Eduardo Marinho nasceu no Espírito Santo em 1960. Durante a adolescência, começou carreira militar e depois ingressou em um curso de Direito, que largou aos 19 anos para buscar outros caminhos. Atualmente, ele mora em Niterói e costuma expor seus trabalhos aos fins de semana no Largo dos Guimarães no bairro de Santa Teresa, Rio de Janeiro, e desde 2010 é convidado ocasionalmente para ministrar palestras. Pela internet, expõe suas vivências, trabalhos e ideias no blog Observar e Absorver. Com seus desenhos e palavras (existem vários vídeos do artista no YouTube), ele vem há décadas propondo reflexões, questionamentos, e promovendo ideias à favor de uma sociedade mais solidária. “A Ditadura Militar foi a cara militar da ditadura empresarial, que se viu ameaçada com as mudanças que se faziam no período do Jango, com as movimentações sindicais e populares. A sociedade ainda não superou essa estrutura que serve a poucos com excessos e sacrifica a grande maioria, subalternizada, controlada, explorada, sabotada e excluída dos benefícios da tecnologia, até mesmo dos frutos do próprio trabalho. (…) Arte é uma palavra muito ampla, envolve muitos tipos, inúmeros. Pra alguns é um patamar acima de sensibilidade, coisa pra seres superiores. Pra mim, é pedreira, um trabalho como outro qualquer, do mesmo tamanho, com a responsa de tocar ou “dialogar” com a alma do ser humano”, afirma.
Eduardo, qual foi o principal “start” que fez você sair da parte garantida da sociedade como gosta de qualificar?
Não teve nenhum clique, um momento de “iluminação” ou coisa parecida. Houve um momento de ruptura, mais por parte da família e dos amigos do que de minha parte. Eu apenas assumi a mudança que achei inevitável, depois de tentar me enquadrar de várias maneiras. Foi uma turbulência num caminho que já vinha sendo trilhado internamente e externamente, nas experiências vividas então. Nesse momento todo o cenário mudou de forma definitiva, as vivências e as convivências, o meio social, todas as mudanças foram radicais – apesar dos procedimentos terem sido experimentados várias vezes, nos feriados, nas férias, viajando de carona, dormindo em qualquer lugar, convivendo com estradeiros “profissionais”. Tornou-se definitivo com o corte geral de relações com o meio de origem. Geral e total. E a vida tomou sentido de aprendizado de verdade, não a preparação pra um usufruto que não me atraía pelo preço interno que cobrava.
Você sempre diz que a sociedade é injusta, perversa, covarde e suicida. Mas como mudar a visão de uma sociedade, que mesmo agindo inconscientemente, atua de certa forma num desses quatro pilares?
Faço minha visão de mundo à medida que vou vivendo, observando os acontecimentos, vivenciando, procurando as oportunidades de aprendizado, procurando construir meus próprios valores e desconstruir os valores plantados no meu inconsciente. Isso determina meu comportamento e meu trabalho, onde exponho essa visão – sujeita a mudanças, claro. E o que percebo é que, quando se trabalha internamente, o trabalho externo se faz por consequência e com melhor discernimento, mais segurança nas escolhas e capacidade de contagiar, de oferecer oportunidades de reflexão.
Como você enxerga o capitalismo?
Como uma ditadura empresarial, como havia a ditadura monárquica. A Ditadura Militar foi a cara militar da ditadura empresarial, que se viu ameaçada com as mudanças que se faziam no período do Jango, com as movimentações sindicais e populares. A sociedade ainda não superou essa estrutura que serve a poucos com excessos e sacrifica a grande maioria, subalternizada, controlada, explorada, sabotada e excluída dos benefícios da tecnologia, até mesmo dos frutos do próprio trabalho. Aliás, ditadura empresarial encontra muito mais receptividade nos ouvidos da gente do que capitalismo, que já foi por demais trabalhada pelo massacre publicitário-propagandístico-midiático que usa, entre tantos recursos, a psicologia do inconsciente. A rejeição é clara.
A arte deve ter um papel social?
A minha deve. Arte é uma ferramenta, mas do que um fim em si. Não almejo a perfeição técnica, quero só dizer o que penso e como vejo o mundo, na intenção de provocar questionamentos, causar reflexões, denunciar mentiras fabricadas que infernizam a vida da coletividade. É uma necessidade, uma espécie de compulsão – sou e gosto de ser um inconformado com a forma de sociedade em que vivemos. Não quero condenar os que se dedicam à arte decorativa, ou os que improvisam qualquer coisa com senso estético, às vezes nem isso. Cada um tem sua própria consciência e a obrigação de fazer suas escolhas com base em si mesmo. Uma escolha é como um plantio, dará sua colheita. Faço as minhas escolhas, mas não pretendo que sejam as certas pra outros.
Arte é uma palavra muito ampla, envolve muitos tipos, inúmeros. Pra alguns é um patamar acima de sensibilidade, coisa pra seres superiores. Pra mim, é pedreira, um trabalho como outro qualquer, do mesmo tamanho, com a responsa de tocar ou “dialogar” com a alma do ser humano, seu corpo abstrato, sentimento, pensamento, visão de mundo. Se toca bem ou toca mal, aí é outra coisa. Depende do artista, do caráter, da intenção, da visão de mundo, dos pensamentos, das sensações, tantas coisas podem ser… ou nenhuma. O que é certo é que pode ser um instrumento valioso de conscientização, de sensibilização, de esclarecimento, enfim, um fator de mudança pessoal e social. É por aí que eu vou.
Qual a sua visão sobre a mídia de modo geral?
De modo geral o que se vê é uma mídia canalha, traidora da população, que trabalha pra distorcer a realidade, criar valores falsos, estimular a competitividade e os desejos – compulsivos – de consumo, de ostentação. A mídia comercial, privada, gigante, é um poder sobre o chamado poder público, um poder sobre a mentalidade geral, na manutenção da estrutura social. A serviço, sempre, de interesses empresariais, à custa de muito sofrimento humano. Fecha com os poderes econômicos, com o mercado financeiro, com os inimigos do povo e seus exploradores. Historiadores do futuro terão calafrios quando estudarem o papel da mídia atual dentro da coletividade humana.
Você diz que o povo não precisa de lideranças, precisa de consciência. Na sua visão, o que deve ser feito para criar essa consciência?
A consciência está em constante mutação, ninguém tem o poder de criar consciência, mas de desenvolver em si. Creio que só se pode conscientizar se conscientizando, sem cair na ilusão do “já estou consciente”, um perigo e um esterilizante pra esse trabalho. Que precisa de serenidade, profundidade, sinceridade e humildade pra ser feito.
O que pensa sobre a esquerda brasileira, que em muitos casos também usufrui de certa forma das benesses do capital?
Não dá pra falar na esquerda brasileira como se fosse um bloco homogêneo. Há inúmeras formas de esquerda, de visão de mundo, de escolhas e comportamento, de propostas e ideologias. É muito variado. A parte usufruinte é que está aboletada no teatro de marionetes do poder real.
A ânsia do consumo para a busca da felicidade lhe incomoda?
Não me incomoda porque eu não tenho. Mas não entro em “chópim center” pra não ver os olhares doentes de desejos de consumo, a mentirada publicitária – todos me amam e só pensam no meu bem-estar, sorrisos sedutores e promessas de felicidade, a menos que eu vá ao departamento de reclamações pra devolver um produto. Quanto a ser feliz, como eu poderia, sabendo de tanto sofrimento, tanta injustiça à minha volta? Posso ser bem-humorado, sereno, bom astral, mas feliz só se for indiferente ao sofrimento de tanta gente por conta das injustiças colossais, do egoísmo e crueldade de um punhado de banqueiros e megaempresários multinacionais. Não me interessa a “felicidade” da ignorância, do egoísmo, da indiferença, isso pra mim não é felicidade, mas uma declaração de mentalidade e sentimento. O que me incomoda é o massacre midiático e publicitário, anestesiando consciências e produzindo alienação e desejos de consumo, valores falsos e conflitos que dividem estrategicamente, afastam as pessoas e impedem a solidariedade, o respeito e a união.
O fundador da banda Kiss, Gene Simons, disse recentemente que os pobres devem ser gentis com os ricos, afinal são eles que lhe dão empregos. Isso vai de encontro com aquele seu pensamento que eles (ricos) são fracos, disfarçando sua fraqueza na quantidade de dinheiro que eles têm?
Os padres também prometiam uma alma e um lugarzinho no céu pros escravos dóceis, obedientes e submissos, suportando com resignação todo sofrimento imposto por seus senhores, pra conseguir uma vaguinha na senzala do paraíso. Sem comentários.
Muitos capitalistas dizem uma coisa bem parecida com o que você diz, ou seja, que existem muitos parasitas no Estado. Quando os empresários dizem isso, acredita que eles estão sendo cínicos?
É uma afirmação genérica, sem foco, dispersiva. Quer mais parasita que os bancos? Ou empresários que se beneficiam do trabalho escravo imposto às pequenas terceirizadas pelo preço imposto pelos próprios empresários? O Estado, sequestrado pelos poderes econômicos, é como um Robin Hood ao contrário, rouba dos pobres pra dar aos ricos. E não se basta com o dinheiro dos impostos que recai na sua maior parte sobre os mais pobres na taxação do consumo acima de qualquer outra coisa – renda, patrimônio ou fortunas, por exemplo -, não, rouba também os direitos, as vidas, a instrução, a informação, a consciência.
Os parasitas do Estado emprestam jatinhos e mansões a seus “políticos”, como prêmio por seus “bons serviços”, mais a garantia de financiamentos de campanhas, apoios inúmeros. Mas, como sempre, apontam suas vítimas como responsáveis, não só pela sua própria desgraça, como também pelo mau funcionamento do aparato público – que precisa ser privatizado, na opinião deles.
Qual o papel do amor para o equilíbrio da nossa sociedade?
O amor irrestrito pelo ser humano é a base do proceder revolucionário, a meu ver. Mas não é fácil alcançar este sentimento, o enraizamento da competitividade, da disputa, do egoísmo, da desconfiança, foi feito com extrema competência. Mas o fato de ser difícil não inviabiliza, ao contrário, valoriza.
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