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A ótica de Adriano Pires sobre a infraestrutura

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Adriano Pires é sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Publica artigos sobre energia elétrica, petróleo e gás natural no jornal “Valor Econômico” e nas revistas “Conjuntura Econômica”, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e “Brasil Energia”. Foi assessor do diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e superintendente da ANP nas áreas de importação, exportação e abastecimento. Pires é economista e mestre em planejamento estratégico pela UFRJ e doutor em economia industrial pela Universidade Paris XIII (França). “A defasagem de investimento em infraestrutura não dá para ser fechada apenas com investimentos domésticos. Houve avanços recentes no campo regulatório, com uma agenda de reformas regulatórias no setor de infraestrutura e a criação do Pró-Infra. Porém, ainda persistem resquícios de uma cultura de regras falhas e de insegurança jurídica, além de imprevisibilidade político-econômica, que geraram um histórico de baixo grau de crédito no cenário global com que temos que lidar até hoje. Exceto em períodos específicos de bonança e expansão econômica, seguidos de crises que duraram até uma década, não houve no Brasil prioridade para projetos de infraestrutura. É sempre bom lembrar que os investimentos em infraestrutura são capital intensivo e prazo de amortização longo”, afirma o consultor e economista.

Adriano, acredita que começaremos a sair da agenda do atraso em 2020?

Acho que sim. Mas o Brasil terá que redobrar esforços para sair do atraso, principalmente em infraestrutura. O país precisará realizar mais mudanças regulatórias este ano e estimular os investimentos em infraestrutura para conseguir ter um crescimento sustentável no longo prazo e acelerar o desenvolvimento econômico. O cenário de infraestrutura começou a mudar desde o lançamento do Programa de Parceria de Investimentos (PPI) em 2016. Os leilões de aeroportos, ferrovias e rodovias, e o novo marco legal do saneamento básico são exemplos de que esforços estão sendo realizados em termos de incentivo de infraestrutura, mas ainda há muito a ser feito.

Por que os problemas de infraestrutura em nosso país nunca são selecionados de fato?

O Brasil é vasto territorialmente e demograficamente, e partiu de índices baixos de desenvolvimento socioeconômicos este século, o que contribui para que ainda exista muito trabalho a se fazer no campo da infraestrutura. Proporcionar uma infraestrutura desenvolvida e moderna equitativamente para os cidadãos brasileiros é um desafio multigeracional. Há estudos que estimam que o Brasil precisa dobrar seus investimentos anuais em infraestrutura, estimados em R$ 133 bilhões em 2019.

Com investimento baixo, não há ganhos de competitividade das empresas brasileiras quanto à economia global. A defasagem de investimento em infraestrutura não dá para ser fechada apenas com investimentos domésticos. Houve avanços recentes no campo regulatório, com uma agenda de reformas regulatórias no setor de infraestrutura e a criação do Pró-Infra. Porém, ainda persistem resquícios de uma cultura de regras falhas e de insegurança jurídica, além de imprevisibilidade político-econômica, que geraram um histórico de baixo grau de crédito no cenário global com que temos que lidar até hoje. Exceto em períodos específicos de bonança e expansão econômica, seguidos de crises que duraram até uma década, não houve no Brasil prioridade para projetos de infraestrutura. É sempre bom lembrar que os investimentos em infraestrutura são capital intensivo e prazo de amortização longo.

Acredita que esse é o principal problema do país?

Sem dúvida é um dos principais problemas econômico-sociais do país. Basta pensar na situação do saneamento, que é a maior vergonha nacional. Mesmo que algumas das regiões mais carentes em infraestrutura do Brasil tenha passado por avanços nas últimas décadas, como o Nordeste e o Centro-Oeste, que eram muito mais isolados da Região Sudeste, estejam com maior infraestrutura. Ainda assim, onde já existe infraestrutura mais desenvolvida, os investimentos ficaram aquém da demanda gerada pelo desenvolvimento populacional e muitas vezes foi necessária priorizar recursos apenas para a manutenção da infraestrutura já existente.

Os escassos recursos para investimento em infraestrutura no orçamento do Governo sempre vão competir com outras prioridades como saúde, educação e defesa. O mesmo ocorre, em menor grau, com recursos da iniciativa privada. Atrasos na agenda regulatória para resolver questões ainda sustentam gargalos em determinados setores. Entre os maiores obstáculos estão a cultura de insegurança regulatória que afasta investimentos. Esse desafio precisa ser superado para tornar o ambiente fértil ao desenvolvimento de projetos que preencham as lacunas de infraestrutura doméstica.

Como analisa o Pró-Infra do Governo Bolsonaro?

O Pró-Infra foi criado para estimular o investimento privado em infraestrutura no Brasil, com metas de elevar os aportes em infraestrutura como proporção do PIB de 1,6% para 3,8% até 2022. Portanto, ainda é cedo para julgar sua performance. O país precisa superar três décadas de investimento insuficiente por meio da realização de mudanças regulatórias que incentivem o investimento em infraestrutura.

O que tivemos até agora, no Governo Bolsonaro, foi que em muitos segmentos os gargalos têm aumentado, com investimentos ainda insuficientes inclusive para compensar a depreciação do capital físico. Portanto, vamos observar se o programa será mantido como prioridade em 2020 em diante.

O segmento de infraestrutura é um negócio de longo prazo com contratos de 30 a 35 anos, e os incentivos devem ser calibrados em função deste tempo. Devemos evitar a síndrome do pêndulo, contrapondo regulamentos e políticas mais liberais e intervencionistas em curtos espaços de tempo. Caso contrário, a tão almejada, qualidade, expansão da rede e tarifas competitivas não serão alcançadas.

Qual a sua análise da infraestrutura de escoamento, processamento e transporte do Brasil?

O Brasil possui um grande volume das reservas associadas de gás natural no Pré-sal. Para ser aproveitado no mercado doméstico, a ampliação infraestrutura de gasodutos escoamento deve ser estimulada e as unidades de processamento para ser entregue até o final da década. Caso contrário, a maior parte do gás do pré-sal será reinjetado. Outra opção são as operadoras de E&P fazerem uso da liquefação de gás em alta escala, tipicamente para exportação, o que não desenvolverá o mercado nacional de gás, a não ser que sejam construídos mais terminais de regaseificação.

A oferta de gás natural tem uma malha restrita de transporte e distribuição, concentrada no litoral, com um grande território a ser explorado. Para aproveitamento deste gás pela demanda doméstica será necessária a expansão da malha de transporte e distribuição de gás para o interior do país.

No caso do downstream, responsável pelo refino e distribuição de derivados e combustíveis fósseis, existe um enorme potencial de aumento de competitividade se os incentivos necessários forem colocados. A entrada de novos agentes no setor, tanto pela compra de refinarias da Petrobras quanto por investimento em logística de importação, dependerá da ampliação da infraestrutura de terminais portuários de armazenamento de combustíveis e bases de armazenamento no interior para distribuição interna.

Você já afirmou que o pré-sal é uma janela de oportunidades para o país. Como maximizar essas oportunidades?

É preciso avançar numa reforma do marco legal para o setor de petróleo e gás, que revise o Regime de Partilha. Tal qual o fim da obrigatoriedade de operação da Petrobras no Pré-sal e outras reformas regulatórias recentes, novos avanços são essenciais. Incluem-se entre estas o fim da preferência da Petrobras, para aumentar a competitividade dos leilões e permissão para o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), assessorado pela ANP, decidir qual é o melhor regime jurídico para áreas dentro do polígono do pré-sal. Há um entendimento na indústria de que algumas áreas são economicamente viáveis apenas no Regime de Concessão.

Como mencionado na resposta anterior, a grande oferta esperada de gás do pré-sal não se materializará caso não se invista em gasodutos de escoamento da produção, UPGNs, transporte e distribuição.

Isso está sendo feito?

O avanço do marco legal dos regimes fiscais será um desafio em 2020 e a discussão será intensa entre o setor e o Governo. O calendário de leilões prevê a realização da 7ª e 8ª rodadas de licitações do pré-sal para o biênio 2020-2021. É de interesse nacional que a indústria de óleo e gás continue se desenvolvendo sem paralisações e afastamento de investimentos, para que as Rodadas de Licitação sejam bem-sucedidas. As medidas para o setor precisam ter por base o planejamento de longo prazo, sendo crucial de parâmetros dos leilões como o cálculo dos Bônus de Assinatura e percentuais mínimos de excedente em óleo. Quanto ao gás natural, as preocupações são maiores dado que não vemos no Programa Gás para Crescer medidas que estimulem a construção de novas infraestruturas.

O papel das agências reguladoras do setor tem sido satisfatório para você?

A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) tem operado a contento no que diz respeito à fiscalização da operação do sistema elétrico, e dos leilões de energia e construção de linhas de transmissão. O leilão A4 e o A5 que deverá ser realizado em março avança ao incluir térmicas existentes e usar o gás na geração de base para contrapor a intermitência das fontes renováveis e garantir a segurança do fornecimento de energia elétrica.

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) também foi bem-sucedida na fiscalização e realização dos leilões de blocos exploratórios. Desde 2017, houve três leilões de Concessão e seis de Partilha, inclusive o Leilão de Excedentes da Cessão Onerosa, com arrecadação de aproximadamente US$ 30 bilhões de Bônus de Assinatura. Estes tiveram enorme participação de empresas internacionais aumentando seus portfólios em blocos exploratórios no Brasil. Porém, o resultado dos últimos dois leilões no Pré-sal no ano passado, incluindo o de Excedentes da Cessão Onerosa, não foi o esperado pelo Governo, com a pouca participação internacional.

Para o sucesso dos leilões e a atividade do setor, as reformas elaboradas pela ANP que aperfeiçoaram a regulação dos diversos elos da cadeia foram fundamentais. Porém, ainda é preciso dar atenção à harmonização entre a regulação e os processos de privatização dos ativos da Petrobras no setor. Em 2019, a ANP promoveu diversas consultas e audiências públicas sobre diferentes temas dos mercados de combustíveis e de gás natural que geraram custos de adaptação e contribuíram para a instabilidade do mercado, que não conseguiu absorver a quantidade de medidas simultâneas e sobrepostas com impacto em diferentes segmentos. Para atrair investidor de qualidade é necessário uma regulação estável e segurança jurídica. A ANP deveria se dedicar a criar uma regulação para o refino, ao invés de tumultuar o mercado com discussões como a venda direta de etanol das usinas para os postos e o enchimento de botijões de GLP.

Existem reflexos da greve dos caminhoneiros na economia nacional até o presente momento?

A greve dos caminhoneiros de maio de 2018 deixou fortes reflexos na economia nacional, com impactos no crescimento econômico daquele ano, um prejuízo de R$ 9,5 bilhões ao Governo em subsídio ao diesel, além de ter aberto precedente para tabelamento do preço do frete. A distorção dos preços de combustíveis também inviabilizou a venda de refinarias e mesmo a importação de combustíveis por agentes privados.

Entre outros reflexos importantes da greve dos caminhoneiros foram o aumento da influência de movimentos de grupos econômicos como os caminhoneiros na relação de forças políticas. A greve serviu como um alerta para a necessidade de diferentes modais de transporte na infraestrutura brasileira para que a sociedade não fique refém do setor. Menos de um ano depois da greve, nova mobilização de caminhoneiros quase desencadeou nova crise no início de 2019.

Apesar das manobras de curto prazo do Governo terem contido desdobramentos mais sérios, para o longo prazo é crítico adotar uma solução definitiva para o setor de combustíveis e transportes. Um Programa Estrutural deve ser adotado, com três objetivos. Primeiro, a redução da oferta de caminhões autônomos, adquirindo os veículos com mais de 23 anos e oferecendo uma bolsa de requalificação para os caminhoneiros. Em segundo lugar, criação de mecanismos de mercado para maior previsibilidade no preço do diesel com um fundo de estabilização criado através de recursos de Royalties. Finalmente, balancear a oferta de modais de transportes de cargas com a expansão de infraestrutura ferroviária, hidroviária fluvial e de transporte de cabotagem.

Quais os principais problemas do setor elétrico brasileiro?

Apesar de bons leilões e algumas propostas para o setor elétrico sendo levantadas pelas autoridades, a maioria de suas questões permaneceram estagnadas. Há alguns anos, o setor espera por soluções dos problemas herdados da Medida Provisória (MP) nº 579/2012. Uma diversidade de propostas foi discutida em 2019, mas sem resultados concretos. A prometida modernização do setor permanece em votação na Câmara dos Deputados, por meio do Projeto de Lei (PL) nº 1.917/2015, e no Senado com o PLS nº 232/2016. A questão do risco hidrológico continua sem solução efetiva. A privatização da Eletrobras continua sem direcionamento, gerando instabilidade no setor, sem certeza de que será resolvida em 2020.

Fale um pouco sobre o norte seguido pela CBIE no mercado em que atua.

O CBIE seguirá monitorando, analisando e propondo reformas de marcos regulatórios duradouros que reduzam a instabilidade regulatória e a insegurança jurídica. Continuaremos a defender regras claras, fim dos subsídios e processos mais ágeis de licenciamento ambiental. Tudo isso, na direção de promover cada vez mais a concorrência e os interesses do consumidor.

Última atualização da matéria foi há 2 anos


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