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Alex Flemming fala de evolução e ruptura

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Alex Flemming é pintor, escultor e gravador. Frequentou o curso livre de cinema na FAAP, em São Paulo, entre 1972 e 1974. Cursou serigrafia com Regina Silveira (1939) e Julio Plaza (1938-2003), e gravura em metal com Romildo Paiva (1938), em 1979 e 1980. Em 1981, viajou para Nova York, onde permaneceu por dois anos e desenvolveu projeto no Pratt Institute, com bolsa de estudos da Fulbright Foundation. A partir dos anos 1990, realizou intervenções em espaços expositivos e pinturas de caráter autobiográfico. Passou também a recolher móveis como cadeiras e poltronas, para utilizar em seus trabalhos, aplicando sobre eles tintas e letras ou textos. Em 1998, realizou painéis em vidro para a Estação Sumaré do Metrô de São Paulo, com fotos de pessoas comuns, às quais sobrepõe com letras coloridas trechos de poemas de autores brasileiros. A representação do corpo humano e os mapas de regiões em conflito estão na série “Body Builders” (2001-2002). Em 2002, são publicados os livros “Alex Flemming”, pela Edusp, organizado por Ana Mae Barbosa (1936), com textos de diversos especialistas em artes visuais, e “Alex Flemming, uma Poética…”, de Katia Canton (1962), pela editora Metalivros, em 2005, o livro “Alex Flemming – Arte e História”, de Roseli Ventrella e Valéria de Souza, pela Editora Moderna e no ano de 2012 o livro “Alex Flemming”, da crítica de arte Angélica de Moraes com edição da Cosac Naify.

Alex, como a arte pode ser o remédio contra a complexidade do mundo contemporâneo?

A complexidade do mundo contemporâneo não é má, podendo até ser muito boa. O que precisamos combater é o obscurantismo, a violência, o racismo estrutural, a intolerância com o Outro Diferente. Essas mazelas, na verdade, sempre ocorreram, é apanágio de nossa condição humana, sendo que o que difere no decorrer das épocas, é a dose. Infelizmente no Brasil dos tempos bolsonáricos, houve um movimento gigantesco de retrocesso, com ministros postos em lugares-chave para o desmantelamento e a aniquilação de Legislação conquistada em décadas de civilização, convívio mútuo respeitoso e luta social. Ou seja, de contemporâneos esses tempos não têm nada. Viva a volta à contemporaneidade! Se a arte pode ajudar nesse processo? Quisera eu poder responder que sim, mas sua pergunta é muito mais complexa do que uma desejável verdade… A Arte Pública talvez sim, desde que não seja panfletária ou propagandística. A arte em seu ápice que provoca a epifania individual, o que só o indivíduo poderá perceber (e modificar-se ou não).

O artista não pode ter medo de ousar. Em que momento você mais ousou em sua carreira?

A ousadia vem em diferentes substratos. A pessoa ousa ao se declarar homossexual perante o tabu da sociedade e as expectativas da família; a pessoa ousa ao enfrentar publicamente o arbítrio de um governo tirânico; a pessoa ousa ao defender o próximo em uma rua anônima. Individualmente o artista ousa ao expor sua verdade, condição sine qua non para merecer ser chamado de artista. Ousa também com seus movimentos concretos: o que você fez, o que concretamente produziu e quais os caminhos que resolveu seguir. Mas a bem da verdade devemos frisar que a ousadia é para todos, não é um privilégio do artista. Como o artista deixa seu resíduo na forma de telas, esculturas, partituras, livros, etc… é mais fácil decodificarmos essa evolução de desafios, mas é somente isso. Na verdade verdadeira todos somos iguais e ninguém deveria ter medo de ousar para tentar melhorar o mundo.

Como a produção incessante contribuiu para essa ousadia?

Penso que o artista deva produzir muito, ser uma pessoa caudalosa. Falo aqui do artista plástico, não do escritor, por exemplo. Por quê? Porque é possível existir um Escritor (assim mesmo, com letras maiúsculas) de um livro só, mas não é possível existir um artista plástico com pouca produção. Ser artista plástico é ser um rio, é ter uma vocação de vida, é algo quase religioso. Eu só acredito em pessoas que deram tudo de si, que abriram suas comportas e que produziram muitíssimo. Ou você produz continuamente a vida inteira, ou algo muito grave está falho. Tem que haver energia interna, clamor de produção, atos. Na arte como na vida há que se deixar resíduos. E a ousadia, que deve acompanhar a vida, é parte integral dela. Não acredito nas pessoas que deixaram seus sonhos na gaveta.

O erro em uma análise pessoal do artista, faz parte do processo?

O erro é parte integral da vida, o perdão também. Só assim conseguimos evoluir.

Como trazer a sua visão única como artista nas mais variadas frentes em que está inserido?

A produção do artista é o seu testemunho, a sua passagem. Estamos aqui e somos o elo de uma corrente de milhares de pessoas antes de nós com outras milhares que hão de nos seguir. Cada artista deve dar sua contribuição, por menor que seja. O respeito ao passado deve ser entendido como entendimento do presente e também como uma alavanca para o futuro. É importantíssimo não se desdenhar da História, com o perigo de a repetirmos como farsa.

A arte deve ter um papel social?

Toda arte é social. Toda arte só é válida em sociedade. Não existe arte na gaveta de alguém, por mais genial que esse alguém possa vir a ser: dentro da gaveta o que há é a clausura, o acovardamento, o Nada.

Em que momento acredita que a sua arte teve esse papel?

Sou um artista, não consigo avaliar meu próprio trabalho, e nem seria o caso: sou o produtor, alguém outro que julgue. Mas acredito que principalmente minhas obras públicas retratando a população anônima da cidade de São Paulo, tanto na Estação Sumaré do Metrô quanto na fachada da Biblioteca Mario de Andrade tenham exercido claramente esse papel social, e justifico esse meu pensamento pela quantidade de observações e mensagens que recebo a respeito delas.

A arte também salva. A arte lhe salvou em quais instantes de sua jornada?

A arte me salvou várias vezes da depressão, do desespero íntimo, da maldade alheia, etc, etc, etc.

O papel da fotografia em sua carreira é notório. Fotografar se tornou um saborear intenso de sua vida como disse Man Ray em uma certa oportunidade?

Sou um artista plástico que usa a fotografia. Não me considero um fotógrafo, deixo isso bem claro. A fotografia, com sua possibilidade mecânica de reprodutibilidade técnica, é quase a espinha dorsal de minha obra (apesar de também haver Séries que fiz sem referências fotográficas, geralmente as de pinturas-sobre-superfícies-não-tradicionais como as pinturas sobre bichos empalhados, pinturas sobre minhas roupas, pinturas sobre computadores). Minha primeira máquina fotográfica, uma Agfa tipo caixote, ganhei de meu pai antes dos 10 anos.

A mídia fotografia me fascinou desde então, mesmo inconscientemente quando era pequeno. A possibilidade de refletir sobre uma imagem captada e congelada no tempo foi-se desdobrando em inúmeras possibilidades conceituais combinando um universo fluido, pois, podemos voltar ao passado, com uma imagem múltipla, pois, a podemos modificar. Como resultado temos uma abordagem plástica, que a transportamos para as mais diferentes superfícies: é tudo o que quero na vida.

Criar rupturas, também é um papel do artista?

Claro. Tradição e ruptura são o Eros e o Thanatos da produção artística. Não há ruptura sem tradição e não há evolução sem ruptura. A ruptura é a nossa contribuição como artista, e essa ruptura só é válida se conhecemos o passado, a História: em outras palavras, a tradição.

Como as observações externas e as reflexões internas foram cruciais para a criação do seu trabalho “Mapa da Mina?”.

Na minha Série “Mapa da Mina” eu quis refletir sobre o Brasil, um país muito rico e infelizmente muito desigual. Por isso utilizei pedras preciosas que comprei em Minas Gerais, e as distribuí desigualmente em cima de território nacional cortado em madeira. Venho por fim deixar aqui uma provocação, mas algo que acho muito importante: para mim a arte tem que ser plasticamente sedutora, exuberante, linda. Acredito no belo, e acredito na inteligência das pessoas. O resto é pó!


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