Jim Gordon: entre o condão e marteladas…
Jim Gordon foi uma daquelas figuras que os deuses da música parecem ter criado num dia de inspiração divina — e, logo depois, destruído num surto de desatenção cósmica. Baterista de mãos douradas e mente em combustão permanente, ele deixou uma marca profunda e ambígua na história do rock. Em seu currículo, estão nomes que soam como capítulos de um evangelho sonoro: Derek and the Dominos, Delaney and Bonnie, The Beach Boys, Frank Zappa, e até o frenético Little Richard. Tudo isso antes que o próprio talento o devorasse. Um homem capaz de conduzir com as baquetas a delicadeza de uma balada e, na mesma vida, empunhar um martelo com fúria mortal.
A trajetória de Jim Gordon é uma dessas tragédias que fariam sentido num romance de Dostoiévski: genialidade que beira a insanidade, glória seguida de ruína, redenção negada. Nascido em 1945, em Los Angeles, Gordon começou cedo a provar o gosto da fama — aquele veneno doce que transforma o aplauso em vício. Aos 17 anos, já tocava com os Everly Brothers. E, dali em diante, foi o tipo de músico que não dormia: se não estava gravando com Joe Cocker, estava em estúdio com George Harrison; se não estava em turnê com Delaney & Bonnie, estava emprestando o pulso a Eric Clapton.
“Talvez ele simbolize o preço oculto da genialidade em uma indústria que cobra talento em troca de sanidade. O rock dos anos 1970 estava lotado de demiurgos destruídos por dentro — Syd Barrett, Brian Wilson, Keith Moon. Mas Gordon foi além: não se destruiu apenas a si; destruiu a origem de sua vida. O que era “voz criativa” tornou-se ruído assassino.”
É impossível falar de Gordon sem citar “Layla”. O solo de piano que encerra o hino da paixão obsessiva de Clapton é dele — uma melodia que, ironicamente, brotou de um cérebro que já começava a se fragmentar. Uma peça de beleza trágica, como se já anunciasse o descompasso interno que o arrastaria. Muitos músicos falam de “voz interior”; Gordon a ouvia literalmente.
Sofria de esquizofrenia paranoide, diagnosticada tardiamente, que o fazia ouvir ordens — inclusive a da própria mãe, ou o que sua mente acreditava ser a voz dela.
Do ritmo ao ruído: quando o gênio desaba
Nos anos 1970, a ascensão virou queda livre. Entre a exaustão das turnês, a pressão da fama e a falta de tratamento adequado, Gordon mergulhou numa espiral de vozes e descontrole. Ele mesmo dizia ouvir comandos para jejuar, se ferir, e destruir quem o cercava. Ainda assim, ninguém ousava tocar no assunto. Na era do rock excessivo, o comportamento errático era visto como “parte do show”. O problema é que o show terminou de forma irreversível.
Em 1983, num dos episódios mais macabros da história da música, Jim Gordon matou a própria mãe a marteladas. Um crime que chocou tanto quanto confundiu. Como o homem que havia criado compassos sublimes podia ter sido tomado por tamanha brutalidade? A resposta está no abismo entre talento e tormento. Condenado à prisão perpétua, Gordon passou o resto da vida em instituições psiquiátricas. Morreu em 2023, aos 77 anos, ainda enclausurado — não só fisicamente, mas dentro do próprio labirinto mental.
Mas há algo de profundamente desconfortável — e até perverso — na forma como a história o lembra. O nome “Jim Gordon” aparece nas notas de discos icônicos, mas quase sempre com um asterisco de horror. É o mesmo dilema de tantos artistas amaldiçoados: podemos admirar a arte sem absolver o artista? É possível escutar “Layla” sem pensar na martelada final? A cultura pop tem o péssimo hábito de romantizar a loucura, sobretudo quando ela veste uma jaqueta de couro e segura uma baqueta. No caso de Gordon, essa confusão ética é inevitável.
Talvez ele simbolize o preço oculto da genialidade em uma indústria que cobra talento em troca de sanidade. O rock dos anos 1970 estava lotado de demiurgos destruídos por dentro — Syd Barrett, Brian Wilson, Keith Moon. Mas Gordon foi além: não se destruiu apenas a si; destruiu a origem de sua vida. O que era “voz criativa” tornou-se ruído assassino.
E, ainda assim, há algo de comovente na ideia de que o mesmo homem que cometeu um ato tão bárbaro tenha sido o autor de um dos finais mais delicados da história do rock. O piano de “Layla” não é apenas uma nota musical — é uma confissão de humanidade antes da queda. Um adeus em forma de melodia.

No fim das contas, Jim Gordon foi a prova de que o talento, sem contenção, pode virar maldição. Um baterista com o condão de transformar o caos em arte — e depois, a arte em ruína. As baquetas que marcaram o ritmo de uma geração foram substituídas pelo silêncio de uma cela. E talvez esse seja o som mais perturbador de sua história: o da genialidade aprisionada dentro da própria mente, martelando eternamente entre o dom e a desgraça.
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