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Bernardo Sorj diz que futuro é uma incógnita

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Bernardo Sorj estudou Antropologia no Uruguai com Darcy Ribeiro e completou seu bacharelado e pós-graduação em História e Sociologia na Universidade de Haifa, em Israel. Concluiu seu doutorado em Sociologia na Universidade de Manchester, na Inglaterra. Morando no Brasil desde 1976, Bernardo Sorj é naturalizado brasileiro. Ele foi professor no Departamento de Ciência Política na Universidade Federal de Minas Gerais e no Instituto de Relações Internacionais – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Professor visitante e catedrático em diversas universidades europeias e norte-americanas, tendo ocupado, entre outras, a Cátedra Sérgio Buarque de Hollanda, na Fondation Maison des sciences de l’homme, em Paris, e a Cátedra Simón Bolívar, no Institut des hautes études d’Amérique Latine, na Universidade de Paris III (Sorbonne Nouvelle). Bernardo Sorj é membro do conselho de vários jornais acadêmicos, assessor de instituições científicas e consultor de organizações internacionais. É coordenador do projeto de tradução de revistas latino-americanas de Ciências Sociais para o inglês, SciELO (Scietific Eletronic Library Online). Em 2005, Bernardo Sorj foi eleito o “Homem das Ideias” pelo Jornal do Brasil. “Devemos precisar a que nos referimos quando falamos de neoliberalismo. O conceito por vezes é usado para denegrir e descartar ideias sem uma discussão substantiva sobre os problemas”, afirma o sociólogo.

Como o senhor tem visto o uso das tecnologias para o ativismo político em especial no Brasil?

Explorei extensamente o tema num livro que está disponível para acesso gratuito na internet em: ativismo político em tempos de internet. Nele indicamos que o ativismo político na internet apresenta experiências criativas, mas deve enfrentar vários desafios. Em primeiro lugar a tendência crescente de atores poderosos do mundo off-line de colonizar o espaço on-line, muitas vezes escudados no anonimato, permitido pela rede. Em segundo lugar a tendência a polarização e simplificação do debate político que é caraterístico das redes sociais.

Em 2008, o senhor afirmou que o neoliberalismo havia entrado em colapso. Acredita que ele pode ressurgir com alguma intensidade, ou mesmo com outro nome nos próximos anos?

Devemos precisar a que nos referimos quando falamos de neoliberalismo. O conceito por vezes é usado para denegrir e descartar ideias sem uma discussão substantiva sobre os problemas, em geral, reais, que elas apontam e procuram dar respostas. Assim para muitos neoliberalismo se transforma num insulto, uma forma de desqualificar o outro e fugir do debate político informado. Entendo o neoliberalismo como um conjunto de propostas que procuram diminuir o papel do Estado na economia, desregular os mercados – inclusive o mercado de trabalho e financeiro. A crise de 2008 mostrou os limites desta visão, que também está associada ao aumento da desigualdade social, em particular nos países desenvolvidos. Não diria que o neoliberalismo entrou em colapso, mais o endeusamento dos mercados perdeu credibilidade, e ele é criticado inclusive por instituições internacionais que o promoveram, como o FMI (Fundo Monetário Internacional). Por outro lado, não pode ser definida como neoliberal toda medida que procura mudar o Status quo, em particular de corporações de funcionários públicos que adquiriram direitos que são verdadeiros privilégios, ou a defesa da responsabilidade fiscal, ou procurar uma maior racionalidade, controle e eficiência do Estado. Quem isto faz cria espantalhos, para não enfrentar o debate político que exige a capacidade de integrar e aproveitar as contribuições válidas das diferentes correntes de pensamento.

Qual será a principal marca olhando do ponto de vista sociológico, que o senhor acredita que o Governo Obama deixará para a história dos EUA?

Certamente a de ter sido o primeiro presidente negro do país tem um valor simbólico inegável, ainda que o conflito racial continue presente na sociedade. É um presidente com uma enorme capacidade de comunicação e de elaboração intelectual. Infelizmente foi limitado na sua atuação por um Congresso dominado pela oposição e fechado ao diálogo. Ainda assim obteve algumas vitórias, como o plano de saúde chamado de Obamacare (que ainda está longe de ser um serviço universal) e no plano externo delineou uma nova perspectiva estratégica que enfatiza o papel dos aliados regionais, cuja implementação foi só parcial. Na nossa região sua presidência ficará marcada pela abertura em relação à Cuba.

Nas próximas décadas, os EUA ainda serão o centro do poder do planeta, ou pelas suas análises, deveremos ter um mundo cada vez mais multipolarizado?

O conceito de multipolar não reflete adequadamente o novo concerto geopolítico internacional. Os Estados Unidos continuarão, pelo menos no futuro próximo (em torno de duas décadas) como a principal potência militar do mundo. O que não significa que sua hegemonia não seja questionada e sua capacidade de imposição de agenda, seja limitada (como, aliás, sempre foi). No plano econômico a China já passou a ser o principal importador/exportador do mundo. No plano militar, a nível regional, os Estados Unidos devem enfrentar na Ásia o poder crescente da China, e na Europa a presença afirmativa da Rússia.

Voltando a América do Sul, o senhor também previa que a Argentina passaria por um momento muito difícil. Com o governo Macri, este momento está passando?

O presidente Macri está procurando resolver o desequilíbrio fiscal e a alta inflação herdada do governo anterior, tomando algumas medidas impopulares. Estas medidas até o momento não conseguiram diminuir a inflação e representam um alto custo político. Tampouco chegaram, até o momento, os investimentos do exterior que o governo esperava, e que seriam um importante dinamizador da economia. O grande desafio do Macri são as próximas eleições para o Congresso Nacional, que poderão definir seu futuro político.

Como tem enxergado a atual política externa do Brasil?

O Brasil no momento se encontra num impasse interno que limita o raio e eficácia de sua política externa. De todas formas devemos lembrar que já no Governo Dilma haviam indicações de mudança de rumo, reorientando a política externa mais em direção aos países do norte, como, por exemplo, avançando um tratado de comércio com a União Europeia. Caso se confirmar o Governo Temer, teremos uma mudança de retórica com uma perspectiva mais pragmática, dirigida a dinamizar o comércio exterior e a procura de acordos comerciais. Isto possivelmente implicará em renegociar o Tratado do Mercosul, liberando seus membros para realizar acordos bilaterais. Com tudo, dado ao panorama internacional, não será fácil avançar acordos com a Europa e os Estados Unidos.

Acredita que as relações do Brasil com países como Venezuela, Bolívia e Equador, devem mudar em algum ponto, depois que o processo de impeachment passar e caso Michel Temer seja o novo presidente do Brasil até 2018?

Os interesses nacionais do Brasil permanecem inalterados em relação à Bolívia e o Equador. Vai depender dos governos destes dois países, que expressaram sua oposição ao impeachment, que as relações mantenham sua normalidade. Em relação à Venezuela a tolerância em relação aos desvios autoritários de seu atual governo possivelmente será menor, mas o interesse básico do Brasil em relação à região continua o mesmo, manter a estabilidade e soluções negociadas em casos de litígio.

Qual o papel exercido pelos grandes meios de comunicação na condução da atual política brasileira?

Em grande medida os meios de comunicação são caixas de ressonância do perfil de seus leitores, ouvintes ou espectadores. Há uma tendência a magnificar a importância dos meios de comunicação. Obviamente que em certos momentos podem ter uma influência importante, assumindo posturas partidárias ou noticiando em forma sensacionalista, ou em descontextualizada. Mas sempre é bom lembrar que eles falam para um público e não para uma manada. Se assim não fosse nenhum governo de esquerda teria sido eleito na América Latina onde os meios de comunicação são de centro ou de direita. Igualmente devemos lembrar que graças a internet se criou um sistema até certo ponto paralelo aos meios tradicionais. Não que a democratização da imprensa não seja um tema legítimo e que deva ser debatido, mas magnificar sua importância é muitas vezes uma operação discursiva, a construção de uma narrativa que procura desresponsabilizar os diversos atores sociais que são os principais responsáveis pela crise política.

Estamos passando por uma crise ética ou de liderança em nosso país?

Estamos passando por ambas.

Sempre quando é citado um país no mundo que deu certo, mesmo contra todas as possibilidades, Israel é lembrado. Algum exemplo econômico, político ou tecnológico do país que o senhor conhece tão bem, poderia ser aplicado no Brasil com o mesmo sucesso?

Israel é um país pequeno, em guerra, com uma mão de obra altamente qualificada. O Brasil não possui nenhuma destas caraterísticas.

É difícil prever o que acontecerá no futuro, mas como o senhor acredita que a história verá o atual momento que passamos no Brasil?

Passaremos este momento. O que o futuro poderá nos trazer é sempre uma incógnita, mas infelizmente os dados da realidade não nos permitem ser particularmente otimistas.


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