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Karina Buhr diz que a criação deve ser livre

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A cantora, compositora, percussionista e atriz Karina Buhr é considerada pelos críticos, um talento raro. Aos 8 anos se mudou para Recife, em Pernambuco, onde iniciou sua carreira musical em 1992, nos grupos de maracatu Piaba de Ouro e Estrela Brilhante. De lá pra cá integrou a banda Eddie, formou a banda Comadre Fulozinha, tocou e fez participações em discos da banda Mundo Livre S/A, do artista Antônio Nóbrega entre outros. Em 2000 entrou para a companhia Teatro Oficina, tendo participado da montagem de “Os Sertões”. Em 2010 lançou seu primeiro disco solo “Eu Menti pra Você”. Eleita artista do ano, pela APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte), figurou entre os “Top 10″ discos e músicas, da revista Rolling Stone. Tocou na Womex, importante feira mundial de música independente, em Copenhague. Foi contemplada pelo edital Natura Musical, para gravação do segundo disco e turnê, e indicada a “artista revelação” do ano no VMB da MTV e “melhor cantora” no Prêmio Música Digital. “Isso de “a mais” qualquer coisa do que outra cantora tem a ver só com machismo. Não é pra se comparar uma mulher com a outra, não fazem isso com os homens que cantam. Em mesa de bar sim, mas na imprensa não, se fala bem ou mal de um artista homem, não se fica comparando ele a todos os outros, isso é apenas e só machismo”, afirma a cantora, compositora e atriz em ascensão. 

Karina, você nasceu em Salvador, mas aos 8 anos foi para Recife e criou uma identidade muito forte com a cidade. O que ainda existe da Bahia na sua vida e consequentemente no seu trabalho?

Na Bahia existe o lugar em que eu nasci, meu pai, mãe Edenis… Uma ligação muito forte, isso não acaba quando o tempo passa, pelo contrário. O que existe da Bahia em mim e em meu trabalho sou eu [risos].

Você afirmou que ser chamada de cantora foi um susto. Por quê?

Porque sempre cantei e toquei percussão, aí quando tirei a percussão virei cantora. São só nomenclaturas pra ficar melhor enquadrada nesse ou naquele segmento, pela indústria cultural. Sempre cantei sentindo o que escrevo, as músicas que faço, ou músicas que aprendi ouvindo e tocando, de repente passou pra voz a importância, mas isso foi uma coisa de fora pra dentro, pra mim, continuou importando o de dentro pra fora.

Foi difícil manter a sua liberdade e independência que não abre mão, no concorrido e muitas vezes desleal mundo musical?

Não penso em outra maneira de fazer o que faço então nem entro nessa coisa da concorrência, vou fazendo o meu, trabalhando com uma equipe junto, com os músicos que tocam comigo que também são grandes amigos, com a produção, com a iluminação, com o som… E torcendo pra dar certo, cada um fazendo massa sua parte.

Vamos falar um pouco da sua carreira de atriz. Como foi a sua experiência no Teatro Oficina?

Foi uma surpresa ir parar lá. Sempre quis fazer teatro e acabei fazendo e logo no Oficina, por que Zé Celso [diretor, ator, dramaturgo e encenador paulista, 1937 -] assistiu um show da Comadre Fulozinha em Recife, na Soparia, em 1998 e convidou pra fazer As Bacantes. Fiz As Bacantes e Os Sertões inteiro, entre 2002 e 2007. Uma experiência muito forte, envolvendo atuar, fazer músicas, cantar, tocar, fazer roteiro, estudar textos… Um tesouro pra vida.

Em algum momento quando você pisa no palco, àquela atriz Karina do Oficina entra em cena na apresentação da cantora Karina?

Não existe essa separação, sou eu.

Você diz não se incomodar quando dizem que é “a mais punk” das cantoras femininas do pop brasileiro atual, mas se incomoda quando dizem que é regional. Fale mais sobre isso.

Isso de “a mais” qualquer coisa do que outra cantora tem a ver só com machismo. Não é pra se comparar uma mulher com a outra, não fazem isso com os homens que cantam. Em mesa de bar sim, mas na imprensa não, se fala bem ou mal de um artista homem, não se fica comparando ele a todos os outros, isso é apenas e só machismo. Sobre o regional, é outra questão, porque nesse caso falo a respeito da classificação e não da comparação com outras mulheres. No caso, chamar de regional é preconceito com o que não é do Sudeste do Brasil. Nas críticas do meu primeiro disco se falava em muitos lugares que eu fazia mistura de frevo, maracatu e rock and roll. Não tem nada de frevo nem maracatu no meu primeiro disco, isso é forçar a barra pra impor esse discurso de regional. O que é do Sudeste, ou numa estética que imita o que é do Sudeste é considerado “do Brasil” e o que tem sotaque nordestino é taxado de “regional”. Não tem a ver com som especificamente, mas com preconceito mesmo, ignorância.

Críticos afirmam que o seu disco “Longe de Onde” de 2011 é diferente de tudo que as pessoas ouvem por aí e vão além, dizendo que você canta e compõe com fúria e poesia. Na sua visão, essa definição de fúria e poesia está totalmente correta ou gostaria de colocar alguma coisa a mais que nunca foi falado?

Prefiro fazer mais músicas, escrever mais coisas do que falar sobre isso, não sou boa de falar sobre o que faço. Mas gosto bastante disso de fúria e poesia, pode deixar assim [risos].

Muitos são pessimistas com o futuro da indústria da música, já você parece não se importar com isso. Acredita que falta ousadia por parte de alguns cantores, que ainda estão acostumados com aquela máquina empresarial que não existe mais?

Eu nunca vivi esse lado que não existe mais. Quando comecei a tocar já era outro esquema, então não tenho a menor ideia na prática de como seria isso pra mim. Sei como era e que mudou, mas pra mim o que mudou não foi de gravadora major pra selo independente, sempre foi ali na independência mesmo. E naturalmente vai se transformando e todo mundo vai acompanhando. Pra mim não existiu na prática. No meu trabalho do dia a dia não existiu essa ruptura, porque não participei desse outro lado.

No Brasil, é dito que o rock puro não pega, já que ele deve ser “misturado” com outros estilos propriamente nacionais. Qual a sua visão sobre isso, afinal “Longe de Onde”, traz um som potente e agressivo, mesclado com melodias leves, fazendo esse processo com extrema competência?

Não acho que não pegue, acho que tem um público bem forte e fiel e sempre terá. Não acho também que deva se misturar, como regra. Acho que quando a história é de verdade não tem regra, só quando é algo fabricado pro sucesso, aí pode dar certo ou não essa ou aquela fórmula. Mas quando é sincero pode ser só rock, só samba, pode misturar, pode qualquer coisa e vai ficar massa. Isso de eu ter alguns sons potentes e agressivos e outros mais leves é uma coisa que faz parte de mim. Tenho essas coisas comigo, não penso em misturar as duas coisas pra ter um resultado tal. Na hora de escolher o repertório de um disco ou show, aí claro, vai pro consciente essa parte, “quero fazer isso mais assim ou mais assado?”. Mas a criação deve ser totalmente livre e aí aparecem essas coisas diferentes umas das outras. Gosto de cavalo marinho, coco e baião, de rock and roll, de música sertaneja, de maracatu, de blues, de punk rock, de ciranda… De alguma maneira isso aparece, de maneira mais forte ou mais fraca, nas coisas que faço.

Acredita que a arte deve ter algum papel social?

Acredito que as pessoas todas têm essa responsabilidade e artistas, que têm um público ali acompanhando, tem uma força grande nisso e isso é importante sim. A arte que cada um faz não precisa necessariamente ter um teor político, você pode chorar de amor romântico nas suas músicas e na sua vida diária ter um papel importante nas coisas políticas. Nada deve travar o que se quer expressar em nenhuma arte e isso vale também quando o tema é política. Maravilha ter um som como o dos Racionais [grupo de rap fundado em 1989, considerado o mais influente do Brasil], que é político a cada verso e massa ter um som como o de Siba [cantor e compositor pernambucano 1969 -] que pode até ser político no verso, mas é também lírico, fantasioso, sonhador… E massa terem tantos outros que são só sonho, fantasia e amor, ou raiva… E política é a ação de cada um, na vida real.

A sua carreira musical tornou-se tudo aquilo que você projetou um dia, ou ainda está apenas no começo daquilo que imaginou?

Não projetei, nem está no começo, o começo foi em 1992. Vai mudando a cada dia, a cada trabalho que faço mudo eu, muda o que escrevo, muda o que canto, o jeito de fazer e isso é o que gosto, essa é a minha vida. Isso de “se tornou” jamais vou falar, porque se se tornou então pode parar e não acho que seja pra parar. Não planejo pensando em sucesso exatamente. Se um público cada vez maior acompanha o que você faz isso é maravilhoso, mas cada pessoa que se emociona com o que você faz e a sua própria emoção em fazer e em sentir esse retorno é o principal. O resto é dia a dia, pagar conta, é um lado particular, essas coisas que todo mundo conhece e tem que fazer, não tem a ver com o motivo real de fazer música. É uma parte da sobrevivência da pessoa. E a outra parte é um monte de coisas e também música [risos].


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