Amanhã, a partir das 18h, com entrada gratuita, estreia na Cinemateca do MAM Rio o documentário “Dos antigos aos filhos do amanhã”, de Leonardo A. Gelio, fotógrafo interessado em questões socioambientais. O filme aborda a luta pela manutenção da cultura caiçara na comunidade da vila de Trindade, em Paraty, no Rio de Janeiro, acompanhando a construção da tradicional canoa, um saber passado de geração em geração, que corre risco de extinção. O evento irá celebrar esta cultura tradicional integrada ao Meio Ambiente, com a presença dos protagonistas do filme e abrangerá várias atrações, como música, pintura em telas feitas na hora sobre as cinco espécies de árvores mais adequadas para a construção da canoa caiçara, mostra de fotografia e comidas veganas. A estrutura e montagem do evento serão feitas de modo sustentável. Após a exibição do filme será realizado um debate com participação do diretor e de Robson Possidônio, pescador, aprendiz de canoeiro do Seu Vitor, presidente da Associação de Moradores Originários da Trindade (AMOT) e membro do Fórum de Comunidades Tradicionais; Hernani Heffner, conservador-chefe da Cinemateca do MAM Rio e Nina Braga, socióloga e psicóloga com pós-graduação em Antropologia Social pela UFRJ e diretora do Instituto E. A mediação é de Sergio Mota, doutor em Letras e professor de Comunicação Social na PUC-Rio.
Leonardo, em que momento o seu interesse por questões socioambientais falou mais alto?
A partir do momento que percebi o mundo fora da minha bolha, como um local de muitas injustiças. Então, no primeiro momento que encontrei expressão nas artes fotográficas e cinematográficas tive essa motivação, de envolver, na prática artística, pautas que me causam inquietação no cotidiano.
E em que momento essas questões se tornaram patentes em seu trabalho?
Particularmente, não gosto de me prender a rótulos. Mas, acredito que estamos vivendo momentos de urgência latente na nossa sociedade, e sinto que precisamos investir muita energia para combater as injustiças socioambientais que o nosso povo e o mundo vêm sofrendo. Por isso, venho tendo uma atenção especial ao me envolver diretamente com questões “humanitárias”, entendendo que toda forma de arte tem seu papel político. Passei a ter mais atenção em relação a isso a partir dos meus estudos de cinema e comunicação na faculdade. Onde também passei a me envolver com ações voluntárias, como, por exemplo, no Jardim Gramacho.
O documentário também se iniciou por um processo de curiosidade, mais pela questão artesanal da construção da canoa (algo mais lúdico), mas, ao me aprofundar nas pesquisas, percebi que o povo caiçara e, generalizando, o povo brasileiro, é muito sofrido e injustiçado. Portanto, passei a enxergar o nosso país de uma maneira distinta, abrindo consciência para o ponto de vista dos menos privilegiados. Daí foi só ter iniciativa.
Em vista disso, podemos dizer que para você a arte deve ter um papel social, certo?
Acredito que toda forma de arte possui papel social, pois, ela parte de um ser humano, ou seja, ela é fruto da humanidade. Daí já basta ser uma expressão para ter um sujeito que possa percebê-la e seja afetado empaticamente. A arte é social porque ela é fruto de uma expressão que, não necessariamente, busca o outro, mas que tem força para impactar o outro, sendo assim, ela tem poder afetivo, que no fim das contas é fundamental em qualquer relação social e sociedade.
Mas, de uma maneira mais objetiva, acredito que existem formas de arte que são mais palatáveis e objetivas em relação a certos assuntos. É uma afirmação complexa, mas acho que às vezes, pode ser importante tornar a forma artística mais objetiva, com o intuito de protestar ou levantar pontos cruciais na nossa sociedade, que fiquem mais claros, mas é um assunto a se discutir. Agora, na minha opinião, sim, a arte deve ter e tem um papel social fundamental.
O que se vê em suas fotografias e agora no documentário “Dos antigos aos filhos da amanhã”, que são oriundas de suas reflexões internas?
Acredito que tudo. Para mim a expressão artística é consequência de nossas inquietações, sejam elas inconscientes ou conscientes. Vêm de uma energia que busca o avanço da sociedade, como um todo. Tem função de questionamento e inflexão altamente potentes humanitariamente e afetivamente.
E o que as observações e inquietações externas trazem para o seu trabalho?
Eu, particularmente, não separo externo de interno nesse caso, pois, acho que há uma conexão aí. A partir do momento que algo externo me afeta se torna interno instantaneamente, por isso já passa a mudar minha forma de ver o mundo.
Que influências artísticas e sociais lhe moldaram para o atual momento em que se encontra?
Existem muitos artistas que admiro tanto que gostaria de falar agora, mas posso citar, principalmente em relação ao filme, a influência do Vincent Carelli, com o filme “O Martírio”. Lembro também do filme “Arraial do Cabo”, de Paulo César Saraceni e Mário Carneiro, dos documentários de Thomas Farkas, e também dos de Jean Rouch.
O filme explora a manutenção de uma cultura. As gerações atuais estão esquecendo do legado trazido pelas gerações passadas em sua visão?
Acredito que o risco de extinção não deva ser atribuído a isso, e sim a um contexto civilizatório que desvaloriza as artes tradicionais manuais, e empurra de todas as maneiras os jovens a esquecerem suas raízes e a entrarem dentro de um mercado saturado e competitivo, o que em consequência os afasta da prática artesanal. Acho que até mesmo isso é uma crise nacional, que não dá o devido valor à manutenção da nossa cultura. E isso é muito grave, pois, além de fazer com que as pessoas percam suas identidades, também faz com que se percam conhecimentos muito ricos, que se mantinham vivos através da oralidade. Por exemplo, conhecimento de ervas e medicinas naturais. Há também legislações equivocadas, que ignoram toda a sabedoria que esse povo mantém sobre a floresta. Ou seja, quem vai praticar uma atividade que não dá “futuro?”. Essa é a lei do “progresso”.
Qual a lição mais valiosa que você absorveu enquanto realizava esse documentário?
Que estamos buscando a felicidade da maneira errada! Uma vida mais simples, num ritmo mais humano, conectada à natureza e em sociedade é a solução para uma vida mais saudável. Deveríamos todos aprender um pouco mais com os caiçaras.
O que tem no documentário que é vindo da sua cabeça de fotógrafo?
Não separo as duas formas de arte. Durante todo o tempo em que estou gravando penso em fotografar e vice-versa (Risos). Me pergunto todo dia a qual das duas artes quero me dedicar com mais atenção. Ainda não tenho a resposta. Acho que não preciso também (porque elas se complementam).
Como analisa a questão socioambiental no Brasil como um todo?
Para que tenhamos uma melhora considerável nesse aspecto, precisaríamos de alguns séculos de políticas públicas compromissadas em reduzir a desigualdade social, as injustiças relativas à cor, gênero e sexualidade, e promovessem de maneira séria e científica, uma agenda anticolapso climático (pra ontem), incluindo a proteção das comunidades tradicionais e dos indígenas.
Na minha opinião um Brasil (e um mundo), socioambientalmente melhor é um lugar em que haja menos sofrimento e em que as pessoas tenham propósito de vida. Infelizmente, hoje, estou vendo o contrário acontecer, e de forma rápida. Portanto, acho a situação atual extremamente grave. Por um outro lado, vejo muitos jovens se unindo para defender pautas semelhantes as minhas e que vêm ganhando força, então, espero que num futuro próximo esses jovens se tornem líderes que advoguem sob esses valores, e que isso não demore muito.
Você ressalta que estão resgatando a importância histórica e cultural da canoa como símbolo de resistência. Acredita que esse é o ponto fundamental da obra ou acrescentaria algo mais?
Penso que a canoa serve como metáfora pra muito mais do que somente sua produção. Os caiçaras têm uma série de práticas tradicionais que vêm se perdendo, por variados motivos, sendo um dos mais marcantes a especulação imobiliária que expulsou muitos de suas terras. Nesse sentido, o que faz o caiçara (que permaneceu na terra) manter a sua identidade é justamente manter a chama da tradição viva. Os trindadeiros são um grande exemplo disso. Eles iniciaram uma série de ações para manter viva a sua tradição.
E a construção da canoa é uma dessas artes típicas, que corre risco de ser extinta, e particularmente me encantou muito por ser uma perfeita síntese de um povo muito rico que tem no sangue a floresta e o mar. Para além da arte canoeira se tornar um símbolo de resistência, um dos fatores mais importantes é o manejo da floresta, e a forma como eles lidam com a natureza ao seu redor de forma sustentável. É uma verdadeira aula de como viver em comunidade através do que a natureza te dá, e você só precisa respeitá-la e entendê-la, que a subsistência da comunidade está garantida. Isso é algo que nós, nos grandes centros, perdemos faz tempo.
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