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Classe média e sua mania de achar que é elite

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A classe média, especialmente a classe média alta, ocupa uma posição peculiar no tecido social. Ela tem acesso a bens e oportunidades que a diferenciam das classes mais baixas, mas também está distante da elite econômica de fato. No entanto, é comum perceber uma certa “mania” entre seus membros: um ar de superioridade, uma crença de que estão muito mais próximos da elite do que das classes menos abastadas. Esse fenômeno é facilmente observável em suas escolhas de consumo, visões políticas e comportamentos no dia a dia. O presente texto explora essa visão ilusória da classe média e seus desdobramentos em sete aspectos distintos.

O consumismo como símbolo de status

O consumo de bens de luxo pela classe média, ou ao menos a tentativa de adquiri-los, é uma das manifestações mais evidentes da busca por status. Carros de marcas importadas, imóveis em bairros valorizados, viagens para o exterior — tudo isso, frequentemente financiado com anos de endividamento — são vistos como formas de ascender simbolicamente à elite. No entanto, esses bens não representam, por si só, uma real mudança de classe.

Enquanto a elite econômica tem recursos para manter esse estilo de vida sem sacrifícios, a classe média alta, muitas vezes, se endivida e compromete sua estabilidade financeira para manter as aparências. É uma busca por reconhecimento que acaba por esconder uma vulnerabilidade latente. A necessidade de consumir para parecer parte de um grupo superior é, na verdade, uma tentativa de mascarar o fato de que a classe média não tem o mesmo poder financeiro dos verdadeiros ricos. Ao confundir a posse de bens com status social, a classe média se aprofunda em uma bolha de ilusão, que pouco contribui para sua real ascensão econômica.

A superioridade moral e a política de direita

A classe média brasileira tende a apoiar candidatos de direita, especialmente aqueles que pregam a redução do Estado e defendem valores tradicionais. Essa escolha é frequentemente acompanhada de um sentimento de superioridade moral. Para muitos, a defesa de pautas como o combate à corrupção, a meritocracia e a manutenção de uma economia de mercado parece refletir uma postura ética superior àquela de outras correntes políticas.

Porém, essa crença esconde uma visão limitada da realidade. Primeiro, a ideia de que a direita tem um monopólio sobre a moralidade é falaciosa. Corrupção, má gestão e práticas questionáveis ocorrem em todos os espectros políticos. Além disso, o discurso meritocrático, tão defendido por esse grupo, ignora as profundas desigualdades estruturais da sociedade brasileira. Acreditar que a classe média é merecedora de seus privilégios, enquanto os pobres estão em suas condições por falta de esforço, é uma simplificação que desconsidera as inúmeras barreiras históricas, sociais e econômicas enfrentadas pelos menos favorecidos.

A meritocracia como justificativa para a desigualdade

A meritocracia é um dos pilares do pensamento da classe média. Acreditar que seu sucesso é fruto exclusivo de esforço individual e que, portanto, quem não alcançou o mesmo patamar falhou por falta de empenho, é uma maneira conveniente de ignorar as desigualdades de origem. No entanto, essa visão é enganosa e injusta.

Na prática, a meritocracia é muito limitada. Pessoas nascidas em contextos de pobreza extrema têm muito mais obstáculos a superar do que alguém que cresce em uma família de classe média. A educação de qualidade, a rede de contatos, o apoio familiar e até mesmo o acesso à saúde e segurança pública são fatores que afetam diretamente as chances de sucesso de um indivíduo. Quando a classe média se apropria da ideia de meritocracia, ela o faz como uma justificativa para sua posição social, desconsiderando os privilégios que permitiram sua ascensão. Assim, legitima a desigualdade com base em um conceito distorcido de justiça.

O desprezo pelas classes mais baixas

Outro ponto que merece destaque é o desprezo, ainda que velado, que parte da classe média nutre pelas classes mais baixas. Esse comportamento se manifesta de diversas formas: seja no tratamento dos empregados domésticos, nas críticas às políticas de assistência social, ou mesmo na forma como olham para as periferias com um misto de medo e desdém. Há uma necessidade de se distanciar dos “menos favorecidos”, como se, ao fazer isso, a classe média pudesse reafirmar sua posição de superioridade.

Esse comportamento também aparece em momentos de tensão social. A classe média, por exemplo, foi um dos setores que mais se mobilizou contra as políticas de cotas raciais e sociais, alegando injustiça. No entanto, essa reação é, em grande parte, fruto do medo de perder privilégios. Em vez de reconhecer que as cotas são uma tentativa de corrigir desigualdades históricas, essa parcela da população prefere proteger sua posição, muitas vezes à custa da ascensão de quem realmente precisa de suporte.

A falsa ilusão de que está próxima da elite

Um dos maiores enganos da classe média é acreditar que está muito mais próxima da elite do que das classes baixas. Esse sentimento se intensifica quando a classe média tem acesso a bens de consumo que, em outras épocas, eram exclusivos dos mais ricos. Carros, smartphones, viagens internacionais — todos esses elementos reforçam a falsa ideia de pertencimento à elite. Contudo, basta uma crise econômica para que essa bolha se estoure e a realidade financeira da classe média seja exposta.

Enquanto a verdadeira elite tem patrimônio e capital suficiente para atravessar momentos de crise sem grandes abalos, a classe média, muitas vezes, não tem a mesma segurança. Uma demissão ou uma recessão pode significar a perda de boa parte dos bens acumulados, revelando que, na verdade, essa classe está muito mais vulnerável do que gosta de acreditar. O problema é que essa percepção de proximidade com a elite leva a classe média a desprezar políticas que poderiam, de fato, protegê-la, como a defesa de um sistema de seguridade social mais robusto.

O papel dos cargos de destaque na autoimagem

O status profissional também exerce um papel crucial na forma como a classe média se enxerga. Cargos de maior destaque em empresas e instituições reforçam a ideia de que, individualmente, seus ocupantes são superiores aos outros. Muitas vezes, essa visão cria um fosso entre os que ocupam essas posições e os que desempenham funções consideradas “menores”.

Isso alimenta o mito de que os cargos mais elevados são alcançados exclusivamente por mérito e competência, e não por uma combinação de oportunidades, contatos e, muitas vezes, sorte. Ao adotar essa mentalidade, a classe média desconsidera o fato de que o mercado de trabalho é desigual, e que muitos dos que não ocupam essas posições não o fazem por falta de qualificação, mas sim por uma estrutura que favorece determinados grupos e perfis.

Essa distinção hierárquica é, em grande parte, uma forma de reforçar a ilusão de superioridade. Ao se ver como parte de uma elite profissional, a classe média reafirma a crença de que é moral e intelectualmente superior às classes trabalhadoras, ignorando que essas mesmas posições de destaque dependem de uma base de apoio composta por trabalhadores com menos prestígio.

O individualismo como obstáculo para mudanças sociais

Por fim, um dos maiores problemas da classe média é seu individualismo exacerbado. Ao acreditar que suas conquistas são frutos exclusivos de seu esforço pessoal, e que, portanto, não deve nada a ninguém, essa classe se torna resistente a políticas coletivas de redistribuição de renda ou de fortalecimento do Estado. O medo de perder o que conquistou — mesmo que essas conquistas muitas vezes estejam alicerçadas em privilégios estruturais — leva a uma postura de rejeição às mudanças sociais que poderiam beneficiar o país como um todo.

Esse individualismo cego é um dos maiores entraves para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa. Ao não se ver como parte de um todo, a classe média se torna cúmplice da manutenção das desigualdades e da estagnação social. A crença de que “cada um deve cuidar de si” ignora que ninguém vive de forma totalmente independente e que, em uma sociedade profundamente desigual como a brasileira, é necessário que aqueles que têm mais contribuam para o bem-estar de todos.

A bolha da ilusão

A classe média vive em uma bolha de ilusão, acreditando ser parte de uma elite que, na verdade, está muito distante de sua realidade. Esse comportamento gera consequências sociais significativas: reforça as desigualdades, perpetua preconceitos e impede mudanças estruturais necessárias para um país mais justo. Ao se identificar com os valores da elite e desprezar as classes menos favorecidas, a classe média contribui para a manutenção de um sistema que, em última instância, também não a favorece.

Se essa classe conseguir romper com essa visão limitada e passar a enxergar sua real posição na sociedade, poderá se tornar uma força importante na luta por equidade e justiça social. Para isso, será necessário questionar os mitos da meritocracia, reconhecer seus privilégios e compreender que o bem-estar de todos está interligado. Somente assim será possível avançar para uma sociedade mais justa e inclusiva.


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