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Importante é ter cota em tudo para Goya Lopes

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Formada em Belas Artes pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), com especialização na Universidade Internacional de Artes de Florença, onde também estudou litografia, Goya Lopes, criou em 1986, a marca Didara (“bom”, em iorubá). Seu objetivo era usar a estamparia como técnica para contar a história das relações entre o Brasil (especialmente a Bahia) e a África. Recebeu o prêmio Museu da Casa Brasileira em 1993. Críticos dizem que os desenhos de Goya, são como cenas de caçada ou representações de grandes animais que parecem pinçadas de alguma caverna antiga, ou figuras abstratas, que são feitas depois de muita pesquisa. Quando surge a ideia, ela se debruça sobre o trabalho, levantando dados e consultando sociólogos. Quer conteúdo para sua temática afro-brasileira. Encantar, interagir e chamar a atenção. É assim que a designer baiana costuma pensar quando está desenvolvendo suas inventivas pinturas sobre o tecido. “O desafio de ser artista, designer e empresária, o propósito de criar uma marca com identidade cultural vinculada a referenciais afro-brasileiros, me fez desenvolver peças com personalidade própria, sensação do feito a mão, o reflexo da nossa alegria de viver, que resultou numa marca contadora de histórias da cultura afro-brasileira e da diversidade brasileira. (…) Em 2007 o ministro da Cultura Gilberto Gil, afirmou que a moda é reconhecida pelo Ministério da Cultura.”

Goya, antes de começarmos a entrevista, gostaria de saber qual a memória mais viva que a senhora tem da sua infância em Salvador e que moldou de certo modo, a empresária, a ativista e a artista que se tornou.

Tive uma infância muito motivadora, morávamos em Salvador e as férias eram em Itaparica. Em 1960 meu pai era engenheiro e trabalhava na Petrobras, foi se especializar em Paris na École Nationale Supérieure de Pétrole e levou a família. Ficamos durante um ano em Paris. Fiz o primeiro ano escolar, e um dia minha professora francesa chamou meus pais e disse que eu tinha um desenho diferente das outras crianças e que eles deveriam me estimular. Meu pai ficou contente e logo comprou uma coleção do Louvre (guardo até hoje essa coleção). Eu tinha 7 anos e isso me marcou para o resto da minha vida, foi um norte para a minha profissão.

Como se deu o interesse pelo design e pelas artes plásticas?

Como já tinha um norte não faltaram oportunidades de ser motivada e aos 11 anos meu pai contratou a professora Marisa Gusmão. Ela me dava aula nos intervalos das aulas que ela ministrava na Escola de Belas Artes, foi algo fortalecedor para a minha formação como artista. Ela mandava eu fazer desenhos de observação de referenciais da cultura popular: cerâmica de Maragogipinho, ex-votos e o universo da cultura baiana. Em 1972 fiz vestibular para Artes Plásticas e depois para História, queria estudar a cultura africana. Após a formatura em Artes plásticas, concorri a uma bolsa de estudos para a Itália e orientada pelo professor de estética Romano Galeffi em 1977, fui fazer a profissão do futuro: o Design. Fiquei 3 anos na Itália em Florença e estudei na Universitá Internazionale dell’Arte di Firenze. Tendo 3 professores norteadores, um pai estimulador e uma vontade muito grande de criar. O meu interesse pelas Artes Plásticas e pelo Design foi crescente e a cada dia eu tinha a certeza de que era a minha verdadeira natureza.

Antes a moda não era reconhecida como cultura, hoje é. O que muda em um negócio como o seu, quando a moda é reconhecida como cultura?

Em 2007 o ministro da Cultura Gilberto Gil, afirmou que a moda é reconhecida pelo Ministério da Cultura como parte vital da cultura brasileira. Fui convidada em 2009 para fazer parte do grupo de trabalho que iria discutir a criação do Colegiado Setorial de Moda no MinC. Em 2010 tivemos a pré-conferência e o 1º Seminário Nacional de Moda e Cultura onde aconteceu a eleição dos membros para o Colegiado. Fui uma das eleitas para titular do elo criativo. Também fui eleita para o 2º mandato e no ano passado entregamos aos novos membros do Colegiado Setorial de Moda, o Plano Setorial de Moda com as metas e ações para os próximos 10 anos. É claro que participar de toda essa construção me enriqueceu como indivíduo, criadora, cidadã e empresária. Fiz parte do GT (Grupo de Trabalho) que criou e elaborou a ANAMAB (Associação Nacional da Moda Afro-Brasileira).

O seu início de trabalho foi em um projeto de design direcionado aos turistas. Como a sua visão foi se expandido para alcançar outros públicos?

Os turistas foram o público alvo inicial por que necessitava construir um padrão e um estilo enquanto na moda teria a exigência de acompanhar tendências. O Centro Antigo de Salvador foi o meu grande laboratório e aos poucos ganhei novos públicos: os afrodescendentes, os formadores de opinião e depois os consumidores finais. A estratégia foi criar uma vertente da moda e decoração Afro-Brasileira com a finalidade de atender às demandas do mercado.

Muitos dizem que suas criações são verdadeiras obras de arte. Em cima disso, gostaria de saber se senhora acredita que arte deve ter um papel social.

O desafio de ser artista, designer e empresária, o propósito de criar uma marca com identidade cultural vinculada a referenciais afro-brasileiros, me fez desenvolver peças com personalidade própria, sensação do feito a mão, o reflexo da nossa alegria de viver, que resultou numa marca contadora de histórias da cultura afro-brasileira e da diversidade brasileira. Com um olhar artístico e uma consciência da importância da matriz africana na construção da cultura brasileira. A arte tem um papel fundamental e essencial, ela dá forma, cor, corpo, voz e coragem para a construção social e política da humanidade.

Em uma entrevista, a senhora afirmou que a moda afro-brasileira ainda está longe de ser aceita dentro de um processo, porque ela exigia uma promoção e uma resposta positiva da mídia. E hoje, ainda continua assim?

É necessário um tripé: a produção, promoção/distribuição e resposta positiva da mídia. A falta de recursos da maioria das marcas que trabalham com a moda afro-brasileira, dificulta o alcance ao acirrado mercado. Os eventos onde somos convidados são sempre pontuais. Acredito que o amadurecimento da economia criativa no mundo e no Brasil, apresenta um potencial para a transformação da talentosa e criativa moda afro-brasileira em resultados. É claro que essas marcas deverão trabalhar o auto conhecimento e o conhecimento de mercado.

Acredita que o Estado deve investir de uma forma diferenciada no segmento negro?

O Estado está fazendo, mais tudo ainda é pouco, porque foram séculos de falta de investimentos e oportunidades.

A senhora venceu e se tornou bem-sucedida no seu setor, muito pela sua capacidade e individualidade. Como enxerga o sistema de cotas raciais principalmente nas universidades?

O importante é ter cota em tudo, não só nas universidades. Na última eleição do Colegiado Setorial de Moda, tivemos cota de 30% para mulheres e 20% para negros. Conseguimos ocupar os espaços. É importante a mobilização dos afrodescendentes em buscar ocupar todos os espaços.

Sabemos que além de empresária, você é uma ativista da causa afro. Como é estar nessas duas frentes?

Ser empresária foi sempre a minha bandeira, nunca participei de nenhum grupo. Faço o meu movimento, mantenho em voga o meu trabalho, mostro que somos capazes de ocupar espaços no mercado e na cultura. Acredito que só com o associativismo, cooperação, integração e atuação em redes empresariais e negociais, poderemos alavancar e enfrentar as principais dificuldades e buscar um melhor posicionamento no mercado.

Gostaria que falasse um pouco de como é o processo de pesquisa para cada novo trabalho que realiza.

O meu processo é: a percepção/intuição, observação, referência/pesquisa, composição, adequação e rapport [palavra francesa que significa relação]. Em 1993 recebi de uma arquiteta do Piauí, desenhos da Serra da Capivara. Ela em visita a Salvador achou que os meus desenhos tinham um traço dos desenhos rupestres. Ao mesmo tempo, uma amiga em Florença me manda uma revista de uma exposição das figuras rupestres de Tassili [O sítio arqueológico de Tassili n’Ajjer, no sudeste da Argélia] na África. Logo depois encontrei nos livros que uma outra amiga tinha me deixado ao viajar, outras figuras rupestres africanas. Eu não tive dúvida, intuí que ali iniciava uma coleção as “Figuras Rupestres Afro-Brasileiras”. Essa coleção foi um grande marco, ganhei o Prêmio do Museu da Casa Brasileira, e iniciei trabalhos para o Itamaraty que anos depois colocou os meus panôs no salão onde o presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu as Missões Especiais Estrangeiras na sua posse. Fui convidada pela Dra. Niéde Guidon com intuito de fazer pesquisa na Serra da Capivara para uma coleção de camisetas para a Fundação Museu do Homem Americano. Voltando ao processo criativo, nessa coleção eu já estava com as referências/pesquisa nas mãos, só restava a composição, adequação e rapport. A cada coleção uma história para contar da nossa luta, do nosso cotidiano e cor local, o afro-brasileiro e a diversidade brasileira.

Sua grife Didara foi criada em 1986 e hoje é extremamente reconhecida, principalmente em Roma e Nova York. Duas perguntas: O que acredita ter sido o diferencial para ter chegado aos mercados maduros como são os EUA e a Itália? Onde espera ver a Didara nos próximos anos?

Fiz algumas exportações para Roma e Nova York o que me proporcionou alguns resultados como desfiles e exposições. No momento, novas perspectivas e formas brotam no meu trabalho. A transformação da marca em Goya Lopes Design Brasileiro deixa a linha afro-brasileira mais autêntica e diferenciada.

A partir da espontaneidade e da imaginação do cliente, uma nova estratégia para a expansão, a abertura do estúdio de design de superfície e gráfico de criação para outras marcas. Já atendemos a clientes como Tok&Stok, O Boticário, Bali Blue, INCTI (Insituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino e Pesquisa do negro e do índio) da UnB (Universidade de Brasília) no Projeto Encontro dos Saberes e recentemente a campanha do Governo do Estado da Bahia para a Década Internacional de Afrodescendentes #EuSouAfro, utilizando como imagem a nossa criação.

Os próximos anos serão de muitas criações tanto para a marca Goya Lopes Design Brasileiro e as outras marcas. O aproveitamento do acervo e do capital de relacionamento formado ao longo desses quase 30 anos nos leva a acreditar e aproveitar as oportunidades nesse momento de crise para a construção de um futuro promissor.


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