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Matilde Ribeiro fala sobre o feminismo e o racismo

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Nascida na pequena cidade de Flórida Paulista, Matilde Ribeiro é militante do movimento negro e do feminismo. Formou-se em Serviço Social na PUC de São Paulo. Nascida numa família de baixa renda, é filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT). Após participar da equipe da campanha petista vitoriosa nas eleições presidenciais de 2002, ela foi convidada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para integrar o primeiro-escalão do Governo em março de 2003. Ocupou até 1 de fevereiro de 2008 a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), que tem status de Ministério. Em uma entrevista à BBC Brasil em 2007, a ex-ministra causou polêmica ao declarar que “não é racismo quando um negro se insurge contra um branco”, e que “[a] reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, […] é natural” . Após repercussão negativa, a SEPPIR divulgou nota de esclarecimento assim como houve nota da própria ministra no site do PT. “A mídia é um instrumento importantíssimo para a democracia. No entanto, no que diz respeito a questão racial, ainda há um distanciamento de reflexões mais condizentes com a realidade do racismo. Não apenas o setor midiático, mas a política e o cotidiano da sociedade brasileira ainda se baseiam pela “falsa democracia racial” que coloca o Brasil como território harmonioso”, afirma a ex-ministra. 

A senhora nasceu em uma família de baixa renda e se tornou ministra de Estado do Governo Lula. O que acredita ter sido o combustível primordial para essa ascensão?

Uma das formas de reagir a pobreza é tomar consciência de sua existência e dos mecanismos que a mantêm. Meus pais eram pessoas muito conscientes da dignidade de sermos pobres e negros. Nos educaram, a mim e as minhas irmãs para lutar pela vida, tendo o trabalho como principal caminho.

Além disso, ter ingressado na universidade foi uma grande fonte de energia. O envolvimento com a militância política, no Partido dos Trabalhadores (PT), no Movimento Negro e no Movimento Feminista foram grandes alavancas.

Na última década, com a criação da Secretaria de Políticas para a Igualdade Racial, como uma construção e conquista do Movimento Negro e da organização das mulheres negras, houve uma grande ebulição na minha vida e na área política nacional.

Como enxerga hoje o Movimento Negro e o Feminismo?

As lutas por igualdade e equidade do ponto de vista racial e de gênero, são ancestrais.

Nas últimas décadas vivemos momentos de muitas conquistas. Ampliaram-se os diálogos dos movimentos sociais, e, em especial nos movimentos negro e feminista com o Estado, com Governos e com a sociedade, e isso tem repercussão nas políticas públicas.

Portanto, os movimentos negro e feminista são vitoriosos, necessitando sempre de trabalhar a ação coletiva, a representatividade e a atualização das agendas e estratégias de luta. Um dos grandes desafios são igualmente, a negociação e o monitoramento das políticas públicas.

Em 2003, quando assumiu a Secretaria de Política de Promoção de Igualdade Racial (SEPPIR), a senhora disse que desde a época da abolição não havia um projeto de inclusão da população negra na vida econômica, política e social do país. Após 10 anos, quais os avanços que vê nessa questão?

O grande avanço, na atualidade, é o desenho e a estruturação das políticas de igualdade racial visando a inserção destas no conjunto das políticas públicas nacionais, a partir de um trabalho conjunto entre as estruturas governamentais.

No entanto, ainda não dá para afirmar que a população negra tenha alcançado o status de cidadania, de maneira plena. É necessário aprofundar a aplicação das políticas de igualdade racial, consolidando-as.

O Estado deve investir de uma forma diferenciada no segmento negro?

Foi tardia a criação de órgãos e de políticas específicas voltadas à população negra, passaram a existir apenas a partir do final dos anos 1980. Por exemplo: no campo das ações afirmativas, existem resultados positivos, como as cotas para negros nas universidades públicas.

Não há dúvida, o Estado deve investir cada vez mais nas políticas voltadas a população negra, como um dos pilares para o desenvolvimento nacional.

O que a senhora acredita ser essencial para a melhoria da legislação racial em nosso país?

As legislações sempre são afinadas com os momentos históricos. Nesse sentido, podemos afirmar que temos legislações potentes, como resposta a um processo de luta da sociedade.

O mais amplo instrumento político é o Estatuto da Igualdade Racial, que deve ser regulamentado e executado no cotidiano. Todas as leis, desde a revisão da Constituição Federal (em 1988) que assegura que racismo é crime, devem ser acionadas pela população negra e acompanhadas pela sociedade. 

Numa entrevista que a senhora concedeu à BBC Brasil em 2007, a manchete foi: “Não é racismo se insurgir contra brancos”. Duas perguntas: A senhora disse que a frase foi tirada do contexto, se sentiu traída de alguma forma por isso? Como as pessoas lhe trataram no Governo depois da entrevista ser publicada?

Um dos caminhos para executar as políticas de equidade e diversidade é o exercício da capacidade das autoridades e gestores de contribuírem para que a história seja passada a limpo. Por exemplo, temos que admitir que “o Brasil não foi descoberto, mas, sim invadido”! Essa visão já é corrente em nossa sociedade, mas precisa ser reafirmada, sempre!

Da mesma maneira, é importante o reconhecimento de que o racismo existe, e, também da necessidade de ampliação de manifestações contrárias a ele.

Historicamente os negros, por dignidade, sempre reagiram ao racismo. No entanto, essa não é tarefa só dos negros, deve ser o papel de todas/os as/os brasileiros, independente de sua origem racial.

É assim que penso!

No episódio da entrevista da BBC, a resposta por mim dada a jornalista teve sentido dentro de uma reflexão mais ampla, sobre os efeitos do racismo, que se mantêm a partir de relações hierarquizadas, onde a população negra é oprimida. Porém, a frase foi apresentada de maneira solta e enviesada, pela entrevistadora, e a confusão foi causada.

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A partir desse fato, ocorreram vários diálogos no interior do Governo. Isso contribuiu para aprofundar conhecimentos e fortalecer conceitos que organizam políticas.

Enfim, não foi um momento fácil… Mas foi de grande importância para aprofundamentos de diálogos dentro do Governo e com diversos setores da sociedade.

A senhora foi duramente criticada por órgãos da grande mídia nacional depois da entrevista concedida à BBC. Qual a sua visão sobre a grande mídia nacional antes e depois do ocorrido?

A mídia é um instrumento importantíssimo para a democracia. No entanto, no que diz respeito a questão racial, ainda há um distanciamento de reflexões mais condizentes com a realidade do racismo. Não apenas o setor midiático, mas a política e o cotidiano da sociedade brasileira ainda se baseiam pela “falsa democracia racial” que coloca o Brasil como território harmonioso.

Em vários momentos da vida política alguns comunicadores expõem figuras públicas de maneira intencional e isso causa muitos desconfortos. Portanto, o que aconteceu comigo não foi uma atitude isolada.

Críticas são bem vindas… Continuo atuando politicamente, e, sempre disposta a explicitar pensamentos e posicionamentos políticos. Não dá pra abrir mão da afirmação de que “o racismo existe, e, precisa ser superado”.

Na internet, não falta menções sobre o episódio dos cartões corporativos que muitos chamam de “farra” dos cartões até hoje. Qual a análise que a senhora faz do período e se de alguma forma isso atrapalhou a sua vida e carreira logo a seguir?

Afirmo o que foi divulgado há sete anos atrás – de minha parte o Cartão Corporativo (CC) foi utilizado para viabilizar o trabalho da Secretaria de Igualdade Racial (SEPPIR).

A SEPPIR não tinha estrutura para cumprir com todo ritual administrativo, e com o apoio da Casa Civil e Ministério da Justiça chegamos a solução do CC para cobrir despesas com deslocamento, hospedagem e alimentação fora de Brasília. A única exceção no uso foi por engano, para pagamento de uma conta pessoal, cujo dinheiro foi devolvido, não causando nenhum dano aos cofres públicos. Todas as respostas foram concedidas aos órgãos competentes.

Depois que saí do Governo vivi momentos duros, sofrendo acusações levianas e passando por um longo desemprego, o que me trouxe sérias dificuldades pessoais, familiares e profissionais.

Mas… é pra frente que se anda! Contei com solidariedade de algumas pessoas e instituições, o que ajudou a atravessar esse tumultuado período.

Foi fundamental ter retomado os estudos e concluir o doutorado, o que aconteceu em 2013.

E, em 2014, prestei concurso público para a função de professora doutora na UNILAB – Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira.

Fale um pouco sobre o seu trabalho na UNILAB (Universidade da Integração Internacional da Lusofania Afro-Brasileira).

Aos 54 anos iniciei uma nova carreira agregando ao meu papel de Assistente Social o exercício da docência. Em função dessa escolha hoje, moro em São Francisco do Conde, na Bahia. O trabalho na UNILAB é um grande desafio.

Além da pratica docente, a relação com alunos brasileiros e africanos estimula a amplos caminhos de relação com governos, comunidades e movimentos sociais a partir de extensão, pesquisa, e, monitoramento de políticas públicas.

Alguns jornalistas e intelectuais afirmam que as cotas raciais trazem um preconceito velado, já que cor não pode definir competências. Como enxerga esse tema?

Olha, não apenas jornalistas, mas muitos profissionais, muitas vezes, prestam desserviços à sociedade, quando simplesmente atacam as cotas.

Compreendo que, seja por meio da mídia ou de qualquer instrumento de comunicação ou acadêmico, as cotas raciais devem ser apresentadas como importantes instrumentos de políticas públicas, com a construção e monitoramento conjunto com Movimentos Sociais para garantir direitos e equidade.

Isso deve ser compreendido pela sociedade. Por isso, cabe as instituições manterem diálogos e atualizações permanentes, e, instruir seus agentes sobre a importância das mudanças.

Quais lições a senhora tirou do poder?

Foram várias as lições, mas a principal é de que ao apresentarmos firmeza de nossos propósitos políticos, principalmente em uma sociedade que ainda se alimenta da “falsa democracia racial” sofremos retaliações.

Reagi as perseguições dando continuidade ao meu trabalho profissional e político com responsabilidade. Nesse momento, desenvolvo um novo ciclo, com bastante energia.

Além da inserção na UNILAB, faço parte do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (como Conselheira de Notório Conhecimento das Questões de Gênero); e, integro o Conselho consultivo da Revista Estudos Feministas e da Fundação Perseu Abramo. São atividades que se complementam.

Uma boa novidade é que agora no mês de novembro haverá o lançamento do livro (a partir da tese de doutorado) – “As políticas de promoção da igualdade racial no Brasil” uma publicação da Editora Garamond.

Última atualização da matéria foi há 10 meses


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