Gustavo Bittencourt se formou em Desenho Industrial pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, sua cidade natal. O desenvolvimento de móveis foi o foco de Bittencourt, que teve durante a faculdade seus primeiros móveis premiados em importantes concursos nacionais. A busca por novos conhecimentos, o aperfeiçoamento, e sua curiosidade o levaram a trabalhar com grandes ícones do cenário nacional como Zanini de Zanine, Marcelo Rosenbaum e Rodrigo Calixto, além da formação na Itália, no Politecnico di Torino e nos EUA, onde em 2011 trabalhou na Thomas Heyes Gallery em Los Angeles. Com vivências variadas e premiações no currículo, aos 27 anos Gustavo Bittencourt abriu seu próprio estúdio, em Petrópolis, em 2013. Ele se descreve como um designer com visão bastante industrial: “Quando projeto penso muito na execução, na fabricação, transporte, uso, desuso, manutenção. Em uma maneira de sempre facilitar a fabricação e toda esta logística de transporte”. Ou seja, o designer busca a simplicidade no processo todo e a interação com o consumidor – muitos de seus móveis são de encaixe. “Acredito que estamos vivendo uma boa fase no design, designers mais coerentes, buscando uma identidade, uma forma de criar, produzir e vender os seus próprios trabalhos. (…) Tenho certeza que irei morrer aprendendo e buscando cada vez melhorar”, afirma o designer de móveis.
Gustavo, como o design entrou em sua vida?
Desde pequeno, ainda criança, convivi muito com a arquitetura, pois minha mãe é arquiteta, construção, interiores, móveis de design, Le Corbusier, Bertoia, Saarinen, Sergio Rodrigues, Janete Costa, Ricardo Fasanello, entre outros. Sempre gostei muito de desenhar também, criar, e com os anos se passando acabei me apaixonando, minha mãe foi me incentivando, comprando livros, me levando a museus… Deu no que deu, (Risos).
Qual a importância da UFRJ em sua formação?
Entrei em 2004 para a Universidade Federal do Rio de Janeiro para estudar Desenho Industrial já muito decidido sobre o que iria fazer, pois desde muito cedo como disse, já conhecia a profissão, já havia lido livros e pesquisado bastante. E com o passar dos anos durante a faculdade fui conhecendo pessoas da área, pedindo estágios, me inscrevendo em concursos de design. Sou muito grato a UFRJ, pois apesar de todas as dificuldades e falta de estrutura… as pessoas que geralmente estudam lá são muito esforçadas. Você não pode contar com a ajuda de ninguém, você tem que correr atrás, se virar. E isso dentro desta profissão é fundamental. Você tem que dar a cara a tapa, correr atrás, mostrar seu trabalho. O famoso, vai e faz!
Como foi a sua experiência no Politecnico Di Torino?
Sempre fui apaixonado pelo design italiano, principalmente das décadas de 50 a 80. E vivenciar a filosofia, as técnicas, o modo de pensar, criar, desenvolver um projeto, apresentação… foram muito importantes para o meu desenvolvimento como designer. Além da experiência de vida, conhecer culturas novas, pessoas, formas de pensar diferente. Tudo é muito bom, faz você abrir um pouco a cabeça, sair da caixinha.
Você também trabalhou com grandes designers como Marcelo Rosenbaum e Zanini de Zanine. O que acredita que absorveu de cada um deles?
Acabei trabalhando em diversos lugares que são referências para mim e me ajudaram muito a crescer e amadurecer como profissional, como na oficina Ethos com o Rodrigo Calixto, onde aprendi a valorizar e amar a madeira. Fui em um curto período para São Paulo trabalhar no escritório do Marcelo Rosenbaum, onde aprendi muito sobre liderança, como manter uma equipe focada, acreditando no projeto, como motivar as pessoas, e fazer com que elas participem e dividam aquele sonho com você. Fiquei um bom tempo trabalhando com o Zanini de Zanine, onde pude aprender sobre o entusiasmo de criar. Sempre desenhando, propondo formas novas, uso de materiais, uma inquietação para sempre estar desenvolvendo desenhos novos. Entre outros escritórios de arquitetura e design.
Em que momento você encontrou o seu modo único de criar?
Não acredito em um modo único, pelo contrário, tento motivar as diferentes inspirações. Na verdade, tento aproveitar a inspiração de onde vier, tento não me limitar. Busco muitas referências na arquitetura, nas artes plásticas, na evolução, nos processos industriais, artesanais, nas histórias, em culturas, na natureza. Acredito que todos nós temos um olhar, um ponto de vista sobre o que olhamos, somos todos diferentes. E meus móveis são exatamente a minha interpretação sobre as formas, as misturas, como consigo me expressar, como transformo minhas referências, meus pontos de vista no que acredito.
Gosto bastante de desenvolver meus móveis com um diferencial. Gosto de criar uma relação com as pessoas, desenvolver uma interação, pois penso em móveis atemporais, que durem para uma vida inteira. Portanto, estes móveis acabam se tornado não apenas móveis, mas um bem imaterial, insubstituível, que acaba fazendo parte da família, de sua história. Acredito que quando colocamos a mão, como artesãos, passamos nossos sentimentos para o móvel, o que traz alma e o torna único.
Com quais matérias-primas você mais gosta de trabalhar?
De fato tenho uma queda pela madeira, por tudo que ela representa na nossa cultura do mobiliário, por termos inúmeras possibilidades, técnicas, pelo seu calor, pelo toque, pela grande diversidade de tons, toques, odores, por ser um material renovável. Porém, também gosto bastante de utilizar outros materiais, e principalmente misturá-los com a madeira, pois cada material têm características diversas e sabendo aproveitá-las temos resultados incríveis, como o metal que oferece uma plasticidade e resistência incríveis…
Gostaria que falasse um pouco sobre a criação da estante Equilíbrio.
A estante Equilíbrio é um projeto de 2010, onde tenho muita afeição. Era recém-formado, me formei em 2009, e gostava muito de criar móveis funcionais, com uma fabricação fácil, e que fossem modulares, multifuncionais. Que criassem uma interação com as pessoas. E o foco foi exatamente este, pois são pranchas de madeiras soltas, com alguns rasgos horizontais e verticais. Onde você consegue encaixar as divisões feitas em um “L” de alumínio, de diversas formas, com diversas alturas. Portanto, você oferece diversas modulações, portanto, cada pessoa, independente de ser o mesmo móvel, vai ter a sua estante, montada por ela mesmo, personalizada e diferente uma da outra.
Alguma ideia de um trabalho anterior já foi reaproveitada em novo trabalho?
Sim, as ideias, os conceitos, as soluções, ficam sempre na cabeça, e às vezes uma forma que já utilizamos em outro móvel, um encaixe, um processo, acaba servindo de inspiração para um projeto novo, muitas vezes com outra função, outra forma.
Existem várias formas de desenvolvimento de um produto, não me prendo a uma metodologia única. Desde a criação ao produto final, às vezes, as etapas se invertem. Posso ter um briefing específico ou posso ter uma liberdade de criação, às vezes uma forma, ou o processo, vão incitar na funcionalidade e no que o produto vai se tornar. Ou seja, em certos momentos eu crio uma forma, emprego um material, desenvolvo a ergonomia, adequando ao conceito, ao móvel. E às vezes é exatamente o contrário, pois pode ser a forma, ou as possibilidades do material, um processo de produção que vão dizer e guiar o que aquele desenho vai se tornar.
Que outras áreas influenciam no seu dia a dia como profissional?
Busco muitas referências na arquitetura, nas artes plásticas, na evolução, nos processos industriais, artesanais, nas histórias, em culturas, na natureza… Acredito que todos nós temos um olhar, um ponto de vista sobre o que olhamos, somos todos diferentes. E meus móveis são exatamente a minha interpretação sobre as formas, as misturas, como consigo me expressar, como transformo minhas referências, meus pontos de vista no que acredito.
Quais são os acertos e erros que as pessoas cometem ao analisar o seu trabalho?
Difícil falar sobre isso. Acredito que a interpretação é livre, como disse anteriormente, cada um tem um olhar, uma filosofia, uma interpretação, uma crença. E temos que respeitar todas. Críticas boas (ou ruins) sempre serão bem-vindas.
O mobiliário é um dos espelhos de uma civilização e de uma época. Este espelho está reluzente atualmente em sua visão?
Acredito que estamos vivendo uma boa fase no design, designers mais coerentes, buscando uma identidade, uma forma de criar, produzir e vender os seus próprios trabalhos. Cada um buscando o seu caminho. Vejo isso com ótimos olhos, pois assim como o Brasil é imenso, de diversas e ricas culturas, seguindo esse caminho, temos uma abundância de criadores, com usos de técnicas, formas e materiais diferentes.
Sou muito novo, não vivi muito ainda. Sei que nossa cultura em design autoral é ainda muito nova. Apesar de termos grandes pioneiros, modernistas, inclusive grandes influências para mim… mas as referências de fora, principalmente italianas, sempre moveram muito o nosso mercado. Acredito que começamos a abrir os olhos, inclusive para os modernistas. Isso faz uns 20 anos, não mais do que isso. Mas como disse, acredito que estamos mudando cada vez mais essa imagem e mostrado que temos excelentes designers.
Me esforço muito para aprender sobre o design, pois realmente amo o que faço. Tenho certeza que irei morrer aprendendo e buscando cada vez melhorar, cada vez ser mais verdadeiro com minhas crenças, no que de fato acredito e espero que meus móveis transpareçam cada vez mais esta verdade. Portanto, poder fazer parte deste momento do nosso design é incrível. Sou muito grato!
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