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Lumiar molda o ensino num mundo complexo

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Graziela Miê é diretora-geral das Escolas Lumiar. É formada em Ciências Biológicas, bacharel e licenciada, pela USP e em Pedagogia, pela Universidade Metropolitana de Santos. Fez mestrado em História, Filosofia e Didática de Ciências na Universidade Claude Bernard, em Lyon, na França. Dedica-se à Educação, encontrando nessa área a motivação necessária para trabalhar com entusiasmo e alegria, alinhada com seus propósitos. Acredita em modelos pedagógicos que favoreçam a construção da autonomia para que as pessoas possam atuar no mundo de forma mais autoral, criativa e responsável, descobrindo seus talentos e validando seus interesses. Fundada em 2003, a escola Lumiar surgiu como uma iniciativa de educadores de vanguarda para transformar a educação. Através de uma metodologia que prioriza a autonomia e a individualidade de cada estudante, o aprendizado se fundamenta em seis pilares: tutores e mestres; currículo em Mosaico; aprendizagem ativa; avaliação integrada; possibilidade de multietariedade e gestão participativa. “Precisamos pensar em ferramentas, softwares, formatos que proporcionem aos estudantes e educadores desenvolverem projetos diferenciados, a mais do que poderiam fazer sem o digital. Um exemplo muito óbvio é a internet. Sem ela, dependíamos de enciclopédia, livros impressos, conversas com pessoas próximas”, afirma Miê.

Qual o maior desafio da educação nos tempos atuais?

As escolas conseguirem manter um mindset de atualização constante, que é realmente relevante para o contexto atual dos estudantes. Existe uma quantidade de informações muito grande no mundo hoje e a possibilidade de interação com pessoas, com a produção dessas pessoas, tanto das que estão mais próximas até as mais distantes, em outros países de diferentes realidades, é potencializada com as redes sociais, internet. Nosso contato com a riqueza e diversidade de informações é muito elevado. O maior desafio é a atualização do mindset para pensar quais as ferramentas, as habilidades realmente úteis e necessárias que os estudantes aprendam, adquiram, desenvolvam para que possam, efetivamente, atuar na sociedade, no mundo, de forma consciente, responsável e que esteja de acordo com o propósito de cada um deles.

Como trazer o digital para ser mais um catalisador da educação?

Precisamos pensar em ferramentas, softwares, formatos que proporcionem aos estudantes e educadores desenvolverem projetos diferenciados, a mais do que poderiam fazer sem o digital. Um exemplo muito óbvio é a internet. Sem ela, dependíamos de enciclopédia, livros impressos, conversas com pessoas próximas. Nesse contexto, fazia sentido o professor trazer informações para os alunos. Hoje temos a possibilidade de acessar, pela internet, informações que estão em muitos lugares. Isso é um catalisador, contanto que nós saibamos utilizar a internet. Temos que ajudar o estudante a entender como buscar as informações, onde buscá-las, como buscar informações que sejam confiáveis. São habilidades diferentes que o aluno precisa desenvolver para lidar com a internet de uma forma positiva, para que ele possa utilizar essas informações de forma positiva. Se o aluno não estiver bem preparado para buscar as informações adequadas, ele pode se perder e acabar tendo menos informações relevantes do que teria sem a internet. Antigamente, o professor e a enciclopédia faziam a função de curadoria, que garantia informações relevantes, mas limitadas. Todas as ferramentas e tecnologias que surgem, sempre surgem de forma que possam potencializar as habilidades necessárias para que a gente saiba como lidar com aquilo. Mas podem atrapalhar. Fake news é resultado dessa ferramenta, já que antigamente uma notícia falsa não se espalhava com tanta força como hoje em dia. Se as pessoas não conseguem selecionar o que faz sentido e é coerente, acabam se perdendo e ficando até mais desinformadas do que ficariam com menos informações. Para catalisar essa quantidade grande de informação, para proporcionar mais reflexão, mais aprendizagem, mais sentido, mais possibilidades de atuação no mundo, as pessoas têm que ter as habilidades para lidar com isso. Isso para todas as ferramentas digitais. Ferramenta não é bom nem ruim, depende das habilidades para lidar com elas. Por isso, o foco em desenvolver habilidades hoje é ainda mais relevante do que era tempos atrás.

Quando o digital se torna um perigo para essa mesma educação?

O perigo existe justamente quando as pessoas não têm as habilidades necessárias para lidar com as ferramentas digitais. Se a pessoa não sabe como buscar fontes confiáveis, como ter um raciocínio crítico, lógico, para filtrar, selecionar essas informações, acaba acreditando em informações que não são corretas e tirando conclusões erradas. Outra coisa relevante para os adolescentes atualmente é a gestão do tempo e a autogestão das emoções e autocontrole. Uso descontrolado das redes sociais, dos jogos, pode acarretar problemas de saúde. Novamente, são necessárias habilidades relacionadas com responsabilidade, autocuidado e autogestão para respeitar limites do saudável.

O excesso de informações trouxe um movimento gigantesco de informações falsas. Isso seria um grande desafio?

Não chamaria de excesso de informações porque excesso é mais do que o necessário. Eu diria que temos um volume imenso de informações disponíveis e isso traz um desafio da gestão, da priorização do que é relevante para mim. Mesmo que eu saiba buscar, encontrar e compreender aquilo que é confiável e o que não é, mesmo se eu tivesse só informações verdadeiras, ainda assim seriam mais informações do que eu posso lidar, gerir e utilizar na minha vida. É preciso ter habilidade para compreender o que é verdadeiro, o que é falso, o que não sabemos. É preciso desenvolver habilidades para filtrar e priorizar o que é relevante para nosso contexto, para o que vamos usar. Esse volume grande de informações é um desafio e oportunidade. O desafio é ter habilidades para questionar o que nos chega, ter pensamento crítico, raciocínio lógico. Ainda existe muito método pedagógico relacionado à reprodução de conteúdo, memorização, e essa habilidade não traz a possibilidade de as pessoas conseguirem pensar por si mesmas.

O que deve ser feito para manter os alunos mais engajados?

Engajamento é um dos grandes desafios hoje nas escolas, manter os estudantes engajados têm sido complexo. Vemos o mundo com muitas possibilidades de entretenimento, de contato com conteúdos relevantes. Os jovens são mais questionadores e a resposta: “Porque um dia você vai usar” não é mais adequada à pergunta: “Por que estou aprendendo isso?” Não traz mais significado e relevância. Para manter os alunos engajados, temos que trazer para eles maior percepção do motivo, é importante eles aprenderem aquilo que está sendo trabalhado em sala de aula. Para isso, é fundamental que tenha contexto e, para ter contexto, é importantíssimo entender no que eles estão interessados, qual a realidade deles, para onde estão olhando, o que estão querendo. O engajamento vem quando a pessoa vê sentido no que está fazendo. Então é fundamental hoje em dia que os professores e gestores compreendam as realidades dos estudantes. É importante que os professores tenham incentivo, estímulo, liberdade e interesse em utilizar uma diversidade de fonte de informações, que sejam dinâmicos e conectados com a realidade dos jovens que estão nas escolas.

Por onde passa esse engajamento?

Pelos interesses e necessidades de aprendizagem dos estudantes. Se o estudante não vê conexão daquele conteúdo e habilidade com algo que ele queira aprender, que faça sentido ou que ele perceba que é necessário, não vai haver engajamento. Talvez haja obediência. Mas obedecer não faz com que tenhamos pessoas engajadas em transformar a realidade social, a realidade ambiental e solucionar os problemas complexos que estamos enfrentando no nosso tempo no nosso planeta.

Trabalhar contextos reais também ajuda nesse engajamento?

Ajuda demais. Falarmos da realidade aproxima muito mais a necessidade de aprendizagem e desses interesses. É fundamental que essa realidade tenha conexão com o contexto dos estudantes em sala de aula. As realidades são diferentes e é importante trazer essa diversidade de contextos para a educação para despertar no aluno a vontade de participar e de se engajar nas atividades propostas.

Poderia nos dar um exemplo de um contexto real que deveria ser mais trabalhado por alunos e educadores?

Há muitos. Tem coisas que são muito importantes para alunos e educadores, por exemplo, as questões ambientais. Problemas reais que precisam ser solucionados e estão presentes na casa de qualquer pessoa, como a quantidade e destinação do lixo, questões da água, poluição do ar. Com problemas reais, a possibilidade de ajudar os estudantes a pensarem em soluções reais é muito maior. É disso que a gente precisa. A fake news é outro contexto real relevante, que pode ser trabalhado. E há muitos outros, respeito à diversidade social e étnica, inclusão das pessoas, diferenças socioeconômicas, de oportunidades. Entender os interesses dos estudantes permite que a gente compreenda uma infinidade de contextos reais que serão relevantes para aquela turma. Há os contextos globais e específicos, e é importante que o professor tenha a habilidade de entender o que é relevante para seus estudantes.

O que está sendo realizado pela Lumiar nesse sentido?

A Lumiar, desde que surgiu, há 19 anos, está focada no desenvolvimento de habilidades dos seus estudantes, por isso, trabalhamos muito com projetos. Nossos projetos são sempre autorais. Partimos sempre do interesse dos estudantes, com um trabalho profundo para compreender, validar e ampliar esses interesses. E eles sempre se conectam com necessidades de aprendizagem, conteúdos escolares e habilidades que aquele grupo específico está em condições de desenvolver. Assim, conseguimos sempre trazer contextos que são reais para esse grupo e, a partir disso, pensar em produtos finais que façam sentido e proporcionem esse espaço de desenvolvimento de habilidades que sejam significativas para os estudantes daquele grupo. Isso traz engajamento e grande paixão pela aprendizagem. Eles entendem que aprender é muito legal e que podem participar da gestão dessa aprendizagem, compreendendo o que fazem bem, o que ainda não fazem bem, manifestando e expressando o que têm vontade de aprender, compreendendo o contexto em que vivem, global e mais próximo deles. Assim proporcionamos a formação de cidadãos conscientes, responsáveis, que têm autoria, vão atuar no mundo de forma significativa e relevante.

Focar no desenvolvimento de habilidades seria o foco principal da Lumiar?

Para nós, o desenvolvimento de habilidades é essencial, mas não adianta pensar apenas no desenvolvimento de habilidades se não conseguir mapear e organizar essas habilidades para que sejam diversas. Não adianta, por exemplo, trabalhar habilidades apenas cognitivas sem dar espaço para as emocionais. A Lumiar foca no desenvolvimento de habilidades garantindo que essas habilidades sejam diversas, cognitivas, sociais, emocionais, relacionadas com a autogestão, gestão do tempo, do espaço, mentalidade de crescimento. Enfim, temos aproximadamente 100 habilidades que são constantemente revisadas para proporcionar um desenvolvimento integral dos estudantes, importantes para que eles atuem no mundo atual. Voltando à questão da atualização do mindset, há habilidades que se tornam mais ou menos relevantes com as mudanças da sociedade. Por isso a importância da atualização constante.

Qual seria o papel da experimentação para esse desenvolvimento?

A parte prática, a mão na massa, a gente realizar coisas que vão além de escutar, de registrar, observar, é fundamental para abordagens mais amplas, experiências diversas para o desenvolvimento de habilidades também diversas. A experimentação é essencial para o desenvolvimento do raciocínio lógico, do pensamento crítico. Ocupa papel bastante importante dentro das nossas práticas. Possibilita que os estudantes avaliem o contexto, façam perguntas, questionem, formulem hipóteses, pensem em metodologias e métodos adequados para testar essas hipóteses.


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