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Fernanda Zacharewicz analisa o papel da escuta

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Fernanda Zacharewicz possui graduação em Psicologia pela Universidade São Marcos (1999) e mestrado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003). Atualmente é psicanalista, atuando principalmente nos seguintes temas: psicanálise, infância e política. É doutoranda em Psicologia Social pela PUC/SP. É membro da Internacional dos Fóruns do Campo Lacaniano (Fórum São Paulo), desde 2012 e editora da Aller Editora. A Aller oferece em seu catálogo obras que se debruçam sobre os temas cruciais da teoria e da prática clínica, desde seus fundamentos até os novos debates sobre questões da atualidade e suas repercussões sobre o sujeito contemporâneo. Para o Panorama Mercantil, a profissional fala da importância de ouvir para salvar vidas: “As pessoas estão dispostas a escutar. Podemos citar os vários serviços profissionais de escuta que ofereceram atendimento gratuito durante essa pandemia. Mas isso se dá também entre as pessoas em seu dia a dia, nas diversas interações sociais. O que há não é falta de disposição, é que, com o agravamento da precariedade das condições de vida (o isolamento, a incerteza quanto ao futuro, a instabilidade econômica), os que conseguiam escutar o seu colega, familiar, amigo, também se encontraram na urgência de serem escutados. Ao mesmo tempo, o panorama de incertezas acirrou as diferenças de posicionamento, dificultando a empatia necessária para ouvir o outro”.

Fernanda, nós como sociedade, estamos escutando sem julgar?

A escuta não é uma tarefa fácil. Supõe tempo, silêncio e uma disponibilidade muito específica. Há quem pense que escutar sem julgar significa anular-se enquanto ouve, mas estamos justamente no ponto contrário: para escutar sem julgar é preciso estar presente, nossa atenção se volta a quem fala.

Em uma sociedade cada vez mais dividida, não me refiro somente ao abismo econômico entre os cidadãos, refiro-me principalmente à radical divisão de posições. Em assuntos como os Direitos Humanos, é comum a escuta estar localizada em um dos extremos. Afirma-se que escutamos sem julgar, mas talvez só estejamos escutando sem julgar aqueles que estão do mesmo lado que o nosso nessa divisão.

Falta disposição para escutar?

Não. As pessoas estão dispostas a escutar. Podemos citar os vários serviços profissionais de escuta que ofereceram atendimento gratuito durante essa pandemia. Mas isso se dá também entre as pessoas em seu dia a dia, nas diversas interações sociais. O que há não é falta de disposição, é que, com o agravamento da precariedade das condições de vida (o isolamento, a incerteza quanto ao futuro, a instabilidade econômica), os que conseguiam escutar o seu colega, familiar, amigo, também se encontraram na urgência de serem escutados. Ao mesmo tempo, o panorama de incertezas acirrou as diferenças de posicionamento, dificultando a empatia necessária para ouvir o outro.

A aproximação de pessoas que estão em sofrimento emocional/psicológico deve obedecer a que critérios?

Considero haver somente um critério a seguir: levar a sério o que escutamos. E isso implica muita coisa. Supõe que meus próprios sofrimentos não servem de consolo para quem sofre. Não é uma disputa por quem sofre mais. Cada sofrimento é único e assim deve ser escutado.

Como não ser invasivo nessa aproximação?

As perguntas, se cabe fazê-las, devem vir somente em um momento posterior. Por isso apontei o silêncio como um dos pontos importantes na escuta. Há que deixar falar, sentar-se ao lado e estar ali. Se aquele que está em sofrimento psíquico tiver muita dificuldade para falar, é possível buscar outros assuntos em comum para a aproximação. É preciso paciência, retroceder, dar espaço para que o outro possa preenchê-lo.

Perguntar se essa pessoa já pensou na própria morte é seguro?

Não é porque perguntamos sobre isso que a pessoa irá se matar. Não se trata disso, trata-se de saber se essa pergunta é necessária ou quando ela deve ser feita. A escuta implica que sejamos capazes de ouvir e levar a sério essas afirmações.

Como o isolamento tem afetado nossa psique?

Ocupamos nosso dia de diversas formas, vamos ao trabalho ou à escola, a algumas atividades de lazer, visitar amigos ou parentes, às compras. Enfim, nosso círculo social se expande muito além das pessoas com as quais moramos. Se moramos sozinhos, isso se mostra de forma mais clara. O isolamento restringe muito essas atividades, abrindo espaço para que as escolhas essenciais que fizemos e com as quais convivemos mais intensamente ocupem um lugar central em nosso dia a dia, e a necessidade de reavaliá-las tome caráter de urgência.

Quais são as saídas para amenizar o sofrimento humano num dos momentos mais complexos de nossa história?

Insisto desde o início dessa quarentena, é necessário que coloquemos em palavra. É importante que se converse, que se mantenha e se amplie os laços sociais. Já se passaram sete meses de quarentena, alguns percebem que os encontros online são insuficientes, e pequenos grupos começam a se encontrar. Essas escolhas estão intimamente ligadas ao quanto as pessoas podem suportar do isolamento. Muitos temiam que as redes sociais ou as tecnologias acabassem com o convívio entre as pessoas, e a pandemia nos mostrou que o encontro humano é necessário, que é um dos fatores estruturais para a saúde mental.

O setembro amarelo teve uma “lupa” maior em tempos de pandemia?

Não, pelo contrário. O elevado número de mortes que a pandemia acarretou e as questões ligadas a ela levaram o debate sobre o suicídio a um segundo plano este ano. Existiram algumas iniciativas e debates em torno disso, mas a mídia concedeu menos espaço à questão. Mas isso não quer dizer que o assunto foi esquecido. Há que lembrar que o suicídio é um tema que deve ser continuamente debatido. Diferente da Covid-19, nunca haverá uma vacina para ele. Portanto, é importante que se siga debatendo, escrevendo; trataremos disso em setembro de 2021, 2022 e em todos os outros dias.

As pessoas com depressão ou ansiedade podem potencializar esses dois estados no confinamento?

Sim, fora de casa, as atividades das pessoas algumas vezes exerciam um efeito paliativo. Ou seja, a causa da depressão ou da ansiedade não era tratada, mas era empurrada para frente por momentos que preenchiam o tempo de forma que o sujeito não se visse obrigado a pensar em seus dilemas. Com o confinamento, esses momentos diminuem drasticamente, já não é possível escamotear o que estava aí e não queríamos tratar.

Quando a ansiedade excessiva pode se tornar uma doença?

O sujeito é movido pelo desejo, e isso inclui os sonhos, os planos de futuro. A ansiedade torna-se um problema à medida que paralisa o sujeito. Nesse caso, o sujeito com vistas ao futuro fica estagnado, paralisado em um eterno presente que cristaliza, imobiliza, impede qualquer ação.

Existe alguma conexão entre a Síndrome da Cabana e a depressão?

O isolamento por períodos prolongados não é sem consequências, pode trazer à tona problemas que antes, na rotina da pessoa, ficavam menos perceptíveis. Mesmo em isolamento, manter os laços sociais é uma ferramenta essencial para que os encontros presenciais e as atividades além dos muros da casa possam ser retomados.


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