Considerado um dos mais talentosos e versáteis do país na arte de interpretar, Ivo Müller ganhou destaque com o longa-metragem Tabu, do diretor português Miguel Gomes. O filme concorreu ao Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2012, ganhou o Prêmio da Crítica Internacional – FIPRESCI e ficou entre os melhores filmes do ano para a legendária revista francesa Cahiers du Cinéma. É formado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Durante os tempos de faculdade, fazia teatro amador e foi chamado para testes de elenco na RBS/TV, onde atuou em seriados e curtas-metragens. Chegou a fazer estágios como estudante de Direito, mas no início de 2003 passou a viver entre Santa Catarina e São Paulo, trabalhando cada vez mais como ator. Fez peças com o Grupo Tapa, com destaque para a premiada versão brasileira de Doze Homens e uma Sentença, e com o diretor Antunes Filho, no Centro de Pesquisa Teatral/CPT SESC. Desde 2013, é cronista do jornal Diário Catarinense. Estudou em Nova York, na escola da preparadora Susan Batson e com o ator Clark Middleton, que já atuou em filmes como “Kill Bill”, “Birdman” e “Sin City”. É também vocalista de uma banda de rock, os 3 Homens Altos. “Gosto de brincar com características dos personagens durante os ensaios, brincar mesmo, acho divertido. Faz parte da profissão ser versátil, afinal, um ator vive várias vidas, e elas têm que ser diferentes umas das outras.”
Ivo, você é formado em Direito. Como surgiu a arte de representar em sua vida?
Cresci num bairro periférico, numa área rural, com muito espaço para desenvolver minha imaginação, fiz ali meus primeiros teatros. Depois, na escola, toda vez que surgia uma oportunidade de representar, era ali que eu queria estar, naqueles teatrinhos para resumir os livros ou em filmes que serviam de trabalho de História.
Qual a importância do Grupo TAPA (Teatro Amador Produções Artísticas) em sua carreira?
Doze Homens e Uma Sentença, com direção do Eduardo Tolentino (diretor do Grupo Tapa), marcou muito meu caminho até agora. Foi uma montagem histórica, tinha o Zé Renato, um dos fundadores e diretores do Teatro de Arena, que estava de volta aos palcos como ator, aos 85 anos. Tive a chance de trocar experiências com atores com muitas horas de palco e também de fazer uma coisa cada vez mais rara nos dias de hoje: ficar em cartaz por bastante tempo, exercitar muitas vezes a mesma peça.
Críticos dizem que o filme “Tabu”, dirigido pelo diretor português Miguel Gomes, foi um marco em sua carreira. Esse sentimento também é compartilhado por você?
Passei cerca de um mês na África pra fazer Tabu. Foi uma experiência muito profunda. Pisar na África, ainda mais para trabalhar como ator, é entrar em contato com forças ancestrais tão extraordinárias que vão me marcar pra sempre. E o Miguel é um dos cineastas mais expressivos no mundo atualmente, foi um grande encontro.
Outra palavra dita sobre você é que é um ator versátil. Como consegue ter essa versatilidade comentada pelos apreciadores do seu trabalho?
Gosto de brincar com características dos personagens durante os ensaios, brincar mesmo, acho divertido. Faz parte da profissão ser versátil, afinal, um ator vive várias vidas, e elas têm que ser diferentes umas das outras.
A arte deve ter um papel social em sua visão?
Sem dúvida, assim como um médico, um artista pode curar, transformar outro ser humano. Atualmente, com quase todo tipo de arte dramática sendo compartilhada através de telas de vídeo, o teatro sai fortalecido, é uma arte que reúne pessoas no mesmo espaço. Isso vai ser ainda mais valorizado no futuro.
Você fez e faz cinema e teatro com bastante regularidade. Em qual dessas linguagens você se sente mais a vontade?
Quer saber os lugares onde me sinto feliz e realizado na vida? Num palco e num set, num set e num palco. Com o tempo fui me dando conta que essa alegria, esse sentimento de realização vem quando se está a serviço de algo maior, que nesse caso é a dramaturgia, a possibilidade de comunicação com um público.
Sendo um ator que tem experiência no exterior, poderia nos dizer no que o Brasil precisa melhorar para ter um cinema ainda mais abrangente como, por exemplo, o europeu?
Acho que o cinema brasileiro produz alguns filmes com temática universal e abrangente para circular o mundo e competir com qualquer filme europeu. Quem tem que melhorar são aqueles que acham que nosso cinema será reconhecido só quando vier um Oscar. Sou otimista em relação a uma nova geração de realizadores, independentes, gente que se arrisca. Diretores e produtores que frequentam teatro e depois tomam cerveja no boteco. Que não se prendem a roteiros e escolhas de elenco ligadas a sucessos da televisão.
O tema natureza, é discutido na peça “Cartas a um jovem poeta” de 2010, onde você interpreta o poeta tcheco Rainer Maria Rilke. Além desse tema atual, o que mais te seduziu para realizar esse elogiado trabalho?
Talvez o resgate da infância. Isso seria um motivo, digamos, inconsciente, intuitivo. Resgatar aqueles teatros que falei na primeira pergunta. Objetivamente, resolvi montar esse monólogo numa época em que estava trabalhando só em projetos dos outros. Então peguei um autor, me aprofundei nele, adaptei o texto, queria fazer algo autoral.
Poderia nos falar um pouco do locutor Wilson Nelson da peça “Caros Ouvintes”, o seu mais recente trabalho.
Em Caros Ouvintes, além dos atores da radionovela, temos um trio de profissionais que estrutura, que faz a novela acontecer: um diretor, um sonoplasta e um locutor. O Wilson é esse locutor, a voz que embala o imaginário dos ouvintes, que faz as pessoas em casa sonharem. É uma responsabilidade muito grande, não é? Ajudar as pessoas a sonhar. Ao mesmo tempo que é um vozeirão pra quem ouve, do lado de lá do microfone, é um sujeito extremamente sensível e frágil do lado de cá, e vive seu pior dia durante a peça. E num momento em que uma das personagens assume um discurso inflamado de intolerância e fanatismo religioso, Wilson é a voz da razão, que levanta questionamentos sobre esses temas, tão atuais.
Qual o principal equívoco que as pessoas cometem ao falarem sobre o seu trabalho?
Nem diria que é sobre o meu trabalho especificamente, mas sobre o trabalho dos atores em geral: a falta de profissionalismo com que o ofício é tratado. Primeiro, um ator não pode ser um cumpridor de ordens e de marcas; é cocriador, traz propostas que se encaixam na direção ou apontam um novo caminho. Segundo, um artista que não se coloca, que não luta por melhores condições de trabalho, não é respeitado, não segue adiante.
Num tempo em que as pessoas estão obcecadas pela vida e não pela o trabalho das personalidades que se destacam em seus respectivos ofícios, você tem se saído bem, afinal a sua trajetória artística sempre está muito mais evidente do que sua vida pessoal, mesmo depois do grande sucesso “Tabu”. Qual os cuidados que o artista deve ter para que não se perca no meio desse caminho?
O sucesso do Tabu foi de crítica e entre um público cinéfilo. Ou seja, foi um sucesso restrito a um determinado público. É difícil falar sobre exposição da vida privada, pois, isso nunca aconteceu comigo. Por outro lado, não fico procurando sair em determinado tipo de revista, não me sinto bem com isso. Esse excesso de exposição aliena quem se expõe e, principalmente, quem consome isso como notícia. Fazer o público sonhar é mais importante.
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