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Banco de Alimentos na luta contra o desperdício

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Em 1998, aos 37 anos, a economista carioca Luciana Chinaglia Quintão, então dona de uma editora bem-sucedida, não estava satisfeita com os rumos da sua vida. Queria fazer mais. Nada de bens materiais, novos títulos publicados ou dinheiro no banco. Queria ajudar ao próximo. “Eu achei que tinha condições financeiras e conhecimento para fundar alguma coisa que pudesse prestar um serviço para a sociedade”, lembra Quintão, que é formada em economia pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), com mestrado em administração pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Na época já morando em São Paulo (devido ao casamento que lhe rendeu três filhos) Luciana vendeu a editora e decidiu abrir um banco, mas não qualquer banco. Luciana então fundou a ONG Banco de Alimentos, que hoje distribui mais de 45 toneladas de alimentos por mês, quantia que alimenta mais de 22.171 brasileiros por dia. “Sem dúvida há pessoas que têm consciência deste fato, mas acredito piamente que ainda não é esta consciência que prevalece na sociedade como um todo, infelizmente. É só olhar os números do Brasil e do mundo em relação à questão: degradação social, pois, se as pessoas não se alimentam bem, não se desenvolvem bem, ficam doentes, gastam mais com saúde pública, aprendem menos, produzem menos”, afirma a fundadora do Banco de Alimentos. 

Luciana, nos fale como foi o começo de sua carreira até chegar a criação do Banco de Alimentos.

Eu sou carioca e formada em economia pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). A vida me trouxe para São Paulo (nunca esqueci da minha cidade maravilhosa!) Nunca superei este fato [risos]. Aqui comecei a trabalhar. Porém, desde que me conheço por gente a ideia de abandono de pessoas me incomoda. Aos 37 anos, tive um diálogo interno e me perguntei se eu ficaria só pensando ou se faria algo a respeito.

Quando você notou que o desperdício pode salvar?

Quando bati com os dados reais, ou melhor, prestei atenção: Como um país tão rico quanto o nosso, já em 1998, uma das 10 maiores economias do mundo, podia, na época, ter mais de 50 milhões de pessoas vivendo na linha da miséria (de meio salário mínimo para baixo) e 27 milhões de indigentes (sem renda alguma)? Eles comiam? Todo dia? O quê? O que era lixo para uma metade da população era a vida, a saúde, a dignidade, e a inclusão para a outra.

Acredita que as pessoas têm consciência que ao desperdiçarem toneladas diariamente, contribuem para a degradação econômica e social do nosso país, como disse há um tempo?

Sem dúvida há pessoas que têm consciência deste fato, mas acredito piamente que ainda não é esta consciência que prevalece na sociedade como um todo, infelizmente. É só olhar os números do Brasil e do mundo em relação à questão: degradação social, pois, se as pessoas não se alimentam bem, não se desenvolvem bem, ficam doentes, gastam mais com saúde pública, aprendem menos, produzem menos. Pessoas, crianças privadas de alimentos, muito comumente também têm questões emocionais associadas. Degradação econômica, pois, desperdiçamos milhões de recursos financeiros e recursos ambientais ao produzirmos alimentos para ter o lixo como destino, e o lixo vai se transformar em CO₂, mudando todo o clima do planeta e poluindo os lençóis freáticos, fora o desmatamento desnecessário de florestas, mais uma vez constituindo-se em prejuízo, social, econômico e ambiental. E ainda acrescento a degradação moral e ética em toda esta questão. Para ter uma ideia do que é jogado fora no mundo, é só ver o último relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), que nos conta ser a decomposição de alimentos hoje a terceira maior fonte mundial de gás carbônico na atmosfera e se este desperdício fosse mensurado em números seria equivalente a toda riqueza gerada pelos Estados Unidos em um ano.

Você disse que as pesquisas sobre os dados da fome no Brasil são muito falhas. Quais os principais erros?

A falta de verdade, a ignorância, a falta de contextualização, as premissas, as notícias erradas e/ou parciais, tudo isto pode levar ao erro de visão ou interpretação da realidade. Não te posso apontar um único aspecto, são vários, como tentei explicar. Exemplo: foi amplamente noticiado há algum tempo que o Brasil era um país de obesos! Houve grande repercussão nacional e internacional. O problema é que a notícia foi interpretada pela maioria das pessoas como se não houvesse problema nenhum de fome no Brasil! Outro exemplo, para o modelo econômico vigente é a premissa que quem ganha mais do que R$ 70,00 por mês, não está na linha da miséria! A pessoa tem que comer, morar, se transportar, comprar remédio… Dá? A cesta básica, por exemplo, é para uma pessoa? Uma família? Têm produtos de higiene pessoal? Afinal, escovar os dentes é básico… Produtos de limpeza, têm? Daria para continuar com muitos e muitos outros exemplos, incontáveis…

Em 2010 foi lançada a Campanha “9 Você Pode”, a qual dizia que com uma doação de 9 reais mensais, qualquer um poderia ajudar uma pessoa carente a ter as três refeições diárias durante 30 dias. Você sentiu que o brasileiro é um bom doador quando é chamado para uma causa como esta?

Esta conta não é fantástica? Alimentamos 22.000 mil pessoas por dia, só com alimentos perfeitos para o consumo que teriam o lixo como destino, a um custo mensal de R$120.000 reais. Isto dá um custo de R$ 5,45 por pessoa para ser alimentadas, os outros R$ 3,00 é para mantermos estrutura e educação. Se tivéssemos 13.300 pessoas que doassem R$ 9,00 por mês, nosso trabalho, que é auditado, ficaria auto sustentado! Espero que quem leia se interesse muito pela nossa equação, pois, creio eu que o nosso marketing não deve ter sido bem-sucedido, pois, a campanha não reverteu no resultado esperado…

Atualmente quais os principais parceiros do projeto?

A Citröen é nossa grande parceira, pois, os carros que transportam os alimentos são cedidos pela empresa. Nossos carros (três) recolhem, em média, 40 toneladas de alimentos por mês e rodam centenas de quilômetros todos os dias. A Tramontina lançou uma campanha maravilhosa no final do ano passado, revertida este ano, de marketing relacionado à causa. Nossa luta é diária, no fim do mês sempre temos as despesas fixas para pagar…

Na sua visão, o desperdício zero é uma utopia. Então, o que deve ser feito para o desperdício ser minimizado ao máximo?

O desperdício é um grande contrassenso, que deve ser evitado por todos os meios. Se é uma utopia acabar com o desperdício, não é uma utopia direcioná-lo para que não se constitua de fato em uma perda total e irracional, através de programas como o nosso ou outras iniciativas! Tudo é melhor que jogar o alimento no lixo! Usar o alimento integralmente, sem desprezar os talos as folhas e as sementes, é algo que todos nós devemos fazer e está ao alcance de nossas mãos… Para que o desperdício seja minimizado ao máximo, é necessário que haja conhecimento/educação. Você sabe o quanto é jogado fora? O que isto acarreta de perdas e problemas que te afetam? Você tem consciência do que isto significa, inclusive para outras vidas humanas? É necessário que haja consciência! Também é necessário infraestrutura, perdemos alimentos na colheita, na armazenagem e no transporte também, e muito! De 10 caixas produzidas no campo, apenas 3 chegam à mesa do consumidor. E também boas legislações, que incentivem a doação de alimentos. Para tanto precisamos de bons políticos e de cidadãos conscientes e não coniventes com o mau uso do dinheiro publico, ineficiências, despreparos e falta de justiça. Tudo isto muda uma cultura!

O Brasil produz quase 30% a mais do que necessita para alimentar todos os brasileiros. Se a produção não tivesse toda esta margem, acredita que teríamos mais respeito com os alimentos?

Com certeza! Aquela ideia de que a gente só dá valor quando perde precisa mudar! Isto é ignorância, concorda?

Quais são as ações educativas que estão sendo realizadas pelo Banco de Alimentos atualmente?

Várias! Ensinamos para as entidades através de aulas, cursos e workshops a montagem de cardápios para as especificidades do público atendido, além de como aproveitar os alimentos integralmente, técnicas de higiene, estoque, alimentos funcionais e alimentação equilibrada, entre outros. Para as crianças carentes fazemos sensibilizações e explanações da importância de legumes e verduras no prato, pois, a grande maioria destas, se deixarmos, só comem macarrão com arroz, preferem frituras, farináceos e etc… Em escolas, tanto públicas quanto privadas, fornecemos o nosso programa denominado ATS – Alimentando a Transformação Social, com conteúdos que vão do primeiro ano fundamental ao terceiro colegial. É um programa maravilhoso que começa com os pequenininhos tendo apresentações de palhaços para aprenderem que cascas e outras partes dos alimentos não são lixos, até o terceiro colegial, quando o assunto é a política como ferramenta de melhoras sociais e desenvolvimento econômico e sustentável. Estes novos eleitores, são sensibilizados a fazer realmente a sua parte dentro de uma democracia participativa ao invés de perder seu poder em uma democracia meramente representativa. Na primeira, o eleitor diz saber o que quer, conhece seus direitos e da sociedade como um todo, cobra e participa, faz parte! Na meramente representativa, que é o nosso modelo atual, o eleitor coloca seu voto na urna, elege alguém para lhe representar, que de fato, muitas vezes não o representa como deveria. Neste ponto também falamos de carreiras e a importância da ética em exercê-la, tanto para si como para a sociedade, em geral. Temos cursos e palestras para empresas também e um convênio com uma faculdade de nutrição para fazer uma ponte entre o mundo acadêmico e o terceiro setor.

O que lhe motiva (mesmo com todas as dificuldades), a continuar à frente deste projeto ousado que é o Banco de Alimentos?

Olha, realmente é difícil! Quem trabalha com esporte e cultura tem o benefício da Lei Rouanet. Quem trabalha com educação e saúde têm convênios com o governo nas três esferas, Funcad (Fundação de Apoio a Criança e ao Adolescente) e etc… Quem trabalha com insegurança alimentar como nós, o próprio sentido da vida, conta apenas com o benefício da nota fiscal paulista, assim como todos citados anteriormente. Não desisto porque acredito que todos, individual e coletivamente, são responsáveis pelo mundo que está a nossa volta e vivo de acordo com meus preceitos. Mas confesso que depois de 15 anos construindo, já está na hora de eu entrar para o conselho e meus pupilos continuarem o caminho. Você se habilita?

Última atualização da matéria foi há 2 anos


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