Gilson Schwartz possui graduação em Economia e em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1980, 1981), mestrado e doutorado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (1985 e 1993), atividades de pós-doutorado como Professor Visitante do “Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais” (NUPRI-USP, 1997-1999) e no Instituto de Estudos Avançados da USP (1999-2005). Desde 2005 é professor do Departamento de Cinema, Rádio e TV da Escola de Comunicações e Artes da USP, onde criou e é responsável pelas disciplinas “Economia da Informação e Novas Mídias” (pós-graduação), “Introdução à Iconomia” e “Economia do Audiovisual Internacional” (ambas, na graduação para alunos de engenharia, economia, administração, contabilidade, ciência da computação, comunicações e artes da USP). Colaborou entre 1983 e 2006 como articulista, editorialista e analista econômico do jornal “Folha de S. Paulo” e em 2007 participou da criação e foi colaborador da Editora Globo na revista “Época Negócios”, onde lançou a coluna “Iconomia”. Criou em 1999, após seleção em concurso público no Instituto de Estudos Avançados da USP, o grupo de pesquisa “Cidade do Conhecimento” (www.cidade.usp.br). Foi “fellow” do “Institute of Developing Economies” no Ministério de Indústria e Comércio Internacional do Japão e do “Network Culture Project”.
Gilson, você afirmou em uma certa oportunidade, que os economistas brasileiros vivem uma espécie de Fla-Flu permanente. Quando isso começou e quando isso se acentuou?
Embora o debate ideológico seja a marca registrada das assim chamadas “ciências humanas”, no caso específico dos economistas brasileiros há um período marcante, de profundas transformações industriais, que praticamente inaugura o Fla-Flu: é o processo de industrialização que, a partir sobretudo dos anos 30, ou seja, com a ditadura Vargas, vai opor liberais e grandes proprietários de terra, de um lado, e intervencionistas mais ligados aos processos de urbanização e formação da classe operária, de outro. Ao longo de 90 anos, a economia brasileira tornou-se muito mais complexa, mas esse antagonismo ainda marca boa parte dos debates sobre política econômica e modelos de desenvolvimento social, político e empresarial.
Quais os perigos desde Fla-Flu ininterrupto?
O perigo é perder o bonde da história, ou seja, deixar de perceber esse processo de transformação em que as relações sociais, econômicas e políticas tornam-se mais complexas, menos maniqueístas e também mais voláteis. Desse modo, tanto um lado quanto o outro do debate tornam-se anacrônicos e precisam insultar-se mutuamente para que todos continuem acreditando que pensadores defuntos ainda são relevantes.
Estamos longe de uma convergência entre estruturalistas e conjunturalistas?
Do ponto de vista teórico, não. Em termos conceituais, a pesquisa acadêmica e os programas mais científicos tornaram-se muito mais interessantes, diversificados e heterogêneos, a ponto da própria noção de uma “ciência econômica” perder sentido (estou entre os que defendem uma radical mudança de paradigma, com o surgimento da “iconomia”). Na prática, os interesses mais consolidados seja em partidos, seja na burocracia estatal, seja nas associações empresariais e sindicatos acabam travando a evolução do debate e tornam perene esses antagonismos que, em boa medida, podem mesmo ser caricaturados como estruturalistas e conjunturalistas.
Como enxerga o momento econômico atual do nosso país?
Gravíssimo, porque as sucessivas trapalhadas econômicas produziram desarticulação institucional, inconsistências ou simplesmente irracionalidade na regulação, formas de desemprego que é impossível debelar com ideias antigas. A crise no entanto é global, sabemos que o colapso de 2008 foi muito pior que a crise de 1929.
Qual o peso da reforma da Previdência nesse cenário?
A reforma saiu pior que o desejado pelos mais liberais e melhor que o esperado pelos setores mais reativos a mudanças corporativas. Como sempre, no Brasil, ficamos no meio do caminho, mais que reforma foi um “jeitinho” a mais que não serviu nem para recuperar a credibilidade de longo prazo na economia, nem para animar os investidores no curto prazo. Boa parte desse semi-fracasso (para alguns, um semi-sucesso) deveu-se, como se sabe, à incompetência política generalizada que tomou conta da sociedade.
Ainda falando sobre reformas (principalmente da Previdência), qual a sua visão sobre esse tema em especial?
Penso que é fundamental discutir o modelo de desenvolvimento e colocar as reformas nesse contexto econômico, não apenas num esquadro contábil ou atuarial. Sem resolver nossos limites ao crescimento, à geração de renda e emprego, as reformas servem apenas para o bate-boca ideológico e o resultado é um sistema com níveis mais baixos de confiança, deprimindo ainda mais o próprio crescimento e reforçando o esgotamento do modelo de desenvolvimento que já está em crise.
O que pode afetar a nossa já combalida economia e que é oriunda de questões externas?
Novamente, a China é a pedra angular do sistema econômico mundial, afetando nesse momento de modo alarmante as expectativas seja pela crise epidemiológica gerada pelo coronavírus, seja pela incerteza ainda muito elevada com relação ao conflito comercial e tecnológico com os Estados Unidos.
No livro “Capitalismo Parasitário”, o polonês Zygmunt Bauman afirma que as facilidades de crédito alimentam esse estado parasitário em muitos casos. O crédito abundante é um mal das nossas sociedades?
O crédito é uma dimensão da economia monetária, portanto, a questão não é propriamente de excesso de crédito, mas de inadequada regulação monetária em escala global. Enquanto o sistema internacional estiver à mercê de moedas nacionais (como o dólar) para realizar o ajuste de contas, e gestão dos desequilíbrios, haverá uma instabilidade do ponto de vista da legitimidade, da governança e da sustentabilidade de qualquer fluxo de crédito e emissão monetária em países que estejam sob o domínio da moeda nacional hegemônica. Há quem acredite que apenas a dolarização final e total seria a solução, mas obviamente isso depende de uma dominação totalitária por parte dos Estados Unidos. Parece que, apesar dos desejos do governo Trump, ainda estamos muito longe disso, felizmente.
Voltando para o terreno doméstico, que ferramentas são necessárias para a superação da crise atual?
Há uma abordagem na equipe econômica excessivamente voltada para o lado da oferta. No entanto, parece evidente que hoje a defesa de estímulos à demanda e à inovação tecnológica são requisitos aceitos praticamente por todas as correntes ideológicas entre os economistas. Isso vale fora do Brasil também. É preciso repensar o radicalismo ultraliberal como saída para a crise de crescimento, como os últimos anos demonstraram tanto no Brasil quanto em outros países.
Vê algum indício de preparo desse Governo para que essa superação aconteça de fato?
Do ponto de vista político, na área econômica, ocorreu algo surpreendente e que parece estar apenas no início – uma espécie de terceirização da política econômica, na prática, para o Congresso Nacional. O ministro da Economia concentrou poderes como nunca antes na história desse país… mas, na prática, é refém de negociações parlamentares. É cedo para dizer até onde essa solução de compromisso vai gerar efeitos positivos, produtivos e sustentáveis. O fato é que o dono do “Posto Ipiranga” não controla as bombas de gasolina, o abastecimento de ideias e propostas está na mão dos “frentistas” no Congresso Nacional.
Você também é um pesquisador das indústrias que “giram a roda” da economia nacional. Quais delas estão em grande ascensão neste momento?
O agronegócio e a biomassa tornaram-se eixos fundamentais de desenvolvimento, enquanto a indústria manufatureira tem perdido força e o setor de serviços reflete a baixa qualificação do trabalhador brasileiro. É preciso rever essas tendências para promover um novo modelo de crescimento mais justo, sustentável e aberto à inovação tecnológica.
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