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Celso Athayde fala de utopias para a vida

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O produtor e ativista Celso Athayde é autor de três best-sellers, e coautor dos livros “Falcão – Mulheres do Tráfico” (2007), “Falcão – Meninos do Tráfico” e “Cabeça de Porco”, sendo os dois primeiros com o rapper MV Bill e, o último, com o sociólogo Luiz Eduardo Soares. Seu quarto livro é “O Manual dos Basqueteiros”, a primeira publicação de basquete de rua que se tem notícia. Athayde é fundador da Central Única das Favelas (CUFA), a maior organização não governamental focada nas favelas do Brasil e presente em mais de 15 países; da Favela Holding, a primeira holding social que se tem notícia e do Data Favela, o instituto de pesquisa e estratégias de negócios especializados na realidade das favelas brasileiras. Sob a criação de Celso Athayde está também a Liga Internacional de Basquete de Rua (LIIBRA), evento internacional que acontece em 12 países e nos 27 estados da federação, além do CineCufa, um festival de cinema internacional de produções audiovisuais realizadas por moradores de favelas. Em suas descobertas artísticas, Celso também dirigiu e produziu o conhecido documentário “Falcão Meninos do Tráfico”, co-dirigido por MV Bill, um filme que se tornou referência e mudou o olhar da sociedade sobre o tema educação e segurança pública. “As favelas são campos de guerras intensas e insanas… Ao mesmo tempo, explicitar essa violência estigmatiza ainda mais os moradores das favelas”, afirma o produtor.

Celso, aos 16 anos você já tinha morado em três favelas, em abrigos públicos e na rua. Foi nessa época que a sua consciência ativista começou a ser ativada?

Nasci no Cabral, uma comunidade da Baixada Fluminense. Meus pais se separaram quando eu tinha 6 anos. Foi aí que começou minha andança. Fui parar em Madureira, sob o viaduto por onde permanecemos 6 anos. De lá fomos para o Pavilhão de São Cristovão até que chegamos na Favela do Sapo. No Sapo conheci um cara chamado “Bagulhão”, ou Rogério Lemgruber, o fundador do Comando Vermelho. Ele me contava muitas histórias sobre revoluções, sobretudo Cuba, MR8 (Movimento Revolucionário Oito de Outubro), VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares), ALN (Ação Libertadora Nacional) entre outras. Meu desejo de revolução vem daí, mas nunca acreditei que fosse possível contribuir com alguma coisa. Depois de grande conheci o Hip hop, e ele me mostrou muitos caminhos, ao mesmo tempo, eu me decepcionava porque o movimento discursava mais do que praticava, e para dar algumas respostas aos meus próprios questionamentos resolvi criar a CUFA (Central Única de Favelas) para ajudar na tal revolução.

Seu nome é muito respeitado dentro da cultura Hip hop. Quando você sentiu que esse respeito poderia dar eco a sua voz?

Meu trabalho no Hip hop começou com os Racionais MC´s em 98, depois com MV Bill quando lancei o seu primeiro CD em 1999. Depois lançamos a rapper e apresentadora Nega Gizza e a partir de uma sociedade com o selo Zâmbia Fonográfica, passei a encontrar muitos outros grupos. Posteriormente desenvolvi muitas ações, mas nosso nome entrou para a história, quando criamos o Prêmio Hutúz, e o Festival Hutúz que ajudou a lançar e iniciar muitas carreiras como a de Sabotage, Negra Li, Emicida, Criolo e tantos outros. Em relação a minha voz, até hoje não me preocupo com isso. Me sinto representado quando o meu coletivo fala, a minha voz é a voz deles, é a voz da massa.

Quando se fala em favela, alguns que não a conhecem, já idealizam coisas que não são reais, afinal se esquecem que existem mais pessoas de bem do que de mau-caráter nelas. Como se encontra a favela brasileira atualmente quando se olha e trabalha com uma perspectiva mais próxima como é o seu caso?

As favelas são campos de guerras intensas e insanas… Ao mesmo tempo, explicitar essa violência estigmatiza ainda mais os moradores das favelas. Por outro lado, induzir as pessoas a acharem que não é tão grave, é como jogar para longe as chances de soluções. Apesar da maioria dos moradores das favelas serem obviamente do bem, corretas e honestas, os poucos delinquentes usam fuzis… Para piorar, são em certas medidas, parceiros de quem deveria prendê-los. Eu não desisto de lutar para melhorar essa realidade, mas confesso que desanima, tamanho é o desafio. Mas precisamos de uma utopia para viver, essa é a minha…, mas os números mostram que está difícil!

Gostaria que falasse se possível, sobre o começo da CUFA e quais os principais desafios para se colocar este grandioso projeto de pé.

A CUFA começou quando eu convocava os jovens para reuniões em Madureira, depois migramos para a Cidade de Deus. Nunca soube para onde íamos e ainda não sabemos. Apenas vamos abrindo portas, entrando e permitindo que outros entrem. A CUFA hoje está em muitos estados, em 17 países, com sede global no Bronx. Nossos desafios são os mesmos, ou seja, formar pessoas, equilibrar as relações entre as favelas e o asfalto através da cultura, do esporte, da educação e de todas as maneiras que vamos descobrindo pelo caminho.

Como avalia a atuação da CUFA atualmente?

A CUFA é um canhão que fala pouco… que faz pouco marketing e que tem escola no que faz. A CUFA trabalha em rede, sem hierarquias. Por isso ela cresce todos os dias, pois, as pessoas da CUFA não são empregadas, elas são franquias sociais. São donas das suas falas e conquistas… A CUFA atua em mais de 400 cidades. Um único projeto, numa única cidade, trabalha com 96 mil jovens, como é o caso da Taça das Favelas. Isso diz muito do que somos e representamos para esses territórios.

O que uma Holding Social como a de vocês, precisa para triunfar em suas ações?

Gestão. Nada mais do que isso. Na verdade, a Holding só esta existindo porque existe um mercado. A questão fundamental é como fazer com que as pessoas das favelas não apenas consumam, mas como eles fazem a gestão do que eles consumem. Por isso a Holding tem dado certo, e parece que terá vida longa.

O Brasil é um país miscigenado, mas que ainda é racista e classista. Como e onde devem começar a criação de consciência para combater esta situação?

Não acredito que vamos viver esse momento de respeito racial sem um estranhamento real. Os negros são odiados e não sabem por que, uma vez que ninguém se assume como racista. Os favelados são odiados, no entanto, ninguém assume. Daí parece que o problema não existe. Os negros são 53% da população e parece que são 3% pela forma como somos tratados e pela forma como aceitamos esse tratamento. A criação de consciência já começou há muito tempo, os Movimentos Negros são prova disso. Mas acho que estamos em um novo momento. Temos que ter poder, e o poder real passa pela política formal. Se temos racismo, vamos responder com políticas contra o racismo, mas quem deve assinar essas políticas são os governos negros. Nosso futuro governo!

Como tem visto o papel da UPPs neste momento?

Eu sempre disse que as UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora) eram importantes, mas elas tinham três problemas: 01 – Os policias que trabalhariam são humanos e vem de uma estrutura corrupta, iriam conviver com a sedução diária do tráfico e seria impossível resistir. Não resistiram e não existe uma única favela com o UPP, que o tráfico não tenha ingerência sobre ela. Mas aceito que um comandante venha aqui me desmentir…, aliás, eu faria o mesmo se fosse eles; 02 – Limitar a polícia e a presença do estado, quando deveria ser em todas as áreas; 03 – Temos 1226 favelas e apenas 4 têm UPPs, então é lógico que esse nunca foi um projeto de Segurança Pública, mas apenas uma resposta que precisava ser dada. No fundo, é muito difícil resolver este problema. Pra ser franco eu não acho que tenha solução, pois, esse monstro só cresce.

O Brasil perde vários talentos e pessoas inteligentes para o mundo da criminalidade ano a ano, como, por exemplo, Marcinho VP e Fernandinho Beira-mar só para ficar nos mais notórios. Como reter estes talentos para o outro lado da vida?

As pessoas usam suas energias na direção que elas conseguem ver. Realmente existem muitos gênios nas favelas… Muitas referências estão nas favelas. Penso que a forma mais provável de mandar uma massa no caminho da legalidade é oferecendo oportunidades para todos. E não é assim… Infelizmente aqui se fala muito em meritocracia, mas só vamos poder medir essa meritocracia de verdade no dia que todos tiverem igualdade de oportunidades. Hoje não temos.

Em março último, você disse algo que nos assustou profundamente, ou seja, de que o Brasil terá uma guerra de classes em dois anos. Fale mais sobre isso.

Na verdade, essa guerra já existe. O fato é que haverá, na verdade, respostas da classe que sofre as consequências dessas diferenças. O Brasil está entrando num caminho sem volta, não me refiro somente a polarização entre esquerda e direita, mas a radicalização dos seus personagens. Não há e não haverá espaços para diálogos e debates de ideias. Isso está se consolidando na sociedade também. Sinto que estamos indo para um caminho sem volta. Ninguém vai aceitar mais nada que não seja suas próprias convicções. Nenhuma sociedade sobrevive quando ela se divide entre o bem e o mal!


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