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Marco Aurélio Mello fala sobre o papel do Supremo

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Marco Aurélio Mello graduou-se, em 1973, no curso de Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na qual também concluiu os créditos do curso de mestrado em Direito Privado, em 1982. Em 1975, iniciou sua trajetória profissional no serviço público, onde atuou na Justiça do Trabalho (1ª Região) como procurador do Trabalho substituto até 1978, quando se tornou juiz togado do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região por intermédio da quota reservada ao quinto constitucional (vaga destinada a membros do Ministério Público). Em 1981, assumiu o cargo de ministro do Tribunal Superior do Trabalho, e atuou como corregedor-geral da Justiça do Trabalho de 1988 a 1990. Teve várias passagens como ministro do Tribunal Superior Eleitoral, presidindo-o nos períodos de 13 de junho de 1996 a 1º de junho de 1997, 4 de maio de 2006 a 6 de maio 2008 e 19 de novembro de 2013 a 13 de maio de 2014. Como presidente do Tribunal, participou do processo de informatização das eleições brasileiras. Em maio de 1990, Marco Aurélio foi nomeado pelo presidente Fernando Collor de Mello, para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), em vaga decorrente da aposentadoria do ministro Carlos Alberto Madeira, tomando posse em 13 de junho de 1990. “A época é realmente de patrulhamento maior”, afirma o ministro.

Ministro, alguma coisa no horizonte, pode fazer com que as instituições parem de funcionar de uma forma harmônica?

Vivenciamos ares democráticos, ante a Constituição Federal de 1988. O sistema, considerados os Três Poderes, mostra-se equilibrado. Cada qual deve atuar na área que lhe é reservada. Isso vem ocorrendo, valendo ter presente sempre a autocontenção. Não há espaço para retrocesso democrático. Até mesmo considerada a corrupção, tem-se o funcionamento a contento das instituições – a Polícia, especialmente a Federal, o Ministério Público e o Judiciário. A quadra é alvissareira, sinalizando dias melhores para esta sofrida República.

Neste momento, o Brasil corre algum risco de ruptura, seja esta ruptura de ordem constitucional, social ou política?

Embora a quadra seja preocupante, presente o estágio de nossa economia – com verdadeira estagnação – e o desequilíbrio intenso do mercado de trabalho, com escassez de empregos e excessiva oferta de mão de obra, surge fora do contexto o risco de ruptura. Este somente existirá se instalado o caos, o que não acredito que venha a ocorrer, quando então ter-se-á o último recurso ao restabelecimento da paz social – a intervenção das Forças Armadas. Fora isso é especulação, é pressa demasiada visando a correção de rumos, esquecendo-se da necessidade de preservar, passo a passo, a segurança jurídica.

Em algumas de suas entrevistas, o senhor fala sobre o tema insegurança jurídica. O que poderia causar uma insegurança jurídica concreta?

A segurança jurídica pressupõe a observância de vários fatores. Em primeiro lugar, da Constituição Federal, que a todos, indistintamente, submete, inclusive ao Supremo. Em segundo, do sentimento reinante. A segurança jurídica, o respeito ao arcabouço normativo passa por uma visão ética e espiritual. É preciso que cada qual faça sua parte e que os brasileiros acreditem nas instituições públicas, na existência de homens que ocupam cargos para servir a sociedade, e não para deles se servir.

As decisões judiciais estão sendo contaminadas em algum ponto pelos chamados “poderes externos” ou por pressões da grande mídia?

A época é realmente de patrulhamento maior. De início, imagina-se que o ocupante de cadeira no Judiciário atue com equidistância, apenas se curvando à ciência e à consciência possuídas, fazendo-o com pureza d’alma e entendendo que a síntese de todas as virtudes é a coragem. Para isso está em uma cadeira que tem, como predicado maior, a vitaliciedade, embora sujeita esta última ao limite de 75 anos. Mas, por vezes, tem-se a adoção da postura politicamente correta. Isso consubstancia exceção a confirmar a regra sobre a equidistância. Quanto à mídia, importante é o domínio dos acontecimentos. Ela informa os cidadãos, em geral. Longe fica de exercer pressão considerado o Judiciário. Por vezes este precisa ser contramajoritário, para fazer prevalecente o ordenamento jurídico, a Constituição Federal.

Como analisa o trabalho do Supremo na atual e complexa conjuntura nacional?

Entendo-o da maior importância. No Supremo está a última trincheira da cidadania, da nacionalidade. Que cada qual dos integrantes, perceba a envergadura da cadeira e atue com a responsabilidade exigida.

Existe um certo ativismo jurídico em nosso país?

Tem-se a dualidade: a judicialização de temas e, por vezes, avanço demasiado, no que se deixa de observar o princípio da autocontenção. Extravasamentos não prejudicam o todo, mesmo porque existe um sistema recursal, excetuado o crivo da instância máxima do Judiciário. Daí a necessidade de constante policiamento, por cada qual. Em Direito, o meio justifica o fim, mas não este àquele. Quando essa máxima é colocada em segundo plano, vinga a babel e surge a insegurança jurídica.

O grande número de delações premiadas é prejudicial em algum ponto?

O instituto da delação premiada é positivo. Mas há de estampar espontaneidade. Delação premiada é colaboração para elucidar-se fatos passíveis de serem enquadrados como criminosos. Então, deve vingar a liberdade e, acima de tudo, a certeza quanto ao que ajustado. É inconcebível que se venha a fragilizar o homem – refiro-me às prisões provisórias – para alcançar-se a descoberta de participações de terceiros. Quando isso ocorre, tem-se o esvaziamento do predicado maior da colaboração – a espontaneidade –, correndo-se o risco de enfraquecimento do instituto da delação premiada.

O senhor afirmou que o Supremo é a última trincheira da cidadania. A sociedade tem consciência disso de modo geral?

Penso que sim, muito embora, em época de crise, como a atual, as cobranças sejam exacerbadas. A sociedade chegou a um grau de indignação muito perigoso. É importante aguardar-se o desfecho do devido processo legal, confiar-se no Judiciário, naqueles que o integram.

Por que acredita que houve tanta polêmica quando restabeleceu a situação jurídico-parlamentar do senador Aécio Neves?

A resposta está entrelaçada com a da pergunta anterior. O povo quer correção de rumos imediata e, então, passa a reclamar a justiça a ferro e fogo. Não se avança culturalmente assim. Aqueles que cometeram desvio de conduta devem pagar, devem prestar contas pelo que fizeram, mas isso passa, necessariamente, por um processo em que viabilizado, à exaustão, o direito de defesa. Descabe querer quadro de verdadeira inquisição, o desfecho de situações jurídicas de cambulhada, com risco incomensurável para todos.

Neste caso em especial, ainda existem reflexos do resultado das eleições presidenciais de 2014 que dividiu o país e que de algum modo contaminou a opinião pública?

Creio que não. A memória do eleitor não se projeta no tempo. O eleitor é imediatista. O que há no cenário nacional é uma decepção muito grande com a classe política, em geral. Avizinham-se eleições. Que cada qual perceba a importância do voto, escolhendo os melhores candidatos, que o representarão a seguir. Costumo dizer que a sociedade não é vítima, considerados os maus políticos, mas autora. Foi ela que os colocou nos cargos em que estão. Que haja a otimização das eleições em termos de depurar-se o cenário atual.

A Operação Lava Jato mudou o cenário da política brasileira?

Quando surgiu o Mensalão, imaginei que se estava diante do maior escândalo passível de existir. Enganei-me redondamente, no que vieram à tona dados na Operação Lava Jato. A importância maior da Lava Jato está no funcionamento das instituições, em afastar o sentimento de impunidade. Os desvios de conduta, as mazelas brasileiras não são mais escamoteadas, varridas para debaixo do tapete, graças a uma imprensa livre, até mesma investigativa, e à atuação das instituições. Estou certo de que os ocupantes de cargos públicos, doravante, pensarão duas vezes antes de darem um passo em falso, menosprezando a coisa pública, que a todos os brasileiros pertence.


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