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Caroline Pomjé disserta sobre a herança digital

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Caroline Pomjé, sócia da área de Família e Sucessões do escritório Silveiro Advogados. Mestre em Direito Privado pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e doutoranda em Direito Processual Civil pela USP (Universidade de São Paulo). A advogada afirma: “Uma grande dificuldade relacionada aos bens digitais, de modo geral, está vinculada à sua rápida inserção social e à consequente necessidade de que o sistema jurídico apresente respostas ágeis a novos problemas que surgem. Consequentemente, a análise sobre os maiores desafios decorrentes dos bens digitais deve partir justamente dessa premissa. É desafiador, portanto, identificar exatamente quais bens podem compor o acervo hereditário; como descobrir se o familiar falecido deixou bens digitais; como administrar tal patrimônio enquanto perdurar o procedimento de inventário; e até mesmo como proceder à adequada avaliação desse patrimônio”. E ainda arremata: “Como se trata de um tema bastante recente, é natural que não haja, até o momento, a consolidação de um posicionamento sobre a temática na jurisprudência. Existem sinalizações importantes que, aliadas aos mecanismos de proteção oriundos do planejamento sucessório, viabilizam que aqueles que titularizam bens digitais tenham condições de buscar maior proteção para esses ativos ainda vivos, com reflexos para depois do seu falecimento”.

O que é um bem digital e quais deles podem compor uma herança?

Os bens digitais podem ser compreendidos, atualmente, como todos os bens incorpóreos presentes no mundo digital. Esses bens podem ou não possuir um conteúdo econômico, ou seja, é possível classificá-los a partir da distinção entre bens digitais patrimoniais (que possuem o conteúdo econômico, como é o caso das criptomoedas, por exemplo) e bens digitais existenciais (que não possuem tal conteúdo, como na hipótese dos perfis pessoais em redes sociais, utilizados sem finalidade econômica). A maior complexidade sobre o tema, no entanto, reside na circunstância de que alguns bens digitais possuem o que se convencionou chamar de caráter híbrido, isto é, características simultaneamente patrimoniais e existenciais. Em tese, os bens digitais que possuem caráter patrimonial compõem a herança do seu titular, havendo dificuldades consideráveis quando avaliamos em que medida os bens digitais existenciais e os bens digitais híbridos podem integrar o acervo hereditário, especialmente em virtude da proteção aos direitos de personalidade do falecido e de terceiros.

A transmissibilidade de um bem digital se dá da mesma forma que um bem tradicional?

Inexistindo disposição testamentária acerca da forma de transmissão dos bens digitais de conteúdo patrimonial, aplicam-se a eles as disposições gerais sobre a sucessão legítima, tal qual em relação aos bens “não digitais”.

Quais os maiores desafios fiscais e sucessórios quando se fala de bens digitais?

Uma grande dificuldade relacionada aos bens digitais, de modo geral, está vinculada à sua rápida inserção social e à consequente necessidade de que o sistema jurídico apresente respostas ágeis a novos problemas que surgem. Consequentemente, a análise sobre os maiores desafios decorrentes dos bens digitais deve partir justamente dessa premissa. É desafiador, portanto, identificar exatamente quais bens podem compor o acervo hereditário; como descobrir se o familiar falecido deixou bens digitais; como administrar tal patrimônio enquanto perdurar o procedimento de inventário; e até mesmo como proceder à adequada avaliação desse patrimônio.

Como saber se alguém que faleceu tem bens digitais?

Como referido, a localização dos bens digitais após o falecimento do seu titular é um dos principais problemas relacionados à temática atualmente. Se o titular proceder, por exemplo, à menção de suas moedas digitais em sua respectiva declaração de imposto de renda, tem-se maior possibilidade de localização e inclusão dos bens no acervo partilhável. No entanto, a própria segurança relacionada a tais bens trazem consigo a dificuldade vinculada à base de criptografia que protege tais ativos. É necessário que o titular do bem tenha deixado sua chave privada de acesso ao patrimônio para que seja possível a efetiva partilha dos ativos entre seus sucessores após o regular procedimento de inventário. Evidencia-se, assim, a relevância do chamado planejamento sucessório.

O que fazer em vida para proteger os bens digitais?

Apesar das incertezas relacionadas ao tema, existem caminhos para viabilizar maior previsibilidade quanto à futura transmissão do patrimônio digital. Uma primeira medida pode ser realizada pelo titular das contas em redes sociais diretamente nas plataformas, com a possibilidade, por exemplo, de indicação dos chamados “contatos herdeiros”, com a especificação de qual será a destinação dos perfis em caso de falecimento (como é possibilitado, por exemplo, pelo Facebook, quanto ao perfil na rede, e pela Apple, em relação ao compartilhamento dos dados dos dispositivos). Além disso, especificamente em relação aos bens com conteúdo econômico, tem-se a possibilidade de elaboração de planejamento sucessório, com a prévia especificação e organização da futura destinação do patrimônio digital.

Quais são os caminhos concretos para essa proteção?

Concretamente, o planejamento sucessório pode se desenvolver com a utilização de diferentes instrumentos jurídicos. Para fins de proteção dos bens digitais, pode-se cogitar, em um primeiro momento, da elaboração de testamento pelo titular do patrimônio. Tal testamento pode ser elaborado basicamente pela forma pública (via escritura pública, em um Tabelionato de Notas) ou particular (via instrumento particular, cumpridas, igualmente, determinadas formalidades previstas na legislação civil). Além disso, pode-se cogitar do emprego de outro instrumento, chamado codicilo. Trata-se de um escrito particular, que dispensa maiores formalidades, mas que deve ser datado e assinado por aquele que o elabora, voltado a disposições de última vontade e à transmissão de “esmolas de pouca monta”, conforme dispõe o próprio Código Civil. A depender da extensão do patrimônio digital e do seu conteúdo, o codicilo pode representar mais um instrumento para a proteção concreta. De qualquer modo, a análise jurídica completa sobre o acervo patrimonial – composto pelos bens digitais e não digitais – apresenta-se como necessária para uma adequada avaliação sobre os melhores instrumentos para proteção do patrimônio e para a garantia da maior segurança possível ao seu titular.

Quais são os problemas mais comuns encontrados numa herança digital?

Os problemas mais comuns encontrados numa herança digital se confundem com os desafios enfrentados sobre a temática, de uma forma geral. Além daquele já indicados anteriormente – definição sobre quais bens compõem o acervo hereditário, descoberta sobre a existência de bens digitais, administração do patrimônio digital, avaliação dos bens digitais –, tem-se a dificuldade de acesso a alguns ativos (diante da necessidade de fornecimento da chave privada pelo seu titular) e a ausência de definição sobre a possibilidade ou não de transmissão dos bens digitais de conteúdo existencial e híbrido.

O que a lei prevê hoje em relação à herança digital?

Não existe, atualmente, uma legislação específica sobre os bens digitais e/ou herança digital no país.

Como os juízes têm decidido nas ações que envolvem herança digital?

As ações judiciais envolvendo herança digital sobre as quais se tem notícia variam desde questões patrimoniais até existenciais – como pedidos de familiares frente a redes sociais para recuperação ou acesso a perfis de pessoas falecidas que foram excluídos repentinamente. Nesses casos, tem sido conferida especial importância à manifestação de vontade feita pelo titular das contas em vida, no sentido da sua manutenção ou exclusão após o falecimento. Além disso, tem sido concedida atenção aos direitos de terceiros e à privacidade do falecido.

A Corte está bem embasada sobre esse assunto no âmbito atual?

Como se trata de um tema bastante recente, é natural que não haja, até o momento, a consolidação de um posicionamento sobre a temática na jurisprudência. Existem sinalizações importantes que, aliadas aos mecanismos de proteção oriundos do planejamento sucessório, viabilizam que aqueles que titularizam bens digitais tenham condições de buscar maior proteção para esses ativos ainda vivos, com reflexos para depois do seu falecimento.

Existem mudanças à vista nas leis que compõem esse quadro?

Existem, atualmente, diversos Projetos de Lei em tramitação visando à regulamentação dos bens digitais e da herança digital no país. Podemos citar como exemplos o Projeto de Lei nº 1.689/2021, que pretende alterar o Código Civil, para dispor sobre perfis, páginas contas, publicações e os dados pessoais de pessoa falecida, incluindo seu tratamento por testamentos e codicilos e o Projeto de Lei nº 365/2022, que dispõe sobre a herança digital. A expectativa é de que tenhamos, em um futuro próximo, um arcabouço legislativo em relação ao tema.


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