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Antonio Corrêa de Lacerda analisa indústrias

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Antonio Corrêa de Lacerda é economista, doutor em economia e professor-doutor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). É associado da Fundação Dom Cabral e sócio-diretor da MacroSector Consultores. Presidiu o Conselho Federal de Economia (Cofecon) e exerceu cargos de direção na área de economia de empresas e grandes organizações. É comentarista do Jornal da Cultura (TV Cultura). Em 2013, o professor recebeu o Prêmio Personalidade Profissional da Economia, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU). “Um balanço justo contempla acertos e erros. Os acertos, foram, no primeiro mandato onde tivemos a continuidade dos programas sociais implementados no Governo anterior. Houve também uma tentativa no sentido correto, porém, mal executada de reduzir os juros em 2012 e 2013. Mas, é importante ressaltar que Dilma não foi a única causa da crise. Há questões internacionais como a queda da demanda e do preço das commodities e o efeito operação Lava Jato, que a despeito dos seus inegáveis méritos, travou o mercado de construção pesada. Esses efeitos combinados fizeram com que despencasse o investimento. (…) A desindustrialização no Brasil é um fato. Perdemos tecido industrial nas últimas décadas e a indústria de transformação que já representou mais de 30% do PIB há 25 anos”, afirma o experiente e influente economista.

O senhor afirmou que o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, não resolveria a crise. O que efetivamente irá resolver a crise em que nosso país se encontra?

Não resolve, pois, para além dos questionamentos jurídicos e mesmo políticos do processo de impeachment, criou-se uma espécie de autoengano de que todos os problemas seriam resolvidos com o afastamento da presidente Dilma, o que obviamente não é verdade. Politicamente o Governo Temer convive com a estigma da desconfiança, dadas as circunstâncias da forma como assumiu. Isso sugere um capital político frágil, apesar do amplo apoio midiático e de segmentos importantes da sociedade. Falta combinar com a população.

Quanto a equipe econômica a questão não é propriamente de competência, mas de que especialidade… São financistas que assumiram a agenda do setor financeiro. Falta uma estratégia integrada de desenvolvimento. Quem são os ministros da Indústria, Ciência e Tecnologia e outros importantes? Alguém conhece a estratégia proposta para o país?

Tem prevalecido uma visão ultra liberal, equivocada de que tudo se resolve a partir da “confiança”, como num passe de mágica, o que obviamente não vai ocorrer.

O empresário Abram Szajman nos afirmou em 2011, que não havia desindustrialização em nosso país, algo que o senhor já disse que sim, ou seja, existe desindustrialização desde àquela época. A desindustrialização é algo irreversível?

Não se trata de opinião tão somente, mas, constatação de um pesquisador, no meu caso. A desindustrialização no Brasil é um fato. Perdemos tecido industrial nas últimas décadas e a indústria de transformação que já representou mais de 30% do PIB há 25 anos, hoje se restringe a cerca de 10%.

O principal vilão da desindustrialização do país é a pouca digamos efetividade das políticas industriais ou neste caso seria os equívocos na política econômica?

O nível ideal mínimo a preços de hoje da taxa de câmbio R$/US$ é de 3,70, para viabilizar as condições para a reindustrialização. É preciso também reduzir a volatilidade da taxa para facilitar e viabilizar as decisões de investimentos, produção e exportação. Apesar dessa evidência, a valorização do real continua sendo um recurso fácil para os decisores de política econômica. Um dólar barato tem grande apelo para a sociedade, em geral, que tem acesso a produtos a preços mais baixos, assim como faz a festa da classe média alta com uma espécie de subsídio a viagens e compras no exterior. Infelizmente, no entanto, o “milagre” acaba em tragédia: deterioração das contas externas, desindustrialização e desemprego!

A utilização da política cambial como instrumento de controle de inflação de curto prazo tem sido um recurso recorrente em praticamente todos os Governos dos últimos trinta anos, para focarmos em um período mais recente da nossa história. No Governo Sarney (1985-1989) foi um dos elementos da implantação do Plano Cruzado, nos Governos Itamar/Fernando Henrique Cardoso adotado explicitamente como “âncora”, na primeira fase do Plano Real (1994-1998), no Governo Lula (2002-2010), embora já vigesse o Regime de Metas de Inflação, que fora adotado em 1999, a valorização artificial da moeda foi elemento fundamental para o controle da inflação. Já o Governo Dilma (2011 até meados de 2016), depois de ter herdado um real valorizado, fez uma tentativa de desvalorização em meados do seu primeiro mandato, no final do deste, assim como no início do segundo mandato visando estimular a indústria e as exportações.

O apelo à valorização artificial da moeda é grande no Brasil. A renda da exportação de commodities associada à pratica de juros reais elevados proporciona um terreno fértil para isso. Os resultados de curto prazo são inegáveis, com o barateamento das importações, das viagens e compras no exterior. O problema é que esse ganho de curto prazo se esvai no médio e longo prazos, trazendo consequências danosas para a indústria, que perde tecido, desestimula as exportações de manufaturados e o emprego nesses setores, assim como deteriora as contas externas.

Portanto, um retorno à prática da valorização do real é inoportuna. A desvalorização, observada ao longo de 2015 e início de 2016, restabeleceu as condições de competitividade que, o que, aliado a outros ajustes macroeconômicos e práticas inteligentes de políticas de competitividade (políticas industrial, comercial e de inovação), permitiriam viabilizar a reindustrialização, com todos os benefícios do processo: crescimento sustentado, geração de emprego, renda e receita tributária, além de equilíbrio intertemporal das contas externas.

Qual foi o maior equívoco da política econômica no Governo Dilma?

Um balanço justo contempla acertos e erros. Os acertos, foram, no primeiro mandato onde tivemos a continuidade dos programas sociais implementados no Governo anterior. Houve também uma tentativa no sentido correto, porém, mal executada de reduzir os juros em 2012 e 2013. Depois cometeu os equívocos de valorizar o real, atrasar o reajuste de tarifas públicas e tentar corrigi-las de maneira rápida em 2015, o que acelerou a inflação naquele ano e foi álibi para o aumento dos juros. Também embarcou no diagnóstico equivocado do ministro Levy, que era preciso cortar gastos com a economia em recessão, o que obviamente não se sustenta.

Mas, é importante ressaltar que Dilma não foi a única causa da crise. Há questões internacionais como a queda da demanda e do preço das commodities e o efeito operação Lava Jato, que a despeito dos seus inegáveis méritos, travou o mercado de construção pesada. Esses efeitos combinados fizeram com que despencasse o investimento.

Tem alguma esperança que o Governo Temer, torne os negócios menos hostis em nosso país?

Como cidadão brasileiro, gostaria de ter. Mas, vejo uma fé exagerada na PEC 241 (que limita gastos públicos) que comete equívocos crassos de diagnóstico. A falta de sintonia fina do conjunto das políticas macroeconômicas segue sendo um grande desafio para os decisores. A questão é que muitas vezes objetivos individuais conflitam com o todo. No caso brasileiro, na busca do almejado “equilíbrio fiscal”, tem-se cometido erros claros de escolhas. A dobradinha corte de gastos e tentativa de aumento de receitas via aumento da tributação, esbarra nos efeitos da recessão em curso. Redução de investimentos públicos e de gastos sociais diminui a demanda agregada, portanto, a arrecadação tributária potencial.

Acredita que reformas importantes como a tributária e a política, sairão do discurso para uma ação concreta com o Governo atual?

O tempo dirá. Os indícios apontam que não, pois, é um Governo de acomodação. Reformar pra valer a parte tributária, por exemplo, implica corrigir graves distorções, como a regressividade do imposto de renda, a elevada elisão fiscal, a não tributação de heranças, de lucros e dividendos, etc. Tudo que enfrenta fortes resistências corporativas.

Alguns economistas dizem que o principal problema do Brasil hoje é encontrar soluções para que o país volte a crescer; já outros dizem que é a incerteza política. Tem essa mesma visão ou elencaria algo diferente do que foi analisado?

Vejo que falta um projeto nacional, um objetivo mais ousado de política econômica. Precisamos ir além do curto prazo para não ficarmos refém dele.

Quais as principais dificuldades que têm sentido na economia real e que podem se agravar ainda mais se nada for feito?

É preciso uma estratégia mais abrangente de política econômica que vise algo além do ajuste fiscal e das metas de inflação. É preciso mais, como apontei em recente artigo para O Estado de S. Paulo “A dissintonia fiscal e monetária”:

– a primeira é reconhecer que o chamado “ajuste fiscal” é inviável com uma economia em recessão como a nossa. Ao contrário, é preciso que o gasto público de qualidade cumpra o seu papel anticíclico tendo em vista a retração da demanda das empresas e das famílias. Como na maioria dos países, o déficit primário é uma consequência por um período de tempo;

– a segunda é apresentar um programa de longo prazo para o desempenho dos gastos, atrelados a uma reforma tributária, que vise corrigir disparidades da nossa estrutura, assim como simplificá-la;

– a terceira é enfrentar a rigidez da dívida pública e o seu custo de financiamento. Não é sustentável continuar a oferecer remuneração real a aplicações em títulos da dívida pública de curto prazo e um juro real incompatível com a média internacional e com o retorno econômico e social das atividades por ela financiados;

– a quarta é rever o regime de metas de inflação (RMI). Decorridos quase 17 anos da sua implantação do RMI, é preciso evoluir na definição da inflação relevante a ser considerada, na desindexação (formal e informal) remanescente em preços e contratos, assim como as metas de inflação e seus prazos de atingimento.

Em 2012, o senhor disse que vivíamos naquele período “as dores do crescimento”, ou a nova realidade do país, onde a expansão da economia tinha exposto muito das nossas fragilidades. Como analisa o cenário de hoje em contraponto ao cenário de 2012?

Daí a importância de um Projeto Nacional de Desenvolvimento que contemple políticas de Estado. A estrutura da economia brasileira não pode abrir mão da reindustrialização como fator de desenvolvimento. Não se trata de incentivá-la em detrimento dos demais macrossetores, o complexo agromineral e os serviços, mas de intensificar a integração entre os três, aproveitando e agregando sinergias.

Como fator de estímulo e experiência vale lembrar que historicamente os grandes saltos na nossa economia ocorreram como respostas às crises. Na década de 1930 foi que demos o início à industrialização, dada a debacle do café. Na década de 1980 o desafio foi responder à elevação dos preços do petróleo e dos juros no mercado internacional; nos anos 1990, à abertura comercial e financeira em tempos de globalização, necessidade de modernizar o Estado, e à estabilização dos preços.

Experiência, portanto, não nos falta. O problema é que quando aprendemos as respostas, mudam as questões e estamos diante de novos desafios, complexos, mas não insolúveis. Se não há alternativas indolores e fáceis, por outro lado, não há porque ficar refém de paradigmas que já se mostraram insuficientes para fazer frente ao novo. Vamos ter que ter coragem e determinação para mudar convicções, mesmo que isso desagrade ao senso comum.

Quais medidas impopulares o senhor considera serem necessárias no atual momento econômico em que atravessamos?

O problema, a meu ver, não são as medidas impopulares, mas aquelas que afetam privilégios, a começar pelo elevado retorno ao rentismo (= juros elevados), questão tributária, fundiária, etc.

Acredita que em 2017, teremos números melhores em relação ao PIB (Produto Interno Bruto)?

O quadro internacional é complexo e estamos longe de uma recuperação, simplesmente porque o investimento privado está travado com a elevadíssima taxa de juros e o crédito restrito, o consumo das famílias idem. Exportação por si só não é capaz de nos alavancar, pois, representa menos de 10% do PIB. Restaria o investimento público, agora restrito por anos, com a provável aprovação da PEC 241.

Última atualização da matéria foi há 2 anos


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