A Arapuã, uma das maiores redes de varejo de eletrodomésticos do Brasil, passou de um império comercial a uma empresa falida, com sua história marcada por um crescimento meteórico e um colapso devastador. Fundada no interior de São Paulo, a rede alcançou centenas de lojas por todo o país, tornando-se uma referência no setor de eletroeletrônicos durante décadas. No entanto, o destino da Arapuã foi fortemente influenciado por uma série de fatores econômicos, decisões internas e desafios estruturais. Este texto explora os elementos que culminaram no desmantelo de uma das maiores redes varejistas do Brasil.
A Arapuã foi fundada na cidade de Lins, interior de São Paulo, pelo descendente de libaneses, Jorge Wilson Simeira Jacob. Com um foco inicial no comércio de eletroeletrônicos, a empresa cresceu rapidamente ao longo das décadas de 1970 e 1980, à medida que o Brasil passava por um processo de urbanização e expansão da classe média. A rede se especializou na venda de televisores, rádios, geladeiras e outros itens que simbolizavam modernidade para as famílias brasileiras da época.
O grande diferencial da Arapuã era sua agressiva estratégia de financiamento. Os consumidores podiam parcelar suas compras em várias prestações, o que aumentava a acessibilidade dos produtos para a população de classe média e baixa. Essa fórmula de sucesso fez a rede alcançar 265 lojas em todo o Brasil no auge de sua expansão. No entanto, os desafios que surgiram nas décadas seguintes mostrariam que o crescimento da Arapuã estava sobre bases frágeis.
Em 1997, a crise financeira na Ásia desencadeou uma série de efeitos em cascata no cenário econômico global. Embora a crise tenha começado em países como Tailândia, Indonésia e Coreia do Sul, seus impactos rapidamente se espalharam para outras economias, incluindo o Brasil. O governo brasileiro, em uma tentativa de conter os efeitos da crise e estabilizar a economia, aumentou as taxas de juros em um movimento agressivo.
Esse aumento dos juros teve um impacto direto sobre as vendas a prazo, que eram a espinha dorsal do modelo de negócios da Arapuã. Com os juros mais altos, ficou mais caro para os consumidores parcelarem suas compras, resultando em uma queda significativa nas vendas de eletrodomésticos e eletrônicos. Além disso, a inadimplência cresceu vertiginosamente. Em junho de 1998, os créditos em atraso da Arapuã somavam cerca de R$ 550 milhões, um valor expressivo que colocava a empresa em uma situação financeira extremamente delicada.
Com o acúmulo de dívidas e a diminuição das vendas, a Arapuã entrou em uma espiral descendente. Em 2 de junho de 1998, a empresa fez o pedido de concordata, uma medida para evitar a falência e ganhar tempo para reestruturar suas finanças. A concordata foi aprovada no dia 22 do mesmo mês, mas os desafios estavam longe de serem resolvidos. A empresa fez um plano de recuperação que incluía fechamento de lojas, demissões e renegociação de dívidas com os credores.
Apesar dessas medidas, a Arapuã continuava a enfrentar dificuldades para se reerguer. Em 2002, a dívida da empresa já havia atingido a marca de R$ 1 bilhão, o que agravava ainda mais a situação. A empresa não conseguiu cumprir integralmente o plano de recuperação e ficou inadimplente em relação a algumas parcelas da concordata, correndo o risco de ter a falência decretada.
Em um movimento para manter sua marca em evidência, a Arapuã firmou um contrato de patrocínio com o São Paulo Futebol Clube em 2001, estamparando sua logomarca nas camisas do time nos jogos da final do Torneio Rio-São Paulo. Curiosamente, o São Paulo sagrou-se campeão da competição, mas a associação entre a Arapuã e o título esportivo não foi suficiente para reverter a imagem de uma empresa em decadência.
A tentativa de revitalizar a marca por meio do futebol, uma paixão nacional, refletia o desespero da empresa em se manter relevante no imaginário popular, ao mesmo tempo, em que suas finanças ruíam. Era uma estratégia que contrastava fortemente com a realidade financeira da rede, cujos esforços de marketing não conseguiam disfarçar os graves problemas estruturais.
Em julho de 2002, a Justiça de São Paulo decretou a falência da Arapuã em primeira instância, devido ao descumprimento do plano de concordata. No entanto, a empresa conseguiu reverter a decisão no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que entendeu que ainda havia chances de recuperação. Esse episódio ilustra a complexidade da situação financeira da empresa, que oscilava entre a esperança de recuperação e o iminente colapso.
Entre idas e vindas judiciais, a Arapuã continuou a operar, embora em uma escala muito menor do que no auge. Em 2009, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou um recurso de credores que pediam a falência definitiva da empresa. O tribunal confirmou a falência por descumprimento da concordata de 1998, com base na antiga Lei de Falências de 1945, que vigorou até 2005.
Mesmo após a decisão do STJ em 2009, a Arapuã não desistiu. A empresa solicitou um pedido de recuperação judicial com base na nova lei de 2005, o que foi inicialmente concedido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. O TJ-SP entendeu que, apesar da falência decretada, ainda cabia recurso, e a Arapuã tentou renegociar suas dívidas e manter algumas operações ativas.
No entanto, em 2020, o STJ voltou a se pronunciar sobre o caso, determinando que o julgamento do TJ-SP havia sido ilegal, pois a empresa já tinha falência decretada. Com isso, os ministros do STJ votaram por 4 a 1 para decretar a falência da Arapuã pela segunda vez, colocando um fim definitivo à saga da rede varejista. Essa decisão confirmou que a empresa havia descumprido suas obrigações e já não tinha mais condições de continuar operando, selando de vez o destino da Arapuã.
A queda da Arapuã ensina lições valiosas para o mundo dos negócios. Primeiramente, mostra como empresas que dependem fortemente de financiamentos a prazo e de vendas parceladas estão vulneráveis a mudanças econômicas, como o aumento das taxas de juros. A Arapuã se viu incapaz de lidar com a alta inadimplência causada por essas condições, o que minou seu fluxo de caixa e sua capacidade de continuar crescendo.
Além disso, a história da Arapuã destaca a importância de uma gestão financeira sólida e de uma estrutura flexível para enfrentar crises. A empresa não conseguiu adaptar seu modelo de negócios às novas realidades do mercado, ficando sobrecarregada por dívidas e sem recursos para inovar e se modernizar.
A batalha judicial prolongada e as tentativas de recuperação também servem de exemplo sobre como empresas podem se agarrar a estratégias de sobrevivência por muitos anos, mesmo quando já estão em um estágio avançado de declínio. No caso da Arapuã, essas tentativas apenas prolongaram o inevitável, pois, a empresa já havia perdido a confiança do mercado e de seus credores.
O desmantelo da Arapuã (com o seu famoso e nostálgico slogan “ligadona em você”) foi causado por uma série de fatores, desde a crise econômica internacional até problemas estruturais e de gestão interna. A rede, que um dia foi símbolo de modernidade e inovação no varejo brasileiro, não conseguiu se adaptar às mudanças do mercado e, quando se viu diante de uma crise financeira, não tinha mais forças para se recuperar. A história da Arapuã é um lembrete poderoso de que, no mundo dos negócios, crescimento e sucesso passados não garantem sobrevivência futura sem uma gestão sólida, planejamento estratégico e capacidade de adaptação.
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