O arquiteto e designer croata Marko Brajovic, é um nome em ascensão na arte cenográfica brasileira. Para quem não sabe, a Croácia é um país europeu formado a partir da antiga Iugoslávia. Saindo de lá, o designer já viajou o mundo, além de ter morado nas cidades de Veneza (Itália) e de Barcelona (Espanha). Estudou arquitetura e é especializado em tecnologia biomimética e interativa, cenografia, design de produtos, instalações multimídia, estruturas arquitetônicas e direção criativa. Em São Paulo, onde mora atualmente, ficou mais conhecido pela cenografia de várias exposições de artes, especialmente as de grande sucesso de público e crítica. No MIS (Museu da Imagem e do Som de São Paulo), esteve à frente das já famosas exposições do cineasta nova-iorquino Stanley Kubrick e do rockstar britânico David Bowie. “Sempre quando é coerente com a tipologia de projeto e com o caráter do cliente, usamos o conceito da biomimética como metodologia de projeto. Estudando a natureza, podemos encontrar várias soluções de projetos. Como os organismos se estruturam, organizam, proliferam, mimetizam, colaboram, etc…, nos permite sistematizar e instrumentalizar estes processos para usá-los de uma forma estratégica na fase de criação e de desenvolvimento de um projeto. (…) Tento manter um contato constante com a Floresta. A Amazônia é um templo do conhecimento”, afirma o designer.
Marko, antes de mais nada, nos fale resumidamente como foi o começo da sua carreira.
A minha carreira começou de forma orgânica. Me formei em arquitetura na Universidade de Veneza (Itália), uma universidade particularmente teórica. A questão da carreira, veio como uma consequência em trabalhar no que acreditava e achava que tinha sentido. Após me graduar numa viagem que fiz para Barcelona, abri o meu primeiro escritório colaborativo. Nunca quis trabalhar “para as pessoas” mais sim “com as pessoas”.
Goethe dizia que a arquitetura é a música petrificada. E você, como enxerga a arquitetura atualmente?
Enxergo a arquitetura como a música fluidificada. Trabalho com espaços de experiências onde a materialidade se transforma pela percepção do público numa experiência coletiva e multissensorial.
O seu primeiro contato no Brasil foi com a Floresta Amazônica. Existe algo em especial que leva para o seu trabalho, que vem daquele primeiro momento?
Tento manter um contato constante com a Floresta. A Amazônia é um templo do conhecimento. Uma designer de 3,8 bilhões de anos chamada “natureza” do qual temos muito que aprender, igualmente a sabedoria dos povos ancestrais que a habitam. Cada dia lembro da Floresta e fico inspirado para o meu trabalho. Gosto de pensar no futuro, gosto de pensar na Floresta Amazônica.
Você afirmou que um bom designer deve saber a origem de todos os materiais e ter a consciência de que é preciso usá-los de maneira inteligente. Sente que o mercado tem essa visão?
Não desenho para o mercado, o meu escritório desenha para as pessoas. As pessoas intimamente sabem a urgência e a importância de repensar como e o que compram. É salutar despertar nas pessoas um recíproco respeito e consciência sensorial com a natureza do entorno, e do próprio interior.
Em seus projetos de arquitetura, design e cenografia, você procura aplicar conceitos da biomimética como fez para o Sebrae Mato Grosso, onde se inspirou nas colmeias de abelhas. Fale mais sobre isso.
Sempre quando é coerente com a tipologia de projeto e com o caráter do cliente, usamos o conceito da biomimética como metodologia de projeto. Estudando a natureza, podemos encontrar várias soluções de projetos. Como os organismos se estruturam, organizam, proliferam, mimetizam, colaboram, etc…, nos permite sistematizar e instrumentalizar estes processos para usá-los de uma forma estratégica na fase de criação e de desenvolvimento de um projeto. Após me graduar em arquitetura me mudei para Barcelona onde fiz um mestrado hoje chamado de “Biodigital”. Aprendi a usar a tecnologia de desenho digital integrado com pesquisas na Biologia.
Você é o autor de um projeto incrível de um auditório flutuante no meio do Rio Negro em Manaus, onde foi realizada a TEDxAmazônia em novembro de 2010. Como foi a concepção?
Quando o meu atelier foi convidado para desenhar a cenografia do evento, pensei diretamente qual é o material que posso encontrar em Manaus para usar na concepção da mesma. Claramente a Zona Franca precisa de grandes embalagens e voilá! Decidi usar o papelão kraft reciclado. Usamos uma das maiores facas de corte de papelão do Brasil para criar mais de dois mil metros de cenografia inspirada pela estrutura de uma folha da Amazônia. Um processo de desenho biomimético com o resultado de uma cenografia bastante imersiva e sensual. A cenografia foi reciclada por completo por uma ONG local, fechando o ciclo.
Hoje todo o mundo fala sobre conceito de sustentabilidade, mas você não gosta muito da palavra conceito, pois, a mesma remete mais como publicidade em sua visão. Então, como o criativo deve associar o cuidado com a natureza ao seu trabalho, sem que isso pareça uma forma de propaganda?
A arquitetura e o design precisam ser entendidas como vocações e não só como profissões. A deontologia profissional antigamente era intrínseca na disciplina da arquitetura. A partir da revolução industrial, trabalhando numa cadeia produtiva, as disciplinas perderam a visão do todo e a respectiva responsabilidade tanto da origem como do fim do que estava se desenvolvendo. No século XXI numa visão pós-industrial, tanto o designer quanto o arquiteto, tem a liberdade e a responsabilidade do que se cria. É simplesmente entender a fundamental inter-relação entre estas duas palavras na nossa profissão (e não só): liberdade e responsabilidade.
O seu atelier foi o responsável pelo projeto arquitetônico das exposições de “Stanley Kubrick” e “David Bowie”. Como é desenvolver um trabalho desses, deixando a mostra com características únicas do seu trabalho, e, ao mesmo tempo, conservando passagens da carreira das personalidades de uma forma marcante, como, por exemplo, na multi-informação com cores vibrantes que estavam presentes na sala de Laranja Mecânica?
Cada trabalho define uma diferente estratégia de projeto. No caso da exposição do Stanley Kubrick, na concepção com André Sturm do MIS [Museu da Imagem e do Som de São Paulo] decidimos contextualizar o público nos sentimentos que o personagem principal sentia no respectivo filme. Cada sala é um fim e uma psicose. Tiramos o público da zona de conforto, de passivamente ver os conteúdos. Criamos situações extremas como, por exemplo, da Laranja Mecânica, onde o piso tem uma imperceptível inclinação que pode ao nível do inconsciente, desequilibrar o público. As mesmas psicoses se potencializam pelo mosaico das cenas das telas em sincronia com o som agudo, e com a paleta de cores complementares. Criamos esta específica condição psico-física, para que o visitante esteja aberto a receber e a entender, os conteúdos do trabalho de Stanley Kubrick. Criamos ambientes de experiência coletiva, onde o espaço e o tempo são as nossas interfaces narrativas.
O que não pode faltar jamais em uma cenografia?
Sem dúvida nenhuma a poesia.
Acredita que exista futuro para organizações que não pensam em seu negócio em um ambiente Triple Bottom Line [tripé de sustentabilidade, que engloba resultados de uma organização medida em termos sociais, ambientais e econômicos]?
Absolutamente não. Mas a mudança já está acontecendo, isso simplesmente por sobrevivência. Uma organização é um organismo social.
Parece que criar experiências para os seres humanos, é o que lhe fascina e que faz você manter a chama (do seu trabalho) acesa, é isso mesmo?
Cada dia nosso é uma história, pode ser um livro. Gosto de criar as cenografias para que cada pessoa, possa se sentir um ator cotidiano, estendendo a realidade e com isso, podendo escrever o melhor dos seus contos.
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