Diretora e roteirista nascida no Rio de Janeiro e criada em São Paulo, antes de se dedicar ao cinema e à televisão, Mara Mourão dirigiu mais de 200 comerciais, muitos deles de marcas renomadas como Brastemp, Chocolate Bis, Fiat e Bradesco. Seu primeiro trabalho de direção no cinema foi o longa-metragem “Alô?!”, de 1998, do qual também foi roteirista. “Avassaladoras”, de 2002, foi o seu segundo filme de longa-metragem. Em 2005, dirigiu e roteirizou o documentário “Doutores da Alegria”, sobre um grupo de palhaços que se vestem de médicos e vão aos hospitais para levar um pouco de alegria aos jovens pacientes lá internados. Em 2006, dirigiu a série de televisão “Avassaladoras – A série”, na TV Record e com estréia simultânea no canal Fox, cujo argumento foi baseado em seu filme de 2002. Em 2012, dirigiu um novo longa-metragem, um documentário sobre empreendedores sociais ao redor do mundo chamado “Quem se Importa”. “Senti na pele que o cinema pode causar um impacto social profundo depois que comecei a receber mensagens de todos os cantos de pessoas dizendo que o filme “Doutores da Alegria” tinha mudado suas vidas. Muitas diziam que tinham decidido mudar de carreira, outras que tinham mudado o jeito de ensinar, ou tinham começado a fazer um trabalho social. (…) Com certeza na TV os planos são mais fechados. Mas nem sempre deve ser assim”, afirma a cineasta.
Mara, diga quem é Mara Mourão para quem ainda não lhe conhece.
Sou uma cineasta, nascida no Rio de Janeiro e criada em São Paulo. Sou uma cineasta que pretende usar o cinema como ferramenta de transformação social. Escrevi, dirigi e em alguns casos produzi 4 longa-metragens, 22 episódios de TV e vários comerciais. Meus dois primeiros longas foram comédias e foi depois do terceiro filme, “Doutores da Alegria”, que senti na pele o impacto social que o cinema pode causar. Depois de inúmeras pessoas dizendo que o filme tinha mudado suas vidas, decidi que queria seguir este caminho e parti para a produção do “Quem se Importa”, um documentário sobre empreendedores sociais ao redor do mundo.
Alguns críticos dizem que o cinema que é feito hoje está em extinção, pois, está preso em regras, esteriótipos e mercados. Qual a sua visão sobre isso?
Acredito que a maioria dos filmes sejam filmes voltados para o mercado, apenas uma questão de sobrevivência no mercado. Mas existe uma pluralidade muito grande. Filmes de todos os tipos, tanto no Brasil como no exterior. Os filmes de arte necessitam de fundos especiais, ou parcerias que o viabilizem, pois, não haverá retorno financeiro. Como em toda a história da humanidade, estas obras sempre foram uma minoria. Talvez os grandes estúdios pudessem ter mais espaço para a inovação, porém, inesperadamente, hoje o que há de mais inovador está sendo produzido para a televisão.
O seu primeiro documentário foi sobre os “Doutores da Alegria”, quando muitas pessoas disseram que o filme havia mudado as suas vidas. Quando você realiza um trabalho, pensa que o mesmo deve ter esse papel de transformar a vida das pessoas?
Senti na pele que o cinema pode causar um impacto social profundo depois que comecei a receber mensagens de todos os cantos de pessoas dizendo que o filme “Doutores da Alegria” tinha mudado suas vidas. Muitas diziam que tinham decidido mudar de carreira, outras que tinham mudado o jeito de ensinar, ou tinham começado a fazer um trabalho social. Enfim, foram depoimentos muito fortes que me fizeram crer que o cinema não muda a vida das pessoas, mas as pessoas que os assistem podem mudar o mundo.
Você já dirigiu mais de 200 comerciais para marcas famosas como Brastemp, Fiat e Bradesco. Fale um pouco dessa experiência no mercado publicitário.
Esta experiência me fez ter uma preocupação com apuro estético, precisão, capacidade de cumprir prazos, enfim, aprendi muito. Mas se naquela época já existisse a possibilidade de produzir longa-metragens com certeza teria ido direto para a produção de longas e médias. Foi um ótimo aprendizado, e era o único caminho disponível na época.
Poderia nos dizer quais são os pontos diferentes e parecidos da linguagem do cinema e da televisão, já que foi diretora de “Avassaladoras” o longa-metragem e depois “Avassaladoras – A série” na TV Record.
Depende do tipo de programa. Com certeza na TV os planos são mais fechados. Mas nem sempre deve ser assim, e com o crescimento do tamanho dos monitores, isso deve mudar ainda mais. Mas a programação da TV é muito variada. Teria que comentar todos os segmentos. Numa novela ou programa de auditório a produção utiliza várias câmeras e a cena é feita de forma industrial, plano master e coberturas. É mais difícil ter tempo de planejar movimentos de câmera ousados. No cinema uma das atribuições da direção é justamente decupar o filme cuidadosamente e planejar cada movimento da câmera e dos atores em cena.
Qual a sua visão sobre o cinema hollywoodiano?
Tem coisas ótimas, mas só assistimos 10% do que produzem. Se esta pequena parcela já tem poucos filmes realmente significativos, imagino que os 90% restantes devem ser piores. Mas dentro destes 10% também tem muita coisa boa. Meu gosto é muito eclético, gosto de “Avatar” a filmes de arte obscuros, então curto ver cinema, em geral. Os filmes considerados espetáculos têm cada vez mais espaço, pois, são os que conseguem tirar os espectadores da frente da TV. Acredito que o cinema terá que se reinventar cada vez mais para competir com os grandes monitores dentro das casas.
Acredita que estamos muito longe de termos uma indústria cinematográfica no Brasil como temos nos EUA, onde existe um cinema de repetição, tendo a figura dos grandes produtores que sabem repetir fórmulas e que dão sustentação para todo o processo?
Ainda estamos muito longe, mas já temos um caminho apontando para uma indústria cinematográfica. Não creio que devêssemos ter o mesmo modelo dos EUA, talvez o modelo deles sirva para eles, e deveríamos criar nosso próprio. Mas já fazemos filmes que ultrapassam as bilheterias internacionais, e até já temos filmes sequências como os americanos.
O cinema brasileiro ainda precisa de mais agilidade em todas as fases. Mais eficiência e menos burocracia na liberação dos recursos, mais recursos para formação de bons roteiristas, e também outros técnicos, e melhor distribuição com mais salas de cinema e cota de tela.
Por que os filmes “Julieta dos Espíritos” de Federico Fellini e “Crimes e Pecados” de Woody Allen são inesquecíveis para você?
Amo a liberdade interna do Fellini. É como se ele projetasse seus sonhos na tela. Às vezes sonho que estou entrando num estúdio em Cinecittà [complexo de teatros e estúdios situados na periferia oriental de Roma e responsável pela maior parte da produção cinematográfica italiana] e vendo um de seus cenários e daí no meio do sonho vejo que aquilo é um cenário criado por mim, mas quando acordo não consigo lembrar de como era. Seria muito bom poder acessar nosso consciente, pois, somos muito mais criativos dormindo do que acordados. Já Woody Allen me comove porque consegue dizer coisas profundas através da comédia. “Crimes e Pecados” é puro Dostoiévski [Fiódor Mikhailovich Dostoiévski; escritor russo 1821 -1881].
Em 2012 você dirigiu o longa-metragem “Quem se Importa” sobre os empreendedores sociais. Como foram escolhidos esses trabalhos e qual o impacto que você acredita ter deixado com esse filme?
Escolhi 18 nomes, depois de uma pesquisa extensa, na qual eu fui buscando pessoas com ideias inovadoras, de baixo custo e alto impacto social, que soubessem se comunicar bem e cujos trabalhos teriam imagens às quais eu teria acesso. Foi muito difícil escolher, porque tive que deixar de fora milhares de pessoas brilhantes, é por isso que estou pensando em fazer uma série de televisão, para justamente apresentar as várias iniciativas ao redor do mundo. Busquei em livros, internet e na rede Ashoka, um grande celeiro de empreendedores sociais. Com o filme, você passa a entender que os transformadores podem estar na área da educação, da saúde, do meio ambiente, dos direitos humanos, da economia, em qualquer área. O filme passa a mensagem de que todo mundo pode mudar o mundo não importa em que setor. Seja ele privado, governamental ou social. Qualquer pessoa pode fazer a diferença.
Uns dizem que é a falta de verba para a divulgação; outros que é a injusta divisão em salas de exibição. E para você, qual o principal motivo de não termos ainda mais pessoas assistindo os filmes nacionais?
Um pouco das duas coisas, mais a qualidade de nossas produções. Mas estamos pouco a pouco aumentando nosso market share. Seria maravilhoso chegar a 30% em 2015. Mas há uma hegemonia do cinema americano que domina todos os mercados, até na França o market share é de apenas 48.5% sendo que só os filmes americanos ocupam 41.6%.
Você sempre fala do impacto social do cinema. Acredita que a sétima arte deve ter sempre que possível, um papel social além do entretenimento puro e simples?
Temos espaço para tudo. Adoro o cinema de entretenimento. Sou como a Cecília de “Rosa Púrpura do Cairo” [filme de 1985 do cineasta norte-americano Woody Allen]. É um escape necessário. E tudo, mesmo o filme mais tosco, pode contribuir de alguma forma. Até para sabermos o que não fazer. Mas existem filmes que são feitos com o intuito de causar impacto social e geralmente são usados em escolas, conferências, empresas para este fim. Cada vez mais as corporações estão descobrindo este tipo de filme e os utilizando para transmitir valores e alinhar suas marcas com uma mensagem positiva. No exemplo de “Girl Rising” [filme que conta as histórias de nove meninas que vivem em países pobres e que enfrentam circunstâncias e dificuldades para ter acesso à educação] a Intel se parceirizou com a produção do filme e milhões foram colocados para conscientizar lideranças sobre a importância da educação das meninas em países pobres. E é justamente isso que estamos procurando fazer com o “Quem se Importa – Who Cares?” – nos parceirizar com uma grande empresa para levar o filme para as salas de aula promovendo o empreendedorismo social na educação.
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