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Fernanda Romano acredita na remuneração das ideias

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Fernanda Romano não tem formação publicitária. Ela estudou administração de empresas na Fundação Getulio Vargas e seu primeiro estágio foi na Schering Plough. Fefa (como é conhecida), começou a sua vida no mundo da publicidade, na Carillo Pastore Euro RSCG, em São Paulo, e trabalhou para várias empresas de internet no Brasil. Também trabalhou em Nova York, Londres e Madri. Em 2012, voltou ao Brasil como sócia da Naked, braço da inglesa Naked Communications em nosso país. Um grupo de pessoas, como diz a filosofia da agência, “que quer mudar o mundo, nem que seja um quarteirão de cada vez”. No ano passado, Fernanda foi listada entre as 100 personalidades mais influentes da revista Advertising Age. “Sim e não. As agências não amam a internet porque o modelo do BV (Bônus por Bonificação) não se aplica da mesma forma, e custa muito mais caro pra agência fazer internet. Ainda que seja bonito fazer traquitanas digitais e sair na primeira página do veículo de trade com isso. Internet para muitas agências é quase verba de marketing. Os diretores de marketing são muitas vezes ignorantes sobre o que a internet pode fazer por eles e ainda acreditam nas bobagens que suas agências dizem. (…) Pode até ser que pareça impossível, mas acho que temos alguns bons exemplos no Brasil que mostram que conseguimos ter agências fortes que não precisam ser globais. A Africa é uma delas”, afirma a publicitária.

Existe vida no mercado publicitário se uma agência atualmente não for global?

Claro que sim. Pode até ser que pareça impossível, mas acho que temos alguns bons exemplos no Brasil que mostram que conseguimos ter agências fortes que não precisam ser globais. A Africa é uma delas. Ainda que eles tenham presença nos EUA, a verdade é que a agência é nacional e sua receita é nacional. Se tirarmos todos os clientes alinhados da Y&R ela provavelmente continua no ranking entre às dez ou vinte maiores. Não fiz a conta, mas imagino que sim.

Você se incomoda muito com a indisciplina no mercado publicitário brasileiro, citando, por exemplo, que as pessoas querem que você seja brilhante em dois dias. Acredita que esses acontecimentos na publicidade, são um reflexo de outros setores do país como a educação, só para citar o exemplo mais notório?

Certamente que a educação – a falta de – é um dos fatores determinantes da falta de disciplina em planejar negócios no Brasil. Mas acho que, mais do que a falta de educação, a pujança econômica foi o fator mais decisivo recentemente. Não precisava pensar pra vender, era só anunciar. Põe na frente das pessoas que elas compram. Estamos começando a experimentar a desaceleração. E isso vai forçar todo mundo a parar e pensar. Como investir melhor, o que dizer, onde dizer, para quem. Que preço cobrar! Esse será o segundo ano em que vamos crescer menos de 2%. Ano que vem a Copa vai mascarar os problemas econômicos, mas, passou isso, não creio nem que as Olimpíadas consigam disfarçar os problemas. E as pessoas vão ter que parar e pensar.

Você afirmou que o forte da Naked Brasil é o planejamento de um negócio. Qual a diferença crucial do planejamento de uma marca e do planejamento de um negócio?

Nosso forte é que somos teimosos, curiosos e transparentes. Não acreditamos em fórmulas. Não aceitamos nenhuma premissa que não tenha fatos e dados sustentando. E tentamos entender as pessoas, o que elas querem, o que elas nem sabem que querem. Portanto, quando alguém chega com uma marca, a gente interroga o negócio. Longe de mim querer comparar Naked e McKinsey ou Bain. É outro tipo de investigação e estudo. Mas nós temos por princípio compreender o negócio antes de sair dizendo como a marca pode se comportar. Para nós, fazer apenas a marca é uma tarefa muito limitada, muito restrita, é o que as agências de propaganda fazem. A gente tenta ficar longe desse modelo, porque pode ser que a solução para o negócio seja fazer algo que não tenha nada a ver com propaganda, e queremos poder recomendar o correto para o negócio e não para a Naked. Claro, é importante lembrar que o mercado brasileiro tem dificuldade de entender isso, portanto, muitas vezes, nos encontramos em situações onde o que se espera de nós é apenas a marca. E somos empresários, não somos loucos. Se eu tiver que fazer alguns anúncios para uma empresa para ter a oportunidade de sentar na frente do CEO e discutir o negócio, faço sem nenhuma frescura.

Todos dizem que a internet é um meio excelente de comunicação, mas os investimentos em publicidade comparada com outros meios tradicionais como a televisão deixam a desejar. Você é uma pessoa extremamente sincera e conhece bastante os meios digitais. Com esse Know-how, poderia nos dizer se os publicitários de modo geral, confiam comercialmente na internet?

Sim e não. As agências não amam a internet porque o modelo do BV (Bônus por Bonificação) não se aplica da mesma forma, e custa muito mais caro pra agência fazer internet. Ainda que seja bonito fazer traquitanas digitais e sair na primeira página do veículo de trade com isso. Internet para muitas agências é quase verba de marketing. Os diretores de marketing são muitas vezes ignorantes sobre o que a internet pode fazer por eles e ainda acreditam nas bobagens que suas agências dizem: olha só, com esse investimento em mídia, a gente consegue essa cobertura e essa frequência. Aí você pergunta sobre engajamento, pergunta sobre Big data e todo mundo te olha com cara de conteúdo. O fato é que ainda é difícil para os diretores de marketing, e muitos deles querem poder se aposentar antes de terem que aprender uma coisa nova.

Acredita que a prática do BV (Bonificação por Volume) está com prazo de validade no país?

Sim e não. A Globo é muito forte. Tem muito dinheiro. E quem tem muito dinheiro determina as regras de mercado. Por outro lado, já tivemos algumas provas – manifestações, anyone? [anyone seria algo como qualquer um pode ver isto] – de que ninguém precisa da Globo para mover milhões de pessoas. Uma hora os clientes vão acordar.

Como anda a sensibilidade das outras agências nacionais quando você diz que as mesmas devem ser remuneradas pelas suas ideias?

Todo mundo gostaria de poder fazer isso. Mas a maior parte tem dificuldade de chegar no preço, no valor – quanto vale uma ideia, eu também não sei quantificar – e nas regras de negociação.

Você também criticou duramente os clientes que às vezes tem uma mentalidade amadorística sobre o negócio publicidade no Brasil. Está vendo alguma mudança ou ainda continua a mesma coisa?

A gente tem sorte. Temos alguns clientes muito bacanas e muito cabeça aberta. Mas o problema no Brasil é cultural.

Falta humildade nos publicitários da velha escola no Brasil para agregar as novas ideias?

Não. Acho que alguns dos publicitários da velha guarda até são caretas e até acham que não precisa mexer no modelo. Mas esses são os caras que enxergam o negócio. Eles fazem conta. E se eu fosse eles, minha conta seria idêntica. Tenho 250 funcionários. Campanha, mídia tradicional, comissão e BV paga a conta. Não precisa ser bom e não precisa de nada de especial e complicado. Meu EBITDA (Lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) fica em torno de 18%. Pra que vou mexer?

Pra mim o problema não é a velha guarda. Eles são donos e executivos, são homens de negócios, pagam salários, dividendos, aluguel, etc. Pra mim a geração do meio é que é muito mais preocupante. A que não é dona e não entendeu que o mundo mudou e que se espelhar no modelo que ainda não morreu, mas está nas últimas é um erro de foco. E, numa boa, isso não é arrogância. É ignorância mesmo.

A publicidade tem o poder de inventar fenômenos sociais?

Claro que sim.

De 0 a 10, qual a qualidade das peças publicitárias apresentadas nos mais diversos veículos de comunicação do Brasil?

Honestamente? Eu não sou um bom parâmetro. Eu acompanho a publicidade brasileira pelo trade. Não assisto TV e não paro pra olhar nenhum anúncio em revistas ou jornais. Eu sei de muitas coisas boas, mas foi porque achei no trade e não no break da novela ou na contra-capa da Veja.

Uma das 100 mulheres mais influentes da propaganda no mundo está sendo ouvida como deveria em seu país?

O que você acha?

Você diz que existe muita porcaria sendo produzida por aí. Existe muita porcaria ganhando prêmios por aí?

Sim e não. Prêmio é um capítulo à parte. Dependendo do tipo de júri, a seleção é realmente qualitativa. Mas tem júri que é muito político, aí tem coisa boa que fica de fora e coisa média que ganha. Porcaria ganhando eu não acho que tem não.

Essa sua observação apaixonada e realista sobre o seu ofício, tem trazido alguns dissabores para sua carreira?

Durante alguns anos da minha vida profissional no Brasil e durante os primeiros três ou quatro anos da minha vida no exterior, eu sofria pacas com as opiniões dos outros. Eu falava o que pensava e depois me arrependia um pouco, pensava que devia ter ficado na minha. Era muito ruim estar na frente de alguém e a pessoa ser super simpática comigo e eu saber que aquela mesma pessoa descia a lenha em mim. Uma vez eu fui candidata para uma posição super importante numa agência em Nova York e eu queria muito evoluir a conversa, porque eu iria trabalhar diretamente com um cara que eu admiro muito. Fiquei sabendo que a agência ligou pro Brasil e pediu a opinião de um de seus parceiros locais e que o cara me desrecomendou. Fiquei arrasada. Acho que eu não dormi por uma semana por causa disso. Eu nunca trabalhei com essa pessoa, eu nunca nem conversei com essa pessoa. E o pior é que essa pessoa era alguém que eu admirava muito. Tempos depois, eu entendi. Essa pessoa não me conhecia. E o azar era somente dela. Foi um dos momentos em que eu decidi que minha honestidade é uma qualidade e não um defeito. Uma amiga minha, que é uns quinze anos mais velha do que eu, uma vez me disse que ninguém interessante é uma unanimidade. Eu prefiro achar que sou interessante.


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