Autor e diretor de teatro com carreira internacional, o carioca Gerald Thomas, teve suas peças montadas e apresentadas em vários países, e em teatros diversos como o Lincoln Center em Nova York, o Teatro Estatal de Munique, o Wiener Festwochen de Viena e em eventos como o Festival de Taormina na Itália. Com polêmicas adaptações em palcos brasileiros, dirigiu atores importantes como Fernanda Montenegro, Antonio Fagundes, Rubens Corrêa, Sérgio Britto, Tônia Carrero, Marco Nanini e Ítalo Rossi. Nos 15 países em que já se apresentou, suas produções foram, muitas vezes, transmitidas em redes nacionais de TV. Em 2012 – 2013, Thomas publicou livros como “Nada Prova Nada” (editora Record) e seu livro de desenhos e pinturas “Arranhando a Superficie” (editora Cobogó) e, finalmente voltou aos palcos brasileiros com Ney Latorraca, Edi Botelho e a atriz portuguesa Maria de Lima em “Entredentes” (de sua autoria) no SESC Anchieta em São Paulo. “Criei muitas raízes. Criar teatro, escrever peças, apresentar-se a públicos diversos é uma imensa fonte de criar raízes. Sou todas essas nacionalidades (americana + brasileira + alemã + inglesa e moro na Suíça), mas isso só significa que me ligo muito a esses lugares e sou bastante crítico em relação a xenofobia, aos preconceitos (todos eles, em função da falta de informação e de medo do que o “outro” pode representar)”, afirma o autor.
Gerald, você é um homem de uma cultura e de um refinamento intelectual que salta aos olhos, sendo chamado muitas vezes de gênio. E você, como se vê?
É mesmo? Gênio é Marcel Duchamp [pintor, escultor e poeta francês, cidadão dos Estados Unidos a partir de 1955, e inventor dos ready made, 1887 – 1968], Pablo Picasso [pintor, escultor, ceramista, cenógrafo, poeta e dramaturgo espanhol que passou a maior parte da sua vida adulta na França. Considerado um dos maiores e mais influentes artistas do século XX. É conhecido por ser o co-fundador do cubismo, 1881 – 1973], Franz Kafka [escritor, autor de romances e contos nascido na República Tcheca, considerado pelos críticos como um dos escritores mais influentes do século XX, 1883 – 1924], Samuel Beckett [dramaturgo e escritor irlandês, 1906 – 1989] ou James Joyce [romancista, contista e poeta irlandês expatriado. É amplamente considerado um dos autores de maior relevância do século XX, 1882 – 1941]. Não acredito muito nessa coisa de “gênio” não. Melhor: vou comprar uma garrafinha e morar lá dentro [risos].
Você nasceu nos EUA e veio para o Brasil com 7 anos de idade, por isso sempre diz que não criou raízes e sim um teatro. Acredita que essa não criação de raízes, foi fundamental para que você tivesse uma visão de mundo mais aberta e franca, o que é visto muitas por aqui como polêmica?
Criei muitas raízes. Criar teatro, escrever peças, apresentar-se a públicos diversos é uma imensa fonte de criar raízes. Sou todas essas nacionalidades (americana + brasileira + alemã + inglesa e moro na Suíça), mas isso só significa que me ligo muito a esses lugares e sou bastante crítico em relação a xenofobia, aos preconceitos (todos eles, em função da falta de informação e de medo do que o “outro” pode representar). Essa coisa de polêmica é uma besteira. Morreu em 2011, pronto! Já está enterrada.
Quais ingredientes foram fundamentais para transformar o mundo, que parecia se abrir em ideias nas décadas passadas, na caretice do Twitter como você próprio definiu?
Essa é uma pergunta muito complexa. Estou escrevendo sobre isso na minha autobiografia. Mas não é algo que eu possa ou consiga definir em um parágrafo.
Sabemos que é um ativista extremamente engajado no Partido Democrata americano. Quando surgiu essa paixão?
Sempre fui do Partido Democrata, mas com o surgimento de Barack Obama [advogado e político dos Estados Unidos, o 44.º e atual presidente do país, sendo o primeiro afro-americano a ocupar o cargo, 1961 -], fiquei fanaticamente envolvido com as campanhas, me engajei 10000 % e fiz de tudo, desde escrever discursos até doar dinheiro ou bater em portas de casais republicanos em estados do interior.
Acredita que as pessoas tanto nos EUA como em outras partes do mundo, já tiveram a real noção do que significou a eleição de Barack Obama em 2008, ou às análises que você lê e ouve, são sempre superficiais, já que participou ativamente da campanha e pode avaliar isso com clareza?
Claro que elas têm noção. Tanto é que a administração mais controversial desde John Kennedy [político estadunidense que serviu como 35° presidente dos Estados Unidos (1961–1963) e é considerado uma das grandes personalidades do século XX, 1917 – 1963] é a de Obama. Isso quer dizer que está fazendo a coisa certa. Mas, mais uma vez, essa não é uma resposta que possa ser definida em um parágrafo e sim em dias e semanas de conversas.
Já vimos você ficar irritado quando alguém lhe pergunta sobre o que acha do teatro brasileiro. Por que você acredita que o brasileiro muitas vezes têm a dificuldade de enxergar as coisas de uma forma global, como o teatro que é uma linguagem universal, por exemplo?
Porque – apesar do tamanho continental do Brasil – trata-se de uma pequena colônia que se considera autossuficiente assistindo essas novelinhas das 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23h e assim por diante. O país que criou o Tropicalismo e a Semana Modernista, o país que teve Hélio Oiticica [pintor, escultor, artista plástico e performático de aspirações anarquistas, 1937 – 1980], Haroldo e Augusto de Campos [respectivamente o famoso poeta e tradutor paulistano, 1929 – 2003 e seu irmão poeta, tradutor e ensaísta 1931 -], deu mil passos para trás e hoje regurgita o BBB! Imagina!
Antigamente vocês viviam da bilheteria do teatro, agora vivem do patrocinador. Qual a influência do patrocinador em uma produção artística, já que teve uma história sua quando trabalhava com o compositor Philip Glass, de um financiador que impediu que você dirigisse uma peça…
Como? Um financiador impediu? Impediu o quê? Onde? Quando? Qual espetáculo? Sempre houve o patrocinador. Sempre: chame-se de Ministério da Cultura ou mecenas particular. E, claro, ficávamos em cartaz por 7 meses (e não 2) de terça a domingo (ao invés de sexta a domingo). Nosso público diminuiu porque o teatro está ruim. Quando o produto é bom, excitante, relevante, sempre tem gente para assisti-lo.
Você já participou (de certa forma) da grande mídia nacional. O que ela tem de pior e de melhor?
Grande mídia nacional? O que significa isso? Nunca fiz televisão. Dou entrevistas a TV, mas nunca dirigi nada lá e tenho um certo nojo dessa mídia, se é a isso que você se refere.
Na sua peça “Entredentes”, críticos dizem que você convida o Brasil a pensar sobre questões histórico-sociais que não conseguimos ainda resolver. Talvez se o Brasil tivesse um histórico de lutas, as coisas não poderiam ser diferentes, ao invés da aceitação de tudo como uma “vaca indo para o abatedouro?”.
Não é somente em Entredentes. Não é diferente com nenhuma outra peça minha. Pegue “Um Circo de Rins e Fígados” que fiz pro Marco Nanini [ator, diretor de teatro, humorista, dramaturgo e produtor teatral pernambucano 1948 -] ou “Terra em Trânsito” que fiz pra Fabi [no caso a atriz paulistana Fabiana Gugliemetti] ou “Brasas no Congelador”, pro Serginho Groisman [jornalista, ator e apresentador de televisão, 1950 -] todas batem nessa mesma tecla. É um convite aberto pra que os brasileiros saiam (mesmo que somente por alguns instantes) dessa “bolha” global e participem do mundo mais ativamente. Realmente eu torço pra que o Brasil dê certo, mas a corrupção não deixa. Está no DNA do país, infelizmente!
No Teatro do Absurdo, onde um dos pilares é o gigante irlandês Samuel Beckett – que você conheceu, tendo realizado trabalhos do autor com maestria – diz que a situação humana é essencialmente absurda e sem propósito. A luta do ser humano nesses tempos onde temos extremistas que entram em uma redação para chacinar criadores, se tornou inglória?
Beckett, nada tem a ver com o Teatro do Absurdo! Isso também já gerou enormes discussões entre Martin Esslin [produtor, argumentista, jornalista, adaptador, tradutor, crítico, acadêmico e erudito e professor de arte dramática húngaro, mais conhecido por ter cunhado o termo “Teatro do Absurdo” no seu trabalho homônimo, de 1962, 1918 – 2002] e esse que te fala.
O teatro é o interesse pelo ser humano. É por esse interesse que você ainda continua motivado depois de tantos anos atuando no seu ofício?
Claro! É por isso, justamente!
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