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Elifas Andreato e sua visão sobre as gravadoras

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Nascido em Rolândia no estado do Paraná, com mais de quarenta anos de atividade como artista plástico, Elifas Andreato é especialmente reconhecido como ilustrador de inúmeras capas de discos de vinil nos anos 70, incluindo grandes nomes da Música Popular Brasileira como Chico Buarque de Holanda, Elis Regina, Adoniran Barbosa, Paulinho da Viola e Martinho da Vila só para citar alguns. O traço poético com profundo sentido social, definiu os trabalhos de Elifas como um ícone de uma geração que protestava, por meio da arte, contra a Ditadura Militar vigente. Da geração do vinil, Elifas foi o maior capista, chegando a produzir 362 capas de discos, com destaque para a Ópera do Malandro (Chico Buarque), A Rosa do Povo (Martinho da Vila), O Sorriso Ao Pé da Escada (Jessé) e A Arca de Noé, obra de Vinicius de Moraes. “Eu vejo a música brasileira com as coisas boas e as coisas ruins, mas isso foi assim em todos os momentos, e continuará assim. A música brasileira que a gente chama de qualidade, continua existindo e sendo feita, além de termos grandes intérpretes preocupados na recuperação dessa música, e claro, além das coisas novas que estão surgindo. Agora tem muita porcaria, e isso depende do interesse da grande mídia. (…) Eu vou começar pela grande mídia. A grande mídia acabou refém da audiência, e a audiência está nivelando as coisas meio que por baixo”, afirma o designer gráfico.

O senhor foi um homem que teve uma infância cheia de privações. Acredita que isso foi o combustível para que se tornasse um artista respeitado e reconhecido, no Brasil e no exterior?

Sim, com certeza. Se é de um lado uma marca forte para toda vida, é também um teste de superação e que acabou no final, servindo como base e estrutura fundamental para que eu desenvolvesse meu trabalho. Isso foi importantíssimo não só para a minha sobrevivência como indivíduo, mas principalmente para ter força e perseverança. Tudo que eu fiz há reflexos dessa experiência e dessa prova de vida, sobretudo a preocupação com a infância e com as crianças.

O inglês Adrian Shaughnessy, disse que não existem clientes ruins, mas sim designers gráficos ruins. O senhor concorda?

Concordo claro. Eu acho que o design – que é uma definição que eu não gosto muito de usar, porque eu me considero um desenhista, mas enfim, a gente acaba adotando isso – o design, é um suporte, uma especialidade que pode ser boa ou ruim, mas isso tudo vai depender do designer. Se for um bom designer, o design é bom, e se for ruim será ruim, então eu acho que ele tem razão.

Os setores de marketing das gravadoras têm atrapalhado o trabalho dos artistas gráficos e capistas em nosso país?

Eles sempre atrapalharam, desde os meus tempos do velho e bom vinil. As gravadoras foram um empecilho para que o trabalho se desenvolvesse naturalmente. Eu felizmente tive sempre – como fui sempre convidado pelos artistas – um certo privilégio de fazer aquilo que eu queria fazer, e uma vez acordado com os artistas, as gravadoras engoliam. Mas elas sempre foram os empecilhos à criatividade, à liberdade de trabalho dos artistas gráficos. Ainda hoje há resquícios dessa postura de que quem faz arte gráfica, ou design como você preferir, é aquele cara que não estudou. Chega com uma ideia pronta para ele lá, e ele sabe resolver e faz o que os outros pensam. Eu nunca aceitei esse tipo de coisa. Eu só fiz aquilo que eu achava que eu tinha de fazer, e para isso eu precisava ler o texto, assistir ao ensaio de teatro, ouvir o disco e ler o livro. E foi graças a isso, que eu construí minha obra. Porque é a minha opinião, aliás, sempre tive claro que o meu papel era um papel que exigia bastante humildade, pois, quando eu optei por artes gráficas, eu sabia que eu iria ser o cara que iria ilustrar, e fazer a síntese de grandes obras numa imagem, portanto, eu tinha responsabilidade, não podia errar. Agora eu jamais seria mais importante do que a obra de um Arthur Miller, de um Bertolt Brechet, de um Chico Buarque, de um Paulinho da Viola, ou de um Martinho da Vila. O designer é o cara que faz o convite, já que antes de você ouvir o disco, você vê a imagem, agora nem tanto, porque as novas plataformas não necessitam de imagem nenhuma. Hoje você baixa na internet a música que você quiser sem imagem, sem nada. Mas no tempo em que eu exerci (continuo fazendo isso com cds, dvds e outras coisas), sempre tive isso comigo: eu sou o porta-voz, fazendo a síntese numa imagem daquilo que é muito maior.

Como o senhor vê a atual Música Popular Brasileira, já que é um estudioso do assunto?

Esse é um terreno complicado. Eu vejo a música brasileira com as coisas boas e as coisas ruins, mas isso foi assim em todos os momentos, e continuará assim. A música brasileira que a gente chama de qualidade, continua existindo e sendo feita, além de termos grandes intérpretes preocupados na recuperação dessa música, e claro, além das coisas novas que estão surgindo. Agora tem muita porcaria, e isso depende do interesse da grande mídia. É aquela velha frase do Paulinho da Viola: “Dizem que o samba está morto”; é um problema da mídia, e dos espaços por aí, já que o samba está vivo, ele está lá! Ele está nas Velhas Guardas, está nos novos talentos que estão surgindo, ele nunca vai deixar de ser feito e nem vai deixar de ser importante, assim como a MPB, a música nordestina e tantas outras. A música do Brasil é muito rica, e em todos os seus segmentos ela tem boas e grandes canções, como também grandes porcarias! É complicado você ficar julgando. Eu sou o tipo de pessoa que faço o possível para não ter preconceito nenhum. Eu quero conviver com a diferença e para isso eu eduquei meus filhos e agora os meus netos. Eu posso dizer: “Disso eu não gosto, isto eu não faço”; agora enfim está aí, às pessoas têm o livre arbítrio, escolhendo aquilo que preferirem. Agora respondendo finalmente a pergunta, a música brasileira sempre viveu dessa maneira. Sempre com grandes talentos, com grandes criadores, com grandes intérpretes e, ao mesmo tempo, com grandes porcarias, visto pelo meu ponto de vista, por que seu eu perguntar para uma pessoa que gosta eventualmente de uma dupla sertaneja ou de um pagodeiro, o cara vai dizer que a música deles é a melhor do Brasil. Não é à-toa, que esses chamados “sertanejos”, estão podres de ricos. Agora recentemente, por exemplo, um deles caiu de helicóptero [Marrone da dupla Bruno&Marrone]. O sujeito para comprar um helicóptero, tem que ganhar muito bem. Se as pessoas querem assistir e prestigiar essa turma, o que vai se fazer… No mundo inteiro é assim. Agora tem muita coisa boa também! É isso que a gente tem que reverenciar. Você escuta um Zeca Baleiro, um Diogo Nogueira, uma Mart´nália, a Céu, eles são muito talentosos!

Como enxerga o trabalho da imprensa alternativa e da grande mídia no Brasil?

Eu vou começar pela grande mídia. A grande mídia acabou refém da audiência, e a audiência está nivelando as coisas meio que por baixo. Então, eu considero que a independência (vamos chamar assim) da chamada “imprensa oficial” ou “grande imprensa”, está muito atrelada hoje ao faturamento em publicidade e nas relações que têm com os governos. É muito difícil você dizer que tem plena liberdade. Algumas são tendenciosas, claramente tendenciosas, e o jornalismo que eu entendo, não deve ser assim por princípio e por ética. Ele deve ser independente de verdade. Os grandes veículos pregam uma independência, mas toda vez que há coisas relevantes para a construção do país, eles estão sempre do lado contrário. Eles escolhem sempre um lado, quando, na verdade, o lado teria que ser o da nação, do povo, mas os interesses pessoais e empresariais falam sempre mais alto. Agora a imprensa alternativa no Brasil ficou restrita. Ela praticamente hoje inexiste. Sempre a imprensa alternativa tinha um inimigo claro que era o Regime Militar. Agora temos segmentos lutando por causas, desde a GLS até os Movimentos Sindicais. Eu apoio essa imprensa alternativa indiscriminadamente. Todas elas sofrem preconceito, mas precisam se manifestar. Elas deixaram de ser vamos dizer “políticas”, naquele sentido da imprensa alternativa do qual eu participei. São reivindicações com razão, colocando o cumprimento da Constituição, brigando contra a discriminação e contra a exclusão. Então eu acho que a imprensa alternativa como disse, tem agora esse papel, e eu apoio indiscriminadamente!

É complicado fazer um trabalho que seja engajado socialmente e, ao mesmo tempo, comercial?

Sem dúvida, porque são incompatíveis. Eu sou uma dessas pessoas que luta por um país mais justo, sobretudo para as crianças, então qualquer trabalho social hoje é muito penoso. É muito penoso, pois, você tem uma dificuldade enorme em superar essas grandes instituições que fundam suas próprias ONGs ou fundações, aplicando o seu próprio dinheiro nas suas coisas que são convenientes. Nem tudo é ruim, mas para os menores não existem justiças nessas divisões de apoios financeiros. Então é muito penoso! Qualquer trabalho social exige muita renúncia, muita força de vontade e sobretudo voluntariado, que é uma cultura que precisamos estimular no Brasil. A gente conhece o trabalho voluntário nas grandes catástrofes, o que é muito positivo, mas não fazemos isso no dia a dia, naquela coisa que você vai impregnando o sujeito e o transformando-o, ajustando-o a esta razão que deveria ser do cotidiano, e não só nas grandes tragédias, e nos grandes eventos. Nós não temos essa cultura, nós temos pontualmente e a gente percebe até com muita satisfação, que nós somos de fato um povo muito solidário, um povo que se preocupa com os mais necessitados e tal… mais as coisas assim como chegam e dão uma demonstração de grandeza, muito rapidamente desaparecem do cenário. Então eu sou um desses que sofrem muito com o trabalho social.

Qual a análise que o senhor faz do PT no poder?

Tem bons aspectos. Não podemos ignorar o crescimento do país, os números do Censo que acabou de sair agora, revela um belo crescimento. Eu ao contrário de muita gente que detesta e sempre leva para o plano pessoal, procuro ser muito pragmático nessas coisas. Fiz parte do PT na sua fundação. Trabalhei antes de sua fundação junto aos fundos de greve, mas também fiz parte da frente ampla contra o Regime Militar. Também lutei pelas “Diretas Já”, junto com o PSDB e com o MDB na época, por isso eu me sinto a vontade para falar, já que sou uma pessoa independente e estou sempre do lado do bem. É claro que o PT cometeu uma série de erros também, muitas coisas ainda precisam de solução não é? Então eu consigo avaliar positivamente o Governo do PT em vários aspectos, já que são inegáveis os grandes avanços. Agora também não posso como cidadão e como avô, fechar os meus olhos para os grandes problemas que a gente ainda tem de inclusão social, e de melhor educação para os mais pobres. Nós temos um problema sério com a corrupção que precisamos combater. A nossa Justiça ainda contempla os mais abastados e é cruel com os menos endinheirados, mas nós caminhamos bem. Se você pegar a minha trajetória nos últimos 40 anos, tivemos um grande avanço. Combati o Regime Militar, depois fui para a rua com a luta pelas Diretas, pois, sempre em todos os partidos eu estive ao lado das pessoas boas, por isso eu nunca me filiei a um partido. Quando trabalhei na Editora Abril onde me formei, o senhor Victor Civita me disse: “Se você quer mesmo ser um artista, seja independente, seja humanista, faça para as pessoas”; então eu segui esse conselho à risca.

A televisão brasileira melhorou ou piorou muito desde à época que o senhor foi diretor artístico de algumas emissoras do país?

Melhorou muito. A televisão brasileira é uma das melhores do mundo assim como a propaganda, embora eu não faça parte da mesma. A história da publicidade brasileira e da televisão brasileira é fantástica. A televisão brasileira é conhecida em todo o mundo. É comum eu estar às vezes viajando, e de repente eu estar vendo o senhor Antônio Fagundes falando em italiano ou espanhol. É uma coisa muito doida. Agora como toda televisão do mundo, tem muita porcaria, você espreme e sobra pouco. Mas é aí que está, voltamos a questão da grande mídia que é refém da audiência. Da audiência depende o valor das inserções dos comerciais e nesse sentido, a televisão acaba jogando a qualidade dos programas lá para baixo. Se você excluir as emissoras públicas, as chamadas abertas ou comerciais, dependem da audiência e para isso fazem o “diabo”. Fazem todo o tipo de porcaria desde que dê audiência. As coisas boas acabam ficando num horário inacessível para quem trabalha cedo.

Uma cenografia bem feita pode salvar uma peça de teatro ruim?

Não, nada salva uma peça de teatro ruim, nem um bom cenário é capaz disso. Os cenários devem ser sempre um suporte adequado, apropriado, e correto para uma peça teatral. Então essa resposta é até fácil, não existe cenário que salve uma peça ruim.

A revista Almanaque Brasil de Cultura Popular, enfrenta dificuldades no disputado mercado editorial brasileiro?

O Almanaque Brasil tem 12 anos de dificuldades com anunciantes, mas ele consegue além de estar na televisão, se manter, afinal é um sucesso. Criou uma dificuldade natural, já que era uma publicação muito diferenciada, e voltada para uma cultura brasileira. Num primeiro momento criou um certo estranhamento, mas a adoção do público por ele, e o apreço que todos têm nesses 12 anos, o consagraram como uma publicação perene e de longa data. Hoje o Almanaque além de estar bem no impresso, é também muito bem-sucedido na TV Brasil e na TV Cultura.

Por que o senhor acredita que é tão difícil politizar o povo brasileiro?

Primeiro precisamos educá-lo. Qualquer caminho nesse sentido passa pela educação. Assim que a gente conseguir educar o povo, mudamos a situação. É muito complicado você falar em politizar o povo sem antes educá-lo. Eu venho anos e anos falando sobre a importância da educação na formação dos indivíduos. Então, a gente padece desse mal, digamos desse grande nó, que vem evoluindo, que vem melhorando. Existe um atraso muito grande, e isso não deve a esse momento, mas sim a uma classe conservadora que nunca se interessou em educar o povo. Eles querem manipulá-lo e enganá-lo. A nossa elite é cruel. Claro que há muita gente tentando mudar essas coisas, mas também existem muitos que estão tentando manter o povo sob as rédeas da ignorância.

O compositor musical que teve como parceiros Jessé e Toquinho ainda está na ativa?

Ele está mais que na ativa [risos]. Nós estamos relançando “Canção de Todas as Crianças”, e fazendo um disco novo. Nós estamos fazendo agora, músicas para um disco que se chamará “Casa do Tempo”, mas a maior novidade do momento para demonstrar à atividade desse sujeito que foi mencionado que no caso sou eu, é que estamos envolvidos com o lançamento da Fábula, uma empresa que será grandiosa e que vai cuidar de dar entretenimento de qualidade para o público infantil.

Tem alguma coisa que nós não perguntamos que o senhor gostaria de falar?

Acho que falamos de tudo, falamos até um pouquinho mal das pessoas [risos].


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