Considerado um dos “herdeiros” do lendário designer Sergio Rodrigues, o talentoso Fernando Mendes foi seu principal colaborador. Quando chegou ao Rio vindo de São Paulo para estudar Desenho Industrial na Escola de Belas Artes, Fernando Mendes foi assistir a uma palestra de Sergio Rodrigues. Ficou fascinado com o que viu e ouviu. Apresentado a Sergio alguns meses depois, foi se aproximando do mestre e começou a fazer visitas discretas ao seu escritório. Logo se apaixonou pela cadeira Kilin. Percebeu, então, que sua trajetória profissional estaria ligada para sempre ao desenho e à madeira. E mais tarde, descobriu que Sergio era seu primo por parte da mãe de Sergio. A admiração o levou a aproximar-se de Sergio que o convidou a trabalhar em seu escritório. O primeiro trabalho que fez para ele foi em 1986. Era uma maquete de casa pré-fabricada. Durante exatos sete anos, de 1993 a 2000, trabalhou com Sergio, com arquitetura em madeira e mais tarde, a partir de 2002, fazendo móveis artesanais sob encomenda do escritório, na época em que Fernando era sócio da Mendes-Hirth. Depois, em seu próprio ateliê, Fernando voltou a unir-se a Sergio. O designer recebeu do mestre um prêmio: o licenciamento para a fabricação de 50 modelos do acervo de peças criadas por Sergio, muitos deles como relançamentos que marcaram época nas décadas de 1950 e 1960.
Como se deu o seu interesse pelo design de móveis?
Meu sonho original, quando adolescente, era desenhar carros, mas se hoje ainda é um campo muito restrito no Brasil imagina há mais de 30 anos. Em 1986 entrei em contato com Sergio Rodrigues pela primeira vez, quando fui ao estúdio dele em Botafogo e me deparei com a poltroninha Kilin percebi que eu queria ter desenhado aquela peça!
Muitos especialistas são unânimes em dizer, que você é o sucessor do lendário Sergio Rodrigues. Como tem encarado esta afirmação?
Fico lisonjeado quando dizem isso, mas é preciso entender essa afirmação com atenção. Estive muitos anos ao lado do Sergio, como colaborador e como amigo. Por sete anos trabalhei no próprio estúdio dele, entre 1993 e 2000. Em 2002 comecei a fazer algumas peças do Sergio para atender a pedidos do escritório, peças que não estavam em linha ou pedidos especiais com uma determinada madeira, etc. Fazia poucas unidades, mas de vários modelos, às vezes recuperávamos o projeto que não existia mais através de fotos e de anotações feitas pelo Sergio, de memória. Em dez anos fabriquei mais de 30 modelos diferentes de mobiliário do Sergio Rodrigues, foi a oportunidade de entender profundamente o raciocínio na criação e na concepção construtiva do móvel do Sérgio. Em 2011 Sergio e Vera Beatriz, sua esposa e sócia, me concederam o licenciamento de cerca de 50 modelos e continuamos recuperando projetos não concluídos ou mesmo projetos que ainda não tinham sido trazidos à luz. O próprio Sergio me disse, pouco antes de falecer, que eu cuidaria de sua obra. Acho importante entender essa sucessão como resultado de uma longa história de convivência e de afinidade.
No ano passado, você afirmou que o design estava se tornando algo complexo. Quem ou que está retirando a simplicidade do design em sua visão?
A palavra design hoje é usada para dar nome a tantas coisas e tantas atividades que realmente não sei dizer se isso é bom ou se é ruim, se valoriza ou se vulgariza o design. Há design de cabelo, há design de alimento, há design de todo tipo. De qualquer maneira penso que o designer que trabalha com profundidade e dedicação fará um bom trabalho, e quando o design é bom ele imprime qualidade no objeto. Faz tempo que o design deixou de ser somente uma relação entre forma e função, acrescentou-se ao design emoção, sonhos, enfim… um carro ou uma moto hoje, objetos que continuam atraindo muito a minha atenção, incorporaram ao seu design o tato e o cheiro dos revestimentos, o som produzido pelo motor, as sensações dinâmicas que o movimento e a velocidade da máquina podem proporcionar, cada vez mais o design precisa abraçar todos os nossos sentidos.
Sergio Rodrigues, quando entrevistado por nós em 2013, afirmou algo que você também já disse, que é a relegação do trabalho manufaturado à segunda categoria. Essa visão é apenas brasileira ou em outras partes do mundo encontramos este tipo de pensamento?
Acredito que no Brasil a distância entre o trabalho do intelecto e o trabalho manufaturado seja mais acentuada em função da grande disparidade social em que vivemos. Quando li “O Artífice”, do autor inglês Richard Sennett, que esclareceu muito bem essa questão, entendi que nós não estávamos sozinhos no preconceito, na Europa também existe essa hierarquia equivocada na compreensão do trabalho, mas creio que esse cenário está mudando para melhor. Imagina um cirurgião ou um dentista com pouco estudo ou sem habilidade manual? Os saberes são complementares e habitam o mesmo corpo, para mim é fundamental imaginar, desenhar e partir para a bancada para aplicar a transformação na madeira, na matéria, e ter a percepção completa da evolução de uma ideia.
Criar móveis inéditos requer mais talento, inteligência, paciência, ou uma soma dos três?
Intuição e paciência são essenciais tanto na criação dos móveis quanto no trabalho de marcenaria, aprendi isso com meu amigo, mestre marceneiro e também criador – Morito Ebine. Além disso é preciso aceitar o erro, se tiver medo de errar não faz, se desprezar o erro não aprende, não evolui. Lembro de ter lido uma frase do campeão de golfe Tiger Woods que me esclareceu a ideia sobre talento: “Eu tive sorte, mas só depois que comecei a treinar dez horas por dia”.
O que é preciso para criar um produto que alie forma, função e emoção para despertar interesse de quem irá usufruir da sua criação?
Imaginação em primeiro lugar, depois desenhar continuamente, é muito importante o valor expressivo do desenho a mão livre, é preciso que a gente se surpreenda com o gesto inesperado do lápis sobre o papel, que a gente se dê a chance de driblar a rigidez do raciocínio lógico. Outro elemento importante é a atenção aos detalhes.
Quando um lado artístico de uma criação de móveis, pode atrapalhar o seu lado funcional?
Quando se esquece do propósito do objeto. Ser só funcional não basta, tem que ser belo, mas um móvel belo sem conforto ou sem propósito vira escultura.
O mobiliário é o espelho de uma civilização e de uma época. Este espelho está reluzente atualmente?
O mobiliário é um dos espelhos e está reluzente, mas reflete uma parcela muito pequena da civilização.
Naquele momento em que está imerso criando algo, se sente egoísta e cliente de si mesmo, ou a sua visão é um pouco diferente em relação a isso?
Não sou muito de acreditar em imersão criativa, mas eventualmente acontece de me sentir uma criança brincando de desenhar, e para a criança a brincadeira é coisa séria, é preciso acreditar e se concentrar na brincadeira. Mas não me sinto egoísta nesse momento, me sinto solitário, em silêncio. É um momento íntimo de prazer que pode acontecer no meio de uma oficina com máquinas barulhentas ligadas ou durante uma viagem de aviação, aquela mesinha dobrável e um caderninho pode ser tudo o que preciso para ter uma ideia nova.
Quando você acredita que um design se tornou atemporal?
Com a prova do tempo, quando depois de décadas de sua criação o objeto ainda desperta interesse no consumidor e continua atendendo às suas necessidades e expectativas.
Goethe dizia que a arquitetura é a música petrificada, e para você Fernando (que também é arquiteto) o que é a arquitetura?
A arquitetura é uma comunicação subjetiva, é você informar a utilidade e como se comportar no espaço, seja grandioso ou aconchegante, rebuscado ou minimalista, pequeno, simples, luxuoso… um bom projeto de arquitetura oferece o ambiente adequado ao que se propõe no espaço.
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