhas da nossa vida se fazem por nós – para mim a escrita tem muito disso: não sei bem quem escolheu quem. Eu escreveria mesmo que não publicasse, como escrevi durante vinte anos, até que saísse meu primeiro livro.

O jornal “El País” no ano passado, afirmou que você era uma das 16 vozes para contar o Brasil. De alguma maneira, você acredita que já entendeu o Brasil?

Puxa, de jeito nenhum! Não entendi nem a cidade do Rio de Janeiro – nem o bairro de Laranjeiras, onde cresci! Não sei nem se entendi a minha rua, que os policiais do Bope sobem de Caveirão enquanto crianças vão para a escola de mochila nas costas. O que posso fazer, o que tento fazer, é simplesmente oferecer um olhar, que não tem a pretensão de explicar nada. Me parece mais valiosa a curiosidade do que a busca de um entendimento que é evasivo, para dizer o mínimo. Talvez seja impossível, mesmo.

Observar o país de longe traz algo diferente para a sua escrita?

A distância tem seu quê de dor e seu quê de delícia. O afastamento proporciona outra perspectiva sobre os meus lugares de origem. Por outro lado, gera também um estranhamento. A minha experiência já não é mais a de quem vive ali. Do mesmo modo, morar num país onde não nasci nem cresci, e que terá sempre um quê de artificialidade para mim, me ajuda a não ter por certas as coisas, a manter viva a capacidade de me surpreender. Hoje tenho duas nacionalidades e me sinto menos “nacional” do que nunca. Acho a ideia de pátria estranha. O resultado de tudo isso é um certo desenraizamento que transborda de muitas maneiras para o que escrevo, começando pelas próprias temáticas que têm me interessado – a ideia de pertencimento, os deslocamentos, as experiências afetivas que são, sob vários aspectos, “fora de lugar”.

Como se dá o seu processo de pesquisa?

Visitar lugares e conversar com pessoas é fundamental, mas há sempre detalhes que uma busca na Internet acaba precisando fornecer. Passo bastante tempo fazendo pesquisa online – mapas, dados sobre um lugar ou evento histórico, etc.

Sabemos que outras artes influenciam em seu trabalho. Em qual dos seus livros podemos ver isso de uma forma mais visceral?

“Sinfonia em Branco” tem uma relação fundamental com a pintura e a música, e “Hanói” deve tudo ao jazz (eu o concebi, inclusive, como uma grande jam session improvisada pelo protagonista, um trompetista). Meu novo livro de poesia, “Pequena Música”, que sai em breve pela editora Iluminuras, tem também uma relação visceral – explicitada no título, ademais – com a música, bem como com os seus tradicionais “opositores”, o ruído e o silêncio (que podem, no entanto, ser incorporados por um conceito mais amplo de música, como foram, na obra de importantes compositores como John Cage, uma das referências do livro).

Escrever um livro torna-se dolorido em quais momentos?

O próprio processo da escrita pode ser dolorido quando o livro (ou o conto, ou o poema) não se deixa agarrar, quando o narrador teima em ser evasivo. Mas escrever é conviver intimamente consigo mesmo, por mais que se esteja trabalhando numa ficção que aponte para outras situações, para outras épocas ou lugares – que aponte, noutras palavras, para fora. A escrita é um processo íntimo, e nele às vezes a gente se depara com a própria dor: da perda de alguém querido, da saudade, da vergonha, de uma situação que nos causa indignação.

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Críticos dizem que o seu livro “Sinfonia em Branco” publicado em 2001, é um dos romances nacionais que não sairá da cabeça das pessoas nunca mais. Em algum momento quando escrevia essa obra, teve a mesma sensação?

De jeito nenhum! Lutei muito com a escrita desse livro, tinha 28 anos quando comecei a escrevê-lo e uma insegurança enorme – era o meu segundo romance. Por outro lado, já não havia mais a tensão superficial do primeiro romance, eu tinha uma editora (a Rocco, à época), então me senti um pouco mais à vontade para ser autêntica e fazer o que tivesse vontade de fazer. Mas não tinha ideias sobre o livro para além do processo de criação – se seria bem recebido ou não.

Seu estilo é único com uma prosa leve e cheia de poesia. Em que momento acredita que encontrou esse modo de escrever?

Encontrei alguma coisa mais próxima do que queria fazer em “Sinfonia em Branco” (que, pessoalmente, não sei se classificaria de “leve”). Mas de “Sinfonia” em diante trabalhei conscientemente uma espécie de enxugamento do meu estilo, que nesse romance é muito mais barroco do que no mais recente, “Hanói”. Sou amiga das metáforas, até por nunca perder de vista o fato de que a própria língua é metafórica, uma tentativa de apreensão do inapreensível. A metáfora e a comparação não têm nada a ver, para mim, com sofisticação. São simplesmente maneiras de responder a uma pergunta com outra pergunta. Mas também amo a simplicidade e sei que, em geral, é muito mais difícil escrever “fácil”. Morro de medo de carregar na mão.

Você também é autora de livros infantojuvenis. Quais os cuidados que se deve ter quando escreve para este universo?

Principalmente, na minha opinião, falar à criatividade e ao imaginário das crianças e jovens deixando de lado o dogmatismo e a tentação de transmitir ideias. Não gosto de livros com moral da história. Livros para crianças e jovens devem fazer pensar com liberdade, ajudá-los a voar, sem necessariamente um mapa.

Em quais dos 9 contos que compõem “O Sucesso” podemos encontrar você?

Estou plenamente presente no conto que dá título ao livro – sou as duas adolescentes fracassadas que protagonizam a história. Em termos especificamente autobiográficos, também em “Feelings”. Mas a verdade é que um autor está sempre presente em tudo que escreve, por se tratar do seu olhar, que é intransferível (e inevitável). Impossível a gente se ausentar do próprio trabalho, mesmo que esteja escrevendo sobre um universo com pouquíssimas correlações óbvias com o nosso. Então, estou nos nove contos, de uma maneira ou de outra.

Qual o grande erro e o grande acerto das pessoas que comentam a vida e a obra de Adriana Lisboa?

Desconfio da palavra “delicadeza”, embora saiba, em muitas ocasiões, o que as pessoas querem dizer quando a utilizam para falar do meu trabalho. É que, se não for bem definida, ela às vezes pode esconder certa noção de fragilidade ou debilidade (alguém com a saúde delicada), ou ainda susceptibilidade. Gosto da ideia de delicadeza no que ela se aproxima da leveza e de certa, digamos, escrupulosidade. Também tenho muito cuidado com os rótulos do feminino. Nunca pensei na minha escrita como feminina, nem em forma, nem em temática. Estou mais interessada, quando escrevo, nas relações que se estabelecem com o outro, de modo mais genérico. Ainda que esse outro assuma contornos específicos: outro gênero, outra raça, outra espécie animal, outra cultura, outra língua, outra idade. Circular nesse espaço é, para mim, o grande fascínio da literatura.

Última atualização da matéria foi há 2 anos


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