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Escritor Alberto Mussa fala de arte experimental

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Alberto Baeta Neves Mussa é romancista, contista e tradutor. Realizou estudos sobre diversas culturas primitivas. Estreou na literatura com “Elegbara” (1997), livro de contos inspirado pela mitologia dos nagôs (etnia africana responsável por trazer o candomblé para o Brasil). Com o auxílio de bolsa da Fundação Biblioteca Nacional, escreveu “O Trono da Rainha Jinga” (1999), romance de mistério ambientado no Rio de Janeiro do século XVII. Fascinado pela poesia pré-islâmica, dedicou-se a um projeto de tradução e pesquisa sobre o mundo árabe. Como resultado dos estudos sobre a cultura do Oriente Médio, publicou o romance “O Enigma de Qaf” (2004). Outro desdobramento desses estudos é a coletânea de traduções “Os Poemas Suspensos” (2006). Inspirado pelo escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) e por pesquisas antropológicas sobre o adultério, redigiu “O Movimento Pendular” (2006). Compilou uma série de versões de mitos sobre a cosmogonia tupinambá e escreveu o ensaio ficcional “Meu Destino É Ser Onça” (2008). Três anos depois, publicou “O Senhor do Lado Esquerdo” (2011) e recebeu o prêmio Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional. Em 2015, recebeu o Prêmio Oceanos pelo romance “A Primeira História do Mundo” (2014). Além de toda pujança literária, Mussa é um dos maiores conhecedores de sambas-enredo do país.

Alberto, como a escrita entrou em sua vida de uma forma definitiva?

Desde a adolescência tentei escrever poemas, escrevi um romance inédito (hoje desaparecido, espero) e até teatro. Sempre achei tudo isso muito ruim e nunca me atrevi a publicar nada. Em 1994, transformei em contos duas das peças teatrais que eu tinha esboçado. E achei que a qualidade tinha melhorado. Continuei escrevendo e apresentei um livro de contos que resultou desse processo (Elegbara) ao professor Antonio Houaiss [filólogo, crítico literário, tradutor, diplomata, enciclopedista e ministro da Cultura do Brasil no Governo Itamar Franco, 1915-1999], que me incentivou a publicar e até escreveu o prefácio da primeira edição. Foi quando tudo começou.

Sua proposta é fundir a tradição narrativa ocidental aos relatos mitológicos de outras culturas, como a afro-brasileira, a da Arábia pré-islâmica e do Brasil indígena. Em que momento você achou necessário tratar destes assuntos em seus livros?

Foi um processo espontâneo. Antes de ser escritor eu pensava em fazer carreira universitária, de professor ou pesquisador. Estudei Linguística Histórica. Já me interessava por línguas e mitologias ameríndia e africana. A entrada desses temas na minha ficção foi natural: esses já eram os meus temas. A mitologia árabe veio depois, num processo similar, quando comecei a traduzir os poemas pré-islâmicos.

Seus livros são sempre planejados e planificados como já disse uma certa vez. Quanto tempo leva até que todo este planejamento esteja pronto para a execução de sua escrita?

Isso é muito variável, cada caso é um caso. Mas não leva menos de um ano e meio, dois anos, a concepção e o planejamento. Já a escrita propriamente dita, depois de pronto o esquema, é mais rápida, dura um ano, um ano e meio.

Você se identifica com três grandes escritores, que são os brasileiros Machado de Assis e Nelson Rodrigues, além do argentino Jorge Luis Borges. O que você absorveu de cada um deles e que coloca em seus livros seja de uma forma direta ou indireta?

É muito difícil dizer, o meu ponto de vista é, na verdade, o mais inadequado, o mais distorcido, para opinar sobre a questão. Creio que Machado e Nelson me interessam pelo tipo de humor, cujo propósito é desestabilizar, é provocar, subverter estruturas. De Borges acho que herdei o cerebralismo, o processo de construir ficção a partir de um problema teórico. Borges, contudo, tinha como fundamento temas filosóficos, matemáticos. No meu caso, essa base é a Mitologia.

Por que você acredita que a Mitologia é um gênero por excelência?

Primeiro, porque os grandes temas literários, os grandes problemas da humanidade estão todos na Mitologia: a condição humana, a violência, o crime, a vingança, a dominação do homem sobre a mulher, a natureza do amor, a repressão à sexualidade, o ciúme, o incesto, o mistério da criação, o enigma da morte. Segundo, por uma razão formal: o mito é a forma “literária” mais densa, mais espessa, porque concilia o mínimo de expressão com o máximo de conteúdo.

Fazendo uma auto-análise, como acredita que um escritor erudito como você alcançou as mentes e os corações das pessoas, em um país onde a taxa de leitores é baixa em relação ao tamanho da população?

Nunca pensei muito sobre o assunto, mas talvez isso se explique pelo fato de eu explorar gêneros tradicionalmente populares, como a novela policial e o romance de aventura. Toda arte experimental, independentemente do seu valor estético ou de sua importância histórica para o desenvolvimento das técnicas formais, é mais difícil; cria, naturalmente, mais barreiras. Tenho um romance experimental, “O Movimento Pendular”, de caráter mais ensaístico e reflexivo, que é precisamente o meu livro menos lido (sei isso pelas vendas, que ainda não chegaram a dois mil exemplares).

Seria uma heresia dizermos que os nossos melhores escritores são do Rio de Janeiro (naturais ou migrados) por uma razão fundamental que você se referiu em 2014, na qual dizia que o Rio sempre permitiu uma interação intensa entre membros de todas as classes sociais?

Tenho certeza de que essa proximidade, a da favela com o asfalto (devido à topografia), deu à cultura popular carioca uma grande singularidade. Na literatura, é evidente que a cidade tem uma presença importantíssima. Não há cidade mais cantada, mais retratada que o Rio de Janeiro. E a interação entre classes é um dos aspectos que sobressaem. Há ainda o fato de ter sido carioca (sem nunca ter saído da cidade, exceto uma vez) o maior escritor do mundo, em todos os tempos: Machado de Assis. Mas não podemos esquecer que o Rio foi capital (ou seja, era uma cidade que atraía escritores e artistas muito mais que outras) justamente durante o período mais fértil, mais exuberante da literatura brasileira. O caso de Minas, por exemplo, é impressionante. Se desconsiderarmos os mineiros que vieram para o Rio, a excelência literária da cidade irá cair vertiginosamente.

A era dos sambas-enredo patrocinados acabaram com a magia que essas canções tinham em outrora, afinal você é um dos grandes conhecedores deste assunto, escrevendo o livro “Samba de enredo: história e arte” em parceria com o historiador Luiz Antonio Simas?

Ainda não acabou porque há uma intensa discussão, uma grande resistência dos compositores e de outros segmentos das escolas de samba a esses patrocínios. Algumas vezes, o enredo patrocinado rendeu bons sambas, como no caso da Beija-Flor (lembro, por exemplo, Patu Anu e o enredo sobre as Missões), mas, em geral, tendem a produzir sambas e desfiles sem a menor graça. Acho que, neste exato momento, as escolas estão revendo o conceito de patrocínio, até porque a crise exige. Ninguém agora quer mais pôr dinheiro em escola de samba.

Nos seus livros, você sempre foge da mesmice além de ter um grande embasamento antropológico. Acredita que este é o seu diferencial, e que faz ser um escritor singular na literatura brasileira?

Pode ser, talvez porque faça isso, a ficção com fundamento antropológico, explorando culturas não-ocidentais, de uma forma sistemática. Mas não sou o único. Há outros grandes autores contemporâneos que me parecem muito singulares. Só não dou nomes porque posso esquecer alguém.

O seu livro de 2014 “A Primeira História do Mundo”, é considerado um dos mais originais e criativos dos últimos tempos. Depois que você acabou de escrevê-lo, teve essa mesma sensação que é compartilhada pela maioria dos críticos da sua obra?

Continuo achando que meu romance mais original é “O Movimento Pendular”. Mas ser o mais original não quer dizer que seja o melhor. Como já afirmei, a vantagem dos romances do “Compêndio Mítico do Rio de Janeiro” (o ciclo dos policiais históricos) é a de terem uma linguagem, uma formulação mais tradicional, mais acessível. No caso de “A Primeira História do Mundo”, o elemento que parece ser diferente, ou pelo menos raro, é o de ser um romance policial em que não tem detetive. Mas o julgamento do autor, nessa matéria, não deve ser levado muito em conta.

Sabemos que é um grande estudioso, sendo autodidata em árabe, suaíli e outras línguas africanas. Esta necessidade de estar sempre desbravando culturas, é a sua grande motivação para continuar sendo um dos principais ficcionistas do país?

É o que eu mais gosto de fazer: estudar línguas, História e Etnologia. E, sobretudo, conhecer as mitologias universais. Faço sem método, não como um especialista, mas apenas como diletante. É desse material que me vêm as questões, as provocações que vou tematizar na ficção.


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