Quando completou dois meses de idade, João Ubaldo Osório Pimentel Ribeiro junto com a família, mudou-se para Aracaju, Sergipe, onde passou parte da infância. Em 1963 escreveu seu primeiro romance, “Setembro Não Faz Sentido”, com prefácio do colega Glauber Rocha e apadrinhamento de Jorge Amado. Em 1989 lança o romance “O Sorriso do Lagarto”. Em 1993, foi eleito para a cadeira 34 da Academia Brasileira de Letras. Foi escolhido, em 1999, um dos escritores em todo mundo para dar um depoimento ao jornal francês “Libération” sobre o milênio que se aproximava na época. “Eu acho que o jornalismo não era melhor e nem pior. Era o jornalismo que se podia ter naquela época, assim como o de hoje, é o que se pode ter na época de hoje. É evidente que eu faço – e muita gente da minha idade e até um pouquinho mais nova – restrições ao jornalismo de hoje, mas nada impede que se desconfie que se trata de coisa que os mais velhos sempre disseram sobre os tempos atuais, ou seja, não é provavelmente saudosismo, mas é uma visão das coisas às vezes não tão exata quanto se pensa. (…) Esse negócio de choque ante escrever por dinheiro, é uma ideia falsificada, romântica, e um pouco atrasada que nós persistimos em manter. E eu não sei fruto de que outras características culturais, porque isso é muito comum aqui, já que nos países saxônicos não é tanto assim não”, afirma o escritor.
Em 1999, o senhor disse a frase: “Escrevo por dinheiro”. A literatura o deixou rico?
Me deixou numa situação vamos dizer, semelhante a de um funcionário aposentado do Banco do Brasil, não nos mais altos cargos, mais ali, talvez como um gerente, ou uma coisa desse tipo. Acho eu, embora minha aposentadoria do INSS – por mais imprudência minha do qualquer outra coisa – parece que é de R$1.200,00 ou R$1.300,00. Eu consegui viver uma vida de classe média. Até moro num bairro de rico, mas quando vim para cá não era assim. Eu consegui ganhar um dinheirinho com a venda de “O Sorriso do Lagarto” para a televisão, e aí tive dinheiro para comprar esse apartamento onde eu moro no Leblon que hoje é ridiculamente valorizado, com a consequência que de patrimônio, acho que estou chegando perto de ser um milionário brasileiro. Não sei porque esse apartamento se valorizou grotescamente nos últimos anos, e eu vim para cá há mais de 20 ou 25 anos. Comprei esse apartamento que era de Caetano com esse dinheiro e fiquei nessa situação. Hoje não, hoje eu vivo de trabalho, vivo de escrever e ganho para me manter digamos assim, dos jornais para os quais eu colaboro. Eu ainda dependo dos jornais para escrever, quer dizer, não terrivelmente, não ia morrer até porque sempre tem alguma coisa ou outra para fazer por aqui para quem vive da pena (da escrita), mas não fiquei rico de jeito nenhum, nada! Tenho apartamento, estou comprando a casa de Itaparica onde nasci, mas tem outros herdeiros, e estou comprando à parte deles. Então eu vou ficar com esse apartamento aqui que vale muito mais do que eu gastei, quer dizer, era um dinheiro que eu tinha, na verdade, foi uma coincidência interessante, e depois se Deus quiser, a casa de Itaparica. Mas eu não quero muito mais do que isso não, está tudo muito bem!
Você disse que gostaria de escrever novelas. A dramaturgia lhe encanta de alguma forma?
Eu acho – ainda mais eu que sou desavergonhado – eu não tenho certeza assim quanto ao que eu falei de forma exata. Eu devo ter querido dizer – pelo menos é isso que eu acho – que eu gostaria de saber escrever novelas, não provavelmente de escrever, porque do jeito que sou hoje, que era, e que sempre fui, eu não saberia escrever uma novela. Talvez conseguisse aprender com o correr do tempo a ser um noveleiro pelo menos medíocre ou mediano, mas não tenho talento nenhum para dramaturgia. Fico até um pouco envergonhado, quando vejo nos meus currículos aqui pela internet, que sou um roteirista. Eu não sou um roteirista. Eu colaborei em vários roteiros, mas eu nunca fiz um roteiro sozinho. Colaborei com amigos como é o Cacá Diegues, que é uma honra colaborar, porque é um dos nossos maiores e mais notáveis cineastas no mundo todo. Cacá é conhecido no mundo todo; premiado no mundo todo; festejado no mundo todo, então é muito bom e graças a Deus ele é meu amigo. Então Cacá me chama e faço com ele, mas sozinho nunca farei. Também já fiz roteiros com o Geraldinho Carneiro [poeta, letrista e roteirista mineiro], que também é um grande amigo meu e com quem eu tenho grande facilidade de comunicação e trabalho enfim, mas por essas circunstâncias, já que eu não sei escrever para teatro, eu não tenho jeito para dramaturgia, acho, sinceramente eu não sei. As coisas que tem aparecido em teatro lá na Bahia e aqui [Rio de Janeiro] com a Fernanda Torres e com o Domingos [de Oliveira], são coisas feitas por outros. Eu acho que uma peça de Domingos de Oliveira [no caso ‘A Casa dos Budas Ditosos’, do livro homônimo escrito por João Ubaldo que tem como tema a luxúria], que com grande maestria, transformou um texto meu em espetáculo teatral de uma forma muito boa – já que ele não mexeu em nada do que eu escrevi, ele apenas armou a coisa em termos de monólogo – concebeu o espetáculo e deu certíssimo. Então foi mais graças ao talento de Domingos e de Fernanda, que também é uma grande atriz e fez o que todo mundo viu nessa peça, mas eu mesmo não escrevo não.
O senhor começou a trabalhar com 17 anos como jornalista. O jornalismo que se fazia naquela época é melhor que o que é praticado atualmente?
Eu acho que o jornalismo não era melhor e nem pior. Era o jornalismo que se podia ter naquela época, assim como o de hoje, é o que se pode ter na época de hoje. É evidente que eu faço – e muita gente da minha idade e até um pouquinho mais nova – restrições ao jornalismo de hoje, mas nada impede que se desconfie que se trata de coisa que os mais velhos sempre disseram sobre os tempos atuais, ou seja, não é provavelmente saudosismo, mas é uma visão das coisas às vezes não tão exata quanto se pensa. Às vezes se reconstitui o passado de uma maneira um pouco fantasiosa, esquecendo certas desvantagens e assim por diante. Como estava dizendo, o jornalismo de antigamente era o melhor jornalismo que podia se ter, independente de coisas como censura e assim por diante, embora também já tenha feito comentários digamos “de velho” em relação ao jornalismo de hoje. Eu acho o jornalismo, por exemplo, escrito – mas reitero, é talvez perspectiva de velho, não tenho certeza – mas a tendência minha é achar que o jornalismo já teve expoentes mais brilhantes do que têm hoje; que já se escreveu melhor em jornal do que hoje, mas eu não tenho certeza disso. Isso pode ser uma afirmação como eu disse distorcida, até eu admito, por saudosismo no sentido talvez mais lapso da palavra.
Em algumas oportunidades, o senhor já criticou o PSDB e também faz críticas ao Governo atual. Acredita que um intelectual deve manter esse “livre arbítrio” e não se filiar a nenhuma legenda para não ter o chamado “rabo preso?”.
Não, o intelectual propriamente não, aliás, acho que ninguém. Agora no meu caso, em primeiro lugar acho que sou um cético político, ou um São Tomé. Eu hoje depois de 70 anos – estou com 72 – tenho muito que ver para crer, para acreditar em políticos daqui. Acho que hoje, todo mundo tem um pé atrás. No meu caso, mas isso é escolha minha, é melhor realmente não se comprometer com lado nenhum, já que não me sinto atraído por nada desses partidos amorfos, pois, todos vão para a televisão dizer a mesma coisa, coisas vagas como: “Queremos justiça social”; “Um Brasil para todos”; “Queremos melhor educação”; agora ninguém diz como fazer para a situação terrível que em certas áreas o Brasil se encontra. Veja a situação de segurança pública, por exemplo, as reformas que não foram feitas como a reforma política, a reforma tributária e outras reformas duras de se fazer. Eu não quero me comprometer com ninguém, inclusive porque eu acho que escrevendo sobre tudo como escrevo em jornal, não gostaria de levantar suspeitas no leitor quanto a minha subordinação ou conluio com certos esquemas. Felizmente ninguém pode dizer isso de mim. Já me chamaram de “Puxa-saco do PT” que pra mim, causou uma surpresa enorme, considerando o que eu já escrevi não sobre o PT, mas sobre os vários atos e acontecimentos ligados ao PT. Já me chamaram de tudo “A soldo de Fernando Henrique” e assim por diante, e isso mantendo a isenção que mantenho, já que não sou ligado a nada. No meu caso, acredito que eu devo manter essa liberdade e não me filiar a partido nenhum, não quero correr o risco, de mesmo sem querer, estar defendendo pontos de vista do meu partido e muito menos por querer, de pegar uma coluna que me é entregue com outras obrigações para transformá-lo num veículo que, no fundo, é para meus interesses pessoais, não são pessoais no caso, mas em última análise acabaria sendo. Então eu fico desfiliado, tão solto quanto é possível, tão isento quanto é possível, porque a isenção absoluta é uma quimera, uma ilusão…
Voltando a história de escrever por dinheiro. Por que algumas pessoas ainda se sentem chocadas, quando vê um artista ou intelectual, falar de uma forma mercantilizada sobre o seu trabalho?
Esse negócio de choque ante escrever por dinheiro, é uma ideia falsificada, romântica, e um pouco atrasada que nós persistimos em manter. E eu não sei fruto de que outras características culturais, porque isso é muito comum aqui, já que nos países saxônicos não é tanto assim não. Agora você veja, as pessoas estranham quando alguém diz uma coisa como eu sobre escrever por dinheiro ou querer ganhar dinheiro com o que produz artisticamente, no entanto, a regra sempre foi essa. O artista que produz espontaneamente de acordo com as musas, com as nuvens, ou de acordo com os anjos, ou seja, lá o que seja, é uma exceção. Você observa que desde antes de Cristo, desde os dramaturgos gregos, se escreve e se produz arte, em geral, por ganhos materiais. No caso dos gregos, por exemplo, inclusive num clima do maior baixa astral, fofocaria, intriga, porque havia muitas vantagens, prêmios e outras vantagens em ganhar os festivais em que concorreram Sófocles, Ésquilo, Aristófanes, Eurípedes e outros menos votados ou menos conhecidos dramaturgos gregos. A arte da Renascença foi praticamente toda produzida de encomenda. Rembrandt atendia por encomenda; Michelangelo dizem que era até interesseiro e que sem dinheiro ele não acabaria uma obra-prima. Vamos dizer que se eu tivesse encomendado o ‘Davi’ de Michelangelo Buonarroti, e se ele viesse me procurar para um segundo pagamento e se eu dissesse: “Senhor Michelangelo não vou lhe pagar não”, ele me responderia: “Em tão não tem mais Davi”; e isso era em toda arte.
Eu estava outro dia, me lembrando e vendo uma série de tv sobre os Tudors [dinastia de monarcas britânicos que reinou na Inglaterra entre o fim da Guerra das Rosas entre 1485 e 1603.] e Holbein [Hans Holbein (1497-1543), pintor alemão, um dos mestres do retrato no Renascimento] estava na corte de Henrique VIII cobrando pelos retratinhos dele; Bach [Johann Sebastian Bach (1685-1750) compositor e maestro alemão] era um puxa-saco conhecido. Ele fez às seis obras-primas universais que são os ‘Concertos de Brandenburgo’, para puxar o saco do Bargrave [John Bargrave (1610-1680), autor, colecionador, e um cânone da catedral de Canterbury na Inglaterra], e dizem que o Bargrave nunca ouviu os seis ‘Concertos de Brandenburgo’. Mozart [Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) compositor austríaco] de certa maneira, era empregado da cozinha imperial do imperador da Áustria na Europa Central. Mozart com toda certeza recebia ordens assim: “O senhor Wolfgang, me faça o favor, sábado vai chegar uma duquesa amiga minha de um ducado de não sei das quantas, e eu queria um concertinho alegre. Nada daquelas coisas mais tristes, não quero nada triste e também não quero nada requentado…”; Dickens [Charles Dickens (1812-1870), romancista inglês] dizem que morreu extenuado de tanto fazer conferências, e fazia os romances extraordinários que escreveu, para poder publicar em fascículos de jornais, e atender um público enorme. Da mesma maneira, Balzac [Honoré de Balzac (1799-1850), escritor francês] fazia isso para ganhar dinheiro; da mesma forma Dostoiévski [Fiódor Dostoiévski (1821-1881) romancista russo] fazia o seu trabalho para ganhar dinheiro, enfim, quando era para ganhar dinheiro era para ganhar dinheiro o não ganhar dinheiro era exceção. Eu termino com história contada, eu não sei se apócrifa, mas conto essa história de Picasso. Que Picasso estava sendo visitado por um possível comprador milionário americano, mas o deslumbramento dele já estava enchendo o saco do Picasso. Aí dizia que ele parou em frente a um quadro extasiado e disse: “Mestre o que significa esse quadro, essa coisa que me deu tanta emoção, o que o senhor quis dizer com isso?” aí Picasso responde: “200 mil dólares”.
Os artistas são pessoas como outras quaisquer, apenas a profissão deles é considerada uma atividade artística. Nenhum artista verdadeiro, nem eu, que me considero talvez pretensiosamente um deles, se vende ou se prostitui por dinheiro, porque ele não vai fazer o que ele não quer, o que é contra os seus princípios, a não ser que seja um sujeito bastante pervertido, haverá exceções, mas um sujeito desses, deve ter algum problema. Normalmente o sujeito não faz aquilo que não faria, que é contra as suas convicções e princípios, de resto, a encomenda é a regra. Trabalhar por dinheiro para o artista é a regra, o resto é preconceito de quem dessa forma, deixaria a atividade artística somente para aqueles que tem o ócio e o lazer necessário para se dedicar a isso, e isso não dá certo.
Muita gente diz que o Brasil é um país que não lê, mas os seus livros já venderam milhões de exemplares. Quem está errado: os estatísticos ou quem escreve livros para agradar a si mesmo e não ao público?
É muito complexo esse universo, e eu não sei direito e não conheço direito para dar um bom palpite. Mas inicialmente, eu posso dizer que o Brasil percentualmente em termos relativos, têm realmente a circulação de livros grotesca, pequeníssima, mas em termos absolutos, considerando o tamanho da nossa população, o nosso mercado é significativo, em termos quantitativos é. Por exemplo, eu sou muito bem vendido com o livro ‘Viva o Povo Brasileiro’ e republicado todos os anos na Holanda, o que é muito lisonjeiro, mas ser best-seller na Holanda seria até ter uma vendagem muito pequena ou relativamente pequena no Brasil, porque em termos relativos o público da Holanda é muitíssimo maior do que o daqui, mas a população é muitíssimo menor, então o mercado daqui sempre significará alguma coisa. Agora o fato de só comprar livros estrangeiros, como esses que estão na lista de best-sellers, eu não sei ao que se deve, mas nós somos um país colonizado culturalmente de uma forma avassaladora, na nossa língua. Outro dia eu estava assistindo aqui e contando de brincadeira, que passaram seis comerciais um atrás do outro, e todos eram com coisas em inglês. Produtos que se pronuncia em inglês para um menino que está sendo alfabetizado em português deve ser uma confusão horrorosa. Mas temos vontade de ser americanos, o que se vai fazer! E aí o Brasil compra esses best-sellers internacionais, fabricados em série em conjunção com o cinema. Vampiros nos livros, vampiros nos cinemas… eu nem acompanho direito essas coisas. Vamos escrevendo o que Deus consente, e nem vou pensando muito nessas coisas não.
O seu romance histórico “Viva o Povo Brasileiro” tem setecentas páginas, ou seja, é um livro considerado difícil, mas mesmo assim é fascinante. Como o senhor explica esse fascínio?
Ninguém sabe porque um livro interessa, ou, porque um livro se dá bem dessa forma por tanto tempo e são dois livros [‘Viva o Povo Brasileiro’ e ‘Sargento Getúlio’]. Em parte devido a esses dois, o resto que eu escrevo é republicado e reeditado periodicamente. Mas meus dois livros ‘Sargento Getúlio’ e ‘Viva o Povo Brasileiro’ são interessantes, sendo que os dois já são bastante idosos tendo mais de 30 anos ou por aí, e ambos continuam sendo reeditados e não só aqui. Agora mesmo eu recebi um nova edição de bolso por outra editora de ‘Sargento Getúlio’ em alemão. Eu não sei explicar esse negócio do meu livro… Eu gostaria de arriscar e dizer porque ele é bom, mas nem disso eu tenho certeza. Eu acho que ele é bom, claro, é o meu filho e eu acho bom, mas deve ter muito gente que não acha.
Por que a internet é a perdição de um escritor?
Eu sei que já escrevi isso numa crônica se não me engano, ou já disse isso, não estou negando a autoria não, porque eu sei que já disse, só não me lembro em que contexto eu disse esse negócio. Não sei se disse isso no sentido de que a internet facilita as coisas demais; ou que o sujeito checa o que o escritor diz. Eu sinceramente não me lembro disso. Eu repito que não estou negando a autoria pelo contrário, eu me lembro de ter dito isso, agora em que contexto eu não sei. Não sei se estava falando que o Google facilita demais para o sujeito checar a informação que outrora era difícil de conseguir; não sei se é porque o escritor fica distraído com a internet e larga o texto de lado, sinceramente eu não sei.
O senhor disse que não tem interesse teórico pela literatura. Por que isso ocorre?
Não é que eu não tenho interesse teórico pela literatura. Eu posso até ter em determinado momento da minha vida, em determinadas circunstâncias. O que e eu não gosto é de papo literário, ou seja, conversar o tempo todo sobre literatura. Analisar romances, analisar momentos da história literária do país e assim por diante. Em certas ocasiões, eu gosto tanto de um papo literário quanto, por exemplo, de um papo sobre futebol ou música, ou fofoca da vizinhança de Itaparica, da vizinhança aqui do Rio não, mas de Itaparica sim! Enfim, fofocas inocentes bobas como quem casou, ou quem largou a noiva, essas coisas. Conversando sobre literatura com naturalidade sim, mas eu não gosto de mesas redondas discutindo: “Olha a vertente disso, olha a vertente daquilo…” ou “O problema da identidade…”; eu sei é que não gosto de papo literatóide, literatóide não, literato mesmo, isso me entedia. A não ser quando pinta naturalmente, ou quando um companheiro de ofício troca confidências comigo, ou quando se troca experiências, enfim, não é ojeriza, é que não sou tão interessado nisso quanto às vezes pode se pensar por eu ser um escritor profissional.
Qual a importância de um prêmio literário para um escritor se firmar no mercado?
Depende, alguns prêmios não, alguns prêmios eu acho, eu não saberia dizer quais, mais a experiência de uma forma meio nebulosa que me veio assim na cabeça, é que em alguns casos, o prêmio chama a atenção para o trabalho do indivíduo e assim por diante. Eu acho que depende da importância do prêmio, da divulgação e assim por diante, mas o prêmio não faz o livro não, isso eu tenho certeza. O prêmio ajuda quando é em dinheiro principalmente. Prêmio sem dinheiro, pergunte a maioria dos escritores para responder com sinceridade, a maioria deles com certeza vai dizer que prêmios como: troféu, canudinho, estatueta é muito bom, mas prêmio bom mesmo é em dinheiro. Escritor só é rico em filme de Hollywood. O Tom Clancy com aqueles filmes de Guerra Fria, aí sai no jornal: “Escritor ganha 10 milhões de dólares” e pensam que os escritores são assim. A maioria dos escritores, ou ensinam na Universidade, ou têm outra ocupação, ou pior, vivem matando cachorro a tapa. Eu hoje como já disse, não poderia provavelmente subsistir, até porque já estou velho, se parasse de trabalhar por não remuneração. Mas trabalho e não paro, porque iria me fazer falta. Tenho certeza que não seria uma coisa calamitosa, mas cortaria a minha fonte de renda digamos regular.
“O senhor só entra lá na minha vaga, com direito a meu lugar no mausoléu dos imortais.” Esse trecho foi retirado de um artigo seu escrito em 1998 com o título “Senhor Presidente”. E agora que Fernando Henrique Cardoso está prestes a se tornar um imortal, como se sente?
Ao contrário dele, não vou pedir para que vocês esqueçam o que escrevi não. E de fato escrevi isso. De fato não tenho nenhum entusiamo por Fernando Henrique, mas também escrevi esse negócio contra o presidente digamos (digamos o contra), ou o então presidente Fernando Henrique. Mas o que eu vou dizer agora é diferente, porque eu sei que ele é candidato, até já me mandou comunicar isso, me mandando os seus livros de presente, como os candidatos da Academia geralmente fazem. E aí, já me perguntaram o que eu iria fazer, e eu não vou fazer nada, ainda mais a esta altura, sabendo que ele está entrando com a aprovação praticamente geral dos outros acadêmicos. Eu não vou chegar agora, e chamar a imprensa aqui para hostilizar a candidatura dele, e para fazer escândalo dizendo coisas como: “Só por cima do meu cadáver” ou “Me oporei, isso é uma afronta…”, ou qualquer coisa assim, porque depois se eu fizesse isso, muitos iriam dizer, que eu queria aparecer, eles teriam toda razão. Porque só um sujeito que quisesse aparecer, armaria um circo desses, e só teria efeitos de chamar atenção e dar material para matérias semi-fofoqueiras ou fofoqueiras nos jornais. Não ia adiantar coisa nenhuma, iria chamar atenção para mim com: “O que ele quer fazer?”. Eu sei que não vai dar certo e além de tudo, eu também não encaro como um desastre para a Academia o ingresso de Fernando Henrique. Ele não é meu candidato digamos assim, mas não sou inimigo dele, aliás, não sou inimigo dele e nem de ninguém. Não quero fazer frente a ele, barrar a entrada dele, fazer discurso lá na Academia contra o ingresso dele, isso não se faz, já que aquilo é uma casa democrática.
Eu não mando naquilo e mesmo se mandasse, meu temperamento não seria conivente com um tipo de discriminação dessas. Se a Academia fosse constituída de minhas escolhas, aí já era outra coisa. Agora eu também sou obrigado a reconhecer, que o FHC inegavelmente, tem estatura intelectual para ingressar numa Academia de Letras, isso ele tem! Não vou também negar isso. É só comparar a estatura intelectual de Fernando Henrique com o geral. Ele está acima ou está à altura do melhor nível que nós temos, eu não vou negar isso. Eu só não retiro o que falei sobre ele nesse artigo. Ele não vai entrar na minha vaga porque para isso seria necessária que eu morresse, então acho que não vou me suicidar se ele entrar, e nem quero que ninguém me assassine se ele entrar, espero também que não [Risos]. Segundo, agora que ele vai entrar, eu não vou fazer barricada na porta para ele não entrar, e chamar a imprensa para fazer escândalo porque seria ridículo. E não se trata de um inimigo meu pessoal, e já seria ridículo passar minha inimizade para a Academia como se eu mandasse na Academia, enfim, estou explicando para que não digam que eu não tenho palavra ou sei lá o que. E se ninguém entender também, tudo bem.
O senhor foi amigo de um grande jornalista, o polêmico Tarso de Castro, fundador e editor de “O Pasquim”. Existe espaço para jornalistas como ele na imprensa atual, ou o politicamente correto dominou todos os espaços, inclusive os espaços da imprensa?
Um jornalista como Tarso, sempre teria que ter lugar, eu não sei se ele está tendo no momento um substituto. Eu não sei se esse substituto está começando a aparecer, ou se haverá um substituto, ou seja, alguém que desempenhe o mesmo tipo de papel, já que o mesmo papel, acho que seria impossível. Eu não sei como seria Tarso no tempo da internet, dos smartphones, dos iPads. No início ele não seria tecnólogo, mas depois ele provavelmente aderiria, eu não sei como seria. Mas eu acho que para um sujeito como o Tarso [emocionado nessa parte, pois, se lembrou do gaúcho de Passo Fundo, já que hoje mora no apartamento que pertenceu ao jornalista falecido]. Eu espero que sim, que haja lugar para um homem como ele controvertido e polêmico como você diz aqui, mas era um homem honesto. Ele era só um porra-louca financeiro, mas Tarso poderia ter morrido rico, amigo que foi de Jango, de Brizola, amigo mesmo, não só um encostador. Podia ter se locupletado de diversas formas, mas enfim… é a vida!
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