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Fred Gelli discute design pelo viés da biomimética

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Fred Gelli discute design, inovação, negócios e empreendedorismo pelo viés da biomimética, área da ciência que usa a natureza como fonte de inspiração. É formado em design industrial pela PUC-RJ. Atua como diretor de criação e também é um dos sócios da agência Tátil Design de Ideias. Já conquistou mais de 50 prêmios nacionais e internacionais do setor, dentre os quais o IF Design Award, em 2004, com o portfólio Book Tátil. Em 2007, participou como jurado dos projetos inscritos na renomada premiação britânica D&AD, na categoria embalagens. Também participou como jurado do Prêmio Cannes Lions 2008 na categoria Packaging Design, Brand Identity e Environmental Design. Fred Gelli é, ainda, professor do curso de graduação em Desenho Industrial e Comunicação Visual na PUC-RJ, onde inaugurou, em 2008, a cadeira Ecoinovação. Foi ainda responsável pelo logo da Olimpíada e da Paralimpíada do Rio realizada em 2016. “Eu sempre digo que o brasileiro tem ‘borogodó’. E eu sempre começo minhas palestras internacionais com a palavra borogodó, escrita em letras grandes numa tela, e provoco os gringos a pronunciarem esta palavra. Então, tento explicar esse significado, com o Brazilian Soul, sobre essa capacidade de fazer mais com menos, que é muito contemporânea. Esse tempo de fazer muito com muito, acabou! Agora é hora de fazer mais com menos, e nós sabemos fazer isso”, afirma.

Fred, o que um design deve ter além de forma e função?

A forma e função são pré-requisitos para qualquer design eficiente responder bem sob a perspectiva da necessidade existente e, ao mesmo tempo, ter uma forma harmoniosa, ergonômica e atraente. Mas uma coisa que faz a diferença é a capacidade de engajar, de emocionar que um bom design tem que ter. Então se eu tivesse que destacar um ingrediente poderoso que está presente nos clássicos do design de todos os tempos nas melhores soluções é essa capacidade que transcende essa forma e função e que conquista um espaço no coração e na cabeça das pessoas através dessa conexão poderosíssima que é a emoção.

Em que momento acredita que encontrou esse algo a mais em seu trabalho?

Desde o início da Tátil, perseguimos esse lugar do engajamento, da conexão emocional, da capacidade de surpreender, de convidar as pessoas para uma experiência nova. E isso começou pelo próprio nome da Tátil que nasceu desse desejo de abrir um espaço novo em relação ao que se imagina no design e o que, de modo geral, enxergamos e operamos. Quando eu iria me graduar em Comunicação Visual, eu me perguntei ‘por que só visual? E os outros sentidos?’. É essa procura constante, desde o início por outros estímulos, por acionar outros sentidos, de uma certa forma fez com que nosso compromisso, desde 1989, fosse por esse lugar de surpreender, impactar, engajar e emocionar.

O que não pode faltar em uma criação idealizada por você?

Não pode faltar o que for mais necessário para que a solução seja a mais adequada possível para a necessidade. Eu acredito sempre e até usando a inspiração original da Tátil que é a natureza, onde não tem soluções boas ou ruins, mas soluções muito adequadas. Então o que não pode faltar é o senso muito refinado de adequação entre a proposta apresentada, a demanda e o briefing. É perseguir essa conexão profunda entre as necessidades, as demandas, o espaço a ser ocupado e a solução a ser proposta. Ela deve encaixar com o máximo de precisão nessa demanda. Sem sobrar nada e sem faltar nada.

A sua criação tem um caráter revolucionário em algum ponto?

Difícil falar de si próprio, né? Mas acho que a gente sempre tenta dentro desse desejo de surpreender, de fazer novas conexões, de inovar. Desde o momento zero, no uso de materiais que ninguém usava, de reciclados, quando falávamos de sustentabilidade em 1987/88 e até propor uma marca tridimensional para as Olimpíadas ou fazer uma marca que voa. Estamos sempre tentando revolucionar, e é esse o papel do designer. Tentar sempre provocar as pessoas para a importância, para a força do design como ferramenta muito ligada à inovação, que tem a capacidade de estabelecer novas conexões, de gerar valor nas vidas das pessoas. Acho que é esse o lugar que perseguimos. Se conseguimos revolucionar ou não, isso é uma outra história.

Como avalia a capacidade criativa dos brasileiros se compararmos com outras partes do mundo?

Eu sempre digo que o brasileiro tem ‘borogodó’. E eu sempre começo minhas palestras internacionais com a palavra borogodó, escrita em letras grandes numa tela, e provoco os gringos a pronunciarem esta palavra. Então, tento explicar esse significado, com o Brazilian Soul, sobre essa capacidade de fazer mais com menos, que é muito contemporânea. Esse tempo de fazer muito com muito, acabou! Agora é hora de fazer mais com menos, e nós sabemos fazer isso. Sabemos usar os recursos de uma forma otimizada. Sabemos improvisar. Claro que isso pode ser entendido como o ‘jeitinho brasileiro’, mas estou aqui destacando o aspecto positivo essa capacidade de improviso, de fazer mais com menos.

Outro detalhe é que temos muita flexibilidade, enxergamos alternativas onde as culturas mais estruturadas, digamos assim, não conseguem. Essa flexibilidade é uma força do brasileiro de modo geral, dos criativos brasileiros que tiram partido disso. Acho que todo brasileiro tem essa capacidade de enxergar novas conexões, aproximar coisas que não foram aproximadas antes, e achar soluções inusitadas e originais. Uma outra coisa que temos é a empatia, é essa capacidade de engajar e de envolver as pessoas. No processo criativo, isso é muito importante, é determinante. São três aspectos importantes que nos destacam muito de outras culturas. Acho que teríamos que formalizar isso como uma metodologia, ou seja, esse jeito do brasileiro de criar porque fazemos isso muito bem!

Qual o desafio criativo mais complicado de implementar em nossa sociedade atual?

Nossa, são tantos! Costumo brincar que nós temos um mega desafio criativo que é de reinventar toda a nossa relação com o meio físico, com o meio ambiente, o jeito como a gente produz e como a gente descarta coisas. Então efetivamente os desafios são tantos, que não dá para identificar um que seja mais complexo que o outro. Talvez o mais complexo de todos, seja o de conseguir mudar o comportamento das pessoas e garantir um nível de clareza e consciência para os líderes que vão fazer essas mudanças. Se tivesse um desafio que eu pudesse destacar seria o de engajar as lideranças, não só políticas, mas dentro das empresas, porque acredito que elas têm a função de serem protagonistas na construção do futuro. Engajar líderes de modo geral pela urgência desse desafio criativo.

Esse desafio lhe instiga?

Muito, muitíssimo! Talvez seja o que mais me instigue e o que mais me mobilize. De alguma forma estar a serviço de promover esse engajamento original e depois ir encarando esses desafios criativos e estratégicos que estejam ao meu alcance, me instigam muito. De alguma forma, tentamos na nossa história acessar espaços que possam gerar valor para as pessoas, mas isso depende muito de nossos clientes estarem mirando em tudo isso.

O que molda a visão da Tátil?

São várias as premissas que moldam a visão da Tátil.

Uma delas é a de colocar nossa capacidade criativa em busca de um futuro desejável, essa é formalmente a nossa visão. E isso significa aumentar a densidade dos projetos que tenham esse caráter.

Outra é o desejo de ocupar o nosso tempo, de disponibilizar a nossa potência, nossa capacidade criativa, nossa capacidade estratégica a serviço de briefings mais transformadores.

E uma outra que molda muito desde sempre, é essa inspiração na natureza, que sempre foi a grande mentora, a grande inspiradora para resolver qualquer tipo de problema. Dá pra dizer que desde a origem da Tátil, princípios como entender a interdependência, que tudo está conectado a tudo, entender que a solução mais econômica, de modo geral, é a solução mais plástica, ou seja, você não reduz a quantidade de material só para economizar. Reduz para deixá-lo mais limpo enquanto objeto, para tirar tudo que está sobrando e deixar só o que interessa. De uma certa forma a natureza sempre foi inspiração como lógica, pensamento sistêmico, entendimento da interrelação de todas as ideias que ocupam os ecossistemas, inspiração para pensar filosoficamente sobre o nosso futuro sustentável. Isso resume um pouco a nossa visão.

Além da Tátil, você criou as empresas Cria e Pipa. O que elas têm em comum?

É essa visão de colocar a capacidade criativa a serviço da construção de um futuro desejável e que está presente na origem das três empresas, a Cria como uma consultoria de inovação que só se conecta a projetos que tenham intenção de gerar valor compartilhado e a Pipa uma aceleradora de negócios com essa natureza, ou seja, negócios de impacto.

O que é fundamental em uma boa consultoria estratégica no seu ramo de atuação?

Primeiro, a multidisciplinaridade, ou seja, pessoas com visões diferentes. Depois, o entendimento de que não se desenha nada para ninguém. Uma consultoria não pode ter a pretensão de encontrar a solução para o problema de ninguém. As soluções são encontradas com as pessoas, com os interlocutores. A gente desenha com. A gente não desenha para.

A empatia, como um diferencial do brasileiro, me parece muito importante para uma consultoria que se disponha a entrar na intimidade das marcas, das grandes companhias e ajudá-las.

Quão é importante o observar na vida de um criativo?

Para mim, isso é fundamental! Uma pessoa que se propõe a ser inovadora tem que ter duas capacidades: uma, é a de observar, ou seja, não dá para andar pelo mundo distraído [Risos]. Tem que andar capturando as inteligências, as soluções, o brilho das coisas que estão em volta, mesmo sem saber direito para o que vai usar, desse modo a pessoa vai aumentando o seu banco de inspirações.

A segunda competência é estabelecer novas conexões. A partir das observações, você estabelece novas conexões, liga o que não foi ligando antes. E é, nesta hora, que você está inovando. Então eu costumo dizer que um dia um sujeito caminhava numa savana e observou um grupo de sapiens tentando abrir um fruto batendo nele com um pedaço de madeira. E este sujeito caminhou mais 500 metros e observou um outro grupo tentando fazer a mesma coisa, porém, usando uma pedra afiada. Se ele fosse um designer, um criativo, a partir dessas duas observações, ele iria para o segundo estágio que é de estabelecer uma nova conexão. Ele poderia sacar da sua tanga, uma tirinha de couro e amarrar essa pedra afiada na madeira e, nesta hora, ele teria inventado o martelo ou um machado. Uma ferramenta tão importante que continua até hoje presente na caixa de ferramentas da estação espacial. Estima-se que essa ferramenta tenha, mais ou menos, 70.000 anos. Para concluir, essas são as duas competências essenciais para um criativo: observar e estabelecer novas conexões.


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