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Eduardo Kac falando sobre privacidade e ética

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Artista contemporâneo e pioneiro da arte digital, da arte holográfica, da arte da telepresença e da bioarte, Eduardo Kac formou-se em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. No início da década de 1980, começou a apresentar várias performances satíricas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Em 1997, tornou-se a primeira pessoa a ter um microchip (um transponder de identificação) implantado no próprio corpo (especificamente, no calcanhar esquerdo), em sua obra “Time Capsule” (“Cápsula do Tempo”), que levanta questões de ética na era digital. Em 1999, Kac inaugurou a arte transgênica com sua obra “Gênesis” no festival Ars Eletronica em Linz, Áustria. Na obra, um genesintético (codificação de um trecho do Velho Testamento em inglês, convertido em código Morse e deste para o “alfabeto” do DNA) foi introduzido em bactérias, as quais eram expostas à luz ultravioleta por participantes remotos via web, causando mutação no código genético. “Quando eu comecei a trabalhar em ambientes digitais, em 1982, o modelo dominante era, de maneira avassaladora, a comunicação centralizada e unidirecional, como a encontramos na televisão tradicional. Este modelo serve a propósitos políticos, no sentido de que o controle dos canais é um privilégio dos que apoiam os que estão no poder. O resultado é que todas as outras vozes da sociedade são silenciadas”, afirma o artista.

Eduardo, você tem 30 anos dedicados à arte digital. Como era o mundo digital na época em que você começou a desenvolver o seu trabalho?

Naquela época haviam dois horizontes distintos. De uma lado, o computador pessoal, ainda muito incipiente, mas que claramente já sinalizava a convergência das artes em uma nova linguagem multimídia, na qual se integram texto, som, imagem, 3D, movimento, interatividade e navegação. De outro lado, haviam as primeiras redes, como a rede minitel que teve penetração nacional em vários países, e a I. P. Sharp, que era uma rede de time sharing, ou seja, de tempo compartilhado — pagava-se pelo tempo que se utilizava de um mainframe remoto. Em 1982, aos vinte anos, eu tinha a convicção de que estes dois universos se fundiriam em um só, e que isto mudaria o mundo. Meu projeto, então, passou a ser participar da criação desta nova cultura.

Em 1982 você criou o seu primeiro poema digital. Como o público reagiu a esse seu trabalho naquela época?

Pouquíssimos compreenderam. Apenas o meu círculo mais imediato apreciou no primeiro momento. Ninguém quis publicar, ou seja, exibir (no sentido de levar ao público). Passei dois anos procurando algum museu ou galeria que aceitasse apresentar o poema publicamente, até que em 1984 o Cândido Mendes Filho aceitou, e eu o exibi no Centro Cultural Cândido Mendes, no Rio de Janeiro. A imprensa mostrou grande interesse, com boa cobertura especialmente nos jornais O Globo e Jornal do Brasil. Hoje, o projeto original de 1982 se encontra em uma coleção particular em Buenos Aires.

No ano 2000, você afirmou que utilizava a tecnologia para desenvolver estratégias que privilegiem experiências democráticas, interações colaborativas e liberdade de escolha. Fale mais sobre isso.

Quando eu comecei a trabalhar em ambientes digitais, em 1982, o modelo dominante era, de maneira avassaladora, a comunicação centralizada e unidirecional, como a encontramos na televisão tradicional. Este modelo serve a propósitos políticos, no sentido de que o controle dos canais é um privilégio dos que apoiam os que estão no poder. O resultado é que todas as outras vozes da sociedade são silenciadas. Ao trabalhar com sistemas de telecomunicação bidirecionais, como o telefone, o fax, e o videofone, por exemplo, criei obras que produziam a experiência vivida das telecomunicações não, como algo centralizado e unidirecional, mas, ao contrário, como algo dialógico, aberto, colaborativo, e, democrático. Levei estas experiências ao paroxismo com as obras de telepresença, que deram uma dimensão tangível à experiência telecomunicativa.

Você é um dos pioneiros na Bioarte, que pode ser classificada como a arte inspirada na biologia. Quais os elementos fundamentais para a realização desse tipo de arte?

Permita-me precisar que a Bioarte não é a arte “inspirada” na biologia e sim arte que literalmente cria ou manipula a vida. Ou seja, pinturas que representam moléculas não são Bioarte. A Bioarte não é representacional; a Bioarte é presentacional, presencial. O público encontra diretamente a nova vida, ou uma obra na qual a manipulação de processos biológicos de fato ocorre. Eu criei o termo “Bioarte” em 1997, no contexto da minha obra Time Capsule.

Em 1997, para a obra “Time Capsule”, você se tornou a primeira pessoa a ter um microchip implantado no próprio corpo, mais precisamente no seu calcanhar esquerdo. Como foi essa experiência?

Fiz o implante eu mesmo, ao vivo na televisão e na internet, em frente a sete fotos em tom sépia que minha avó materna trouxe com ela da Polônia em 1939. O meu objetivo era confrontar a memória analógica com a nova condição cultural da memória digital. Uma vez feito o implante, o público online podia acessar o conteúdo do microchip no interior do meu corpo, onde ele ainda se encontra.

O artista cipriota Stelarc disse há três anos a frase: “Não é mais uma questão de perpetuar a espécie humana pela reprodução, mas sim reforçar o intercurso macho-fêmea pela interface humano-máquina”. Concorda ou discorda dele e por quê?

Stelarc é um amigo pessoal, e já conversamos sobre o assunto inúmeras vezes ao longo dos anos. A analogia maquínica do intercurso macho-fêmea já se encontra nas vanguardas dos anos 20, como vemos, por exemplo, nos desenhos de Picabia [Francis Picabia, pintor e poeta francês 1879-1953] ou no filme “Ballet Mécanique,” de Fernand Léger [pintor francês 1881-1955]. Mas Stelarc sugere que passamos da condição de analogia para uma nova realidade material, na qual estamos indissociavelmente acoplados às máquinas e aos sistemas que circundam e invadem nossos corpos. Neste sentido, estou de acordo. Basta que você se imagine viver sem telefone celular e sem internet para que perceba claramente o nível do nosso acoplamento.

Atualmente qual seria a principal questão ética na chamada era digital?

Se for o caso de singularizar uma única questão, a principal questão ética na era digital é a privacidade.

Um crítico disse que a “Coelhinha GFP” era um terremoto artístico comparável àquele causado pelo mictório de Marcel Duchamp. Como recebeu essa análise na época?

Quem disse isso foi Didier Ottinger, curador e diretor-adjunto do Centre national d’art et de culture Georges-Pompidou, Musée national d’art moderne, em Paris. O que Didier Ottinger quer dizer com isto é que a “Coelhinha GFP” é uma obra que funda uma nova categoria na arte, uma obra que não tem precedentes históricos — o que é verdade.

Um dos seus trabalhos mais fascinantes sem dúvida nenhuma é a obra “Gênesis” de 1999, onde você codificava em ADN um trecho do Velho Testamento em inglês. Poderia nos contar mais sobre isso.

O elemento-chave da obra é um “gene de artista”, isto é, um gene sintético que inventei e que não existe na natureza. Esse gene foi criado pela tradução de uma frase do livro bíblico do Gênesis para o código Morse e depois para pares básicos de DNA segundo um princípio de conversão especialmente desenvolvido para esta obra. A frase diz: “Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se arrastam sobre à terra” (Gênesis 1, 28). Essa frase foi eleita por suas implicações no que diz respeito à dúbia noção da supremacia (divinamente sancionada) da humanidade sobre a natureza. O código Morse foi escolhido em parte porque, utilizado primeiramente na radiotelegrafia, representa a aurora da era da informação – a gênese das comunicações globais. Gênesis é uma obra transgênica que explora a intricada relação entre a biologia, os sistemas de crença, a tecnologia da informação, a interação dialógica, a ética e a internet.

Como foi escolher apenas 15 trabalhos dentre tantos que você criou entre 1982 e 1999, para ser expostos na Oi Futuro Ipanema?

A curadoria da exposição é de Alberto Saraiva e nós trabalhamos juntos para que a exposição fizesse excelente uso do espaço. Assim, concentramos à esquerda obras silenciosas; ao centro apresentamos obras que envolvem som; à direita exibimos as obras interativas. Do lado de fora da galeria há duas obras. Ao fundo do corredor, uma obra que emprega ruído e que, portanto, se adapta perfeitamente à proximidade com o elevador. Na entrada, criei uma nova obra especialmente para a vitrine de 12 metros, sob encargo do curador. Estou muito feliz com o resultado.

Em outubro deste ano, você deve exibir obras inéditas na Galeria Charlot no bairro do Marais na França. Sei que você não falará sobre a exposição, mas algum tema já trabalhado por você será reaproveitado de alguma forma, mas com um outro tipo de perspectiva?

Eu não costumo comentar as obras em andamento, mas posso dizer que planejo exibir uma obra realizada em 2011, que se chama “Aromapoetry” (Aromapoesia). Trata-se de uma nova forma poética na qual a unidade composicional (o poema) é composta de odores. Compus os doze poemas em Aromapoesia com o intuito de oferecer ao leitor ampla gama de experiências olfativas. Os títulos simultaneamente delineiam e expandem a esfera semântica de cada obra. Cada poema é uma obra distinta e auto-contida. Ao mesmo tempo, o livro possui um ritmo interno particular produzido através da alternância entre aromas distintos e contrastantes. Aromapoesia é um livro escrito para ser lido com o nariz.


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