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Alexandre Schwartsman analisa toda conjuntura

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Alexandre Schwartsman foi economista-chefe do grupo Santander Brasil e diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central (BC) durante o Governo do ex-presidente Lula. Schwartsman formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e em economia pela Universidade de São Paulo (USP). Cursou doutorado em economia na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Em sua carreira também constam passagens pelo Unibanco e pelo Bankers’Association (BBA). É colunista do jornal “Folha de S.Paulo”. “É uma sociedade com fortes traços corporativistas e desconfia do mercado. Veja só a decisão recente do STJ de não só proibir, como também cobrar retroativamente, a “taxa de conveniência” cobrada pelas empresas de ingressos. Estamos falando de decisões voluntárias, em que ninguém foi obrigado, com uma arma na cabeça, a comprar ingressos no site ao invés de se deslocar pessoalmente e pegar uma fila. Mostra também desconhecimento de como funciona uma economia de mercado. É óbvio que não será a proibição da taxa de conveniência que inviabilizará o capitalismo no Brasil, mas deve ficar claro que representa a mentalidade dominante nos meios judiciários e no país como um todo: pessoas têm que ser protegidas o tempo todo, como se fossem incapazes de defender seus próprios interesses”, afirma o renomado economista.

Em outubro passado, o senhor afirmou que com Bolsonaro ou Haddad, a economia não teria nenhuma chance de dar certo. Ainda continua com esse mesmo prognóstico?

Sim. Obviamente não há muito o que comentar no caso de Haddad, que não foi eleito, mas que, pelas suas manifestações recentes, bem como de seus economistas, certamente teria já causado em desastre de grandes proporções.

Já no que se refere ao atual Governo, há que se reconhecer que a equipe econômica formulou um bom projeto (com ressalvas quanto à capitalização, que ainda precisa de muito esclarecimento). Ainda assim, não vejo o núcleo político do Governo realmente empenhado na reforma. A dois minutos de jogo o presidente já admitia recuar na idade mínima para mulheres, além de afirmar que “reforma boa é reforma aprovada”, como se qualquer coisa fosse ter o mesmo efeito.

Se a vontade já não é muito (e a proposta para os militares reforça este ponto), a articulação política tem sido péssima, culminando recentemente com o distanciamento do presidente da Câmara. Goste-se, ou não, da figura, o presidente da Câmara é central para a evolução dos projetos de interesse do Governo. Ninguém sabe o tamanho do apoio parlamentar.

Neste meio tempo o presidente ainda não saiu do “modo campanha”, mais preocupado em agradar seguidores em redes sociais do que em efetivamente governar.

Nada disto sugere sucesso, muito pelo contrário.

Como vê o começo do Governo Bolsonaro pelo aspecto econômico nesses primeiros meses?

Como disse, uma boa proposta no que se refere à previdência e pouco mais. Para ser justo, o tempo não é tão longo e o projeto de reforma certamente demandou muito para ser montado. Tivemos também um bom começo na área de concessões, ainda que o impacto não seja ainda grande. Mas é cedo para uma avaliação mais completa.

O senhor é um economista da linha liberal. O Liberalismo é possível no Brasil de hoje?

Sempre é possível. Ocorre que a sociedade brasileira não é apenas antiliberal; desconfio que seja, na verdade, anticapitalista. O empresariado vive em busca de favores do Governo; indivíduos de alguma forma de proteção, ou privilégios. É uma sociedade com fortes traços corporativistas e desconfia do mercado.

Veja só a decisão recente do STJ de não só proibir, como também cobrar retroativamente, a “taxa de conveniência” cobrada pelas empresas de ingressos. Estamos falando de decisões voluntárias, em que ninguém foi obrigado, com uma arma na cabeça, a comprar ingressos no site ao invés de se deslocar pessoalmente e pegar uma fila. Mostra também desconhecimento de como funciona uma economia de mercado.

É óbvio que não será a proibição da taxa de conveniência que inviabilizará o capitalismo no Brasil, mas deve ficar claro que representa a mentalidade dominante nos meios judiciários e no país como um todo: pessoas têm que ser protegidas o tempo todo, como se fossem incapazes de defender seus próprios interesses.

É possível dizer que o mercado foi cínico com a promessa do programa liberal de Bolsonaro?

Acredito que muita gente foi sincera no seu apoio a Bolsonaro (ou até admiração por ele, sei lá), mas a motivação principal é que ele não era o PT. Como já disse, com o PT o desastre econômico seria uma certeza; com Bolsonaro houve quem acreditasse (não eu) que ainda haveria uma chance.

Tivemos um debate econômico fraco nas eleições de 2018. Se esse debate tivesse ocorrido, o resultado seria diferente?

Sinceramente, não sei. Acredito que ajudaria o entendimento das questões, mas, se vale meu diagnóstico acima, quem cometesse sincericídio não seria eleito.

Quanto a Reforma da Previdência é vital para o bom andamento da economia nacional?

É condição necessária. Sem a reforma e mantendo o teto de gastos, em dois ou três anos o gasto discricionário do Governo Federal será reduzido abaixo de níveis que permitam o Governo funcionar, o que provavelmente implicaria o relaxamento (ou até revogação) do teto. Isto inviabilizaria o controle do endividamento público: a relação dívida/PIB, que sob o teto se estabilizaria em algum momento da próxima década, seguiria crescendo. Assim, em algum momento o BC será obrigado a fixar taxas de juros que possibilitem a estabilização da dívida, sem preocupação com a ancoragem da inflação. No final das contas, sem reforma teremos uma trajetória de inflação muito diferente da observada nos últimos anos.

A não aprovação seria um desastre?

Sim, porque, bem ou mal, quem toma as decisões econômicas compreende o processo descrito acima e não vai ficar parado esperando o desastre acontecer. No mercado financeiro os preços de ativos refletem o futuro; nas empresas seus planos de investimento dependem do ambiente econômico esperado quando os investimentos se materializarem. De uma forma, ou de outra, há antecipação.

Isto dito, o cenário de não aprovação parece remoto. O provável é a aprovação de uma reforma bem aguada, como estava ocorrendo durante o Governo Temer. Empurra-se o problema mais dois ou três anos para a frente e delega a responsabilidade para o próximo Governo. Talvez o mercado financeiro fique satisfeito (talvez acredite que “reforma boa é reforma aprovada”); para mim, seria sinalização de um país que ainda não entendeu o tamanho do buraco em que se meteu.

Quais outras reformas adicionais são necessárias para restaurar a sustentabilidade fiscal do país?

Redução do peso do funcionalismo no gasto público, principalmente nos estados. Maior flexibilidade nos orçamentos públicos, reduzindo (se não eliminando) vinculações e pisos. Impor avaliações a programas de gastos e renúncias tributárias.

Essas outras reformas podem “emparedar” o Governo?

Sempre serão difíceis, ainda mais à luz das restrições política e lobbies dos setores potencialmente prejudicados. Mas a verdade é que deixamos o problema correr solto muitos anos e a margem de manobra se reduziu enormemente. Se não forem tratados agora, provavelmente nos levarão a uma crise fiscal nos próximos anos. Para mim a escolha é entre enfrentar as dificuldades agora, ou ser trucidado nas próximas eleições por força de uma baita crise.

Você bate muita na tecla do corte de gastos. O quanto isso será essencial para o Governo Bolsonaro equilibrar as contas?

Sem mexer no gasto o problema fiscal não se resolve. Já tentamos o caminho de aumento de impostos e ele nos trouxe para cá. Mesmo com o baixo crescimento a carga tributária é uns 7-8% do PIB maior que há 20 anos, mas o gasto não parou de crescer. Caso aumentemos de novo impostos podemos até ter algum alívio temporário, mas o desequilíbrio retorna.

Ademais, a ideia que podemos aumentar impostos sem maiores consequências também não tem grande sustentação. O Brasil é, dentre os emergentes, um dos países com maior carga tributária e nosso desempenho ruim neste grupo também resulta disto. Além de pesada, a carga é disfuncional em várias dimensões, como mostrado muito bem pelo Bernard Appy. É custosa, principalmente para empresas. Distorce decisões de produção (o que produzir e aonde), reduzindo produtividade.

Nossa própria experiência ruim com estas escolhas deveria ser lembrada, mas misteriosamente há muitos que insistem neste caminho. Somos imunes ao aprendizado.

A retomada do crescimento também passa por uma maior abertura da nossa economia. Como isso deveria ser feito?

Exatamente ao contrário do que fizemos nos últimos 15 anos. A modesta liberalização que ocorreu nos Governos Collor e FHC foi devidamente revertida, com regimes especiais para certos setores, regras de origem nacional, subsídios, etc. Agora falam até em barrar bananas, certamente um setor estratégico para um país especializado em atravessar largas avenidas só para pisar nas cascas de bananas do outro lado.

Cabe então buscar novos acordos comerciais e buscar maior integração com o resto do mundo. E nada impede que tomemos também medidas unilaterais, já que seríamos nós os beneficiários de maior abertura.


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