Mauricio Santoro é doutor em Ciência Política pelo Iuperj, professor-adjunto do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio Janeiro, onde integra a cátedra Sergio Vieira de Mello, parceria da instituição com o Acnur. Foi pesquisador-visitante nas universidades New School (Nova York) e Torcuato di Tella (Buenos Aires). Trabalhou na Anistia Internacional, no jornal O Globo e nos governos Federal e fluminense. Membro do conselho de política e comércio exterior da Associação Comercial do Rio de Janeiro e do conselho consultivo do Centro de Políticas Públicas Araripe. É autor do livro ‘Ditaduras contemporâneas’, da coleção FGV de Bolso – Série Entenda o Mundo, lançado pela Editora FGV. Este livro examina ditaduras na Ásia, África e América Latina, além de temas como o papel do nacionalismo e do fundamentalismo religioso na sustentação ideológica de regimes autoritários. Discute também o desempenho econômico muito diverso de vários tipos de ditaduras. “Estamos diante de um cenário global de grande incerteza, na qual serão necessários flexibilidade, capacidade de adaptação a circunstâncias difíceis, análise de conhecimento científico apurado, aplicações às políticas públicas das novas tecnologias e negociações de consensos sociais difíceis. Temos visto exemplos bem-sucedidos mundo afora em países como Alemanha, Coreia do Sul e Nova Zelândia”, afirma.
Mauricio, como avalia a atual conjuntura política do nosso país?
Desde 2013 vivemos um cenário de crise permanente no Brasil, marcada pela retração econômica e pela incapacidade dos líderes políticos em oferecer respostas às demandas sociais da população. Bolsonaro é apenas o capítulo mais recente desse turbilhão e só chegou ao poder pelas falhas sistemáticas dos moderados em atender às inquietações do povo brasileiro. Infelizmente, em função da pandemia, o presidente se vê diante de uma tragédia dupla para a qual não tem preparo: a crise da saúde pública e a recessão iminente. Ambas custarão muitas vidas e sofrimento ao Brasil.
A pandemia tem mostrado “a verdadeira face” do Governo Bolsonaro?
O filósofo espanhol Ortega y Gasset tem uma bela frase: “Eu sou eu e minhas circunstâncias”. A pandemia trouxe circunstâncias que tornaram mais nuas e cruas algumas das características essenciais de Bolsonaro. Digamos que ela aumentou o volume do Governo. Mas não criou nada de novo, nada que já não estivesse ali desde o início.
Se não houvesse pandemia, “a verdadeira face” do Governo seria ocultada em sua visão?
Provavelmente teríamos os mesmos problemas que vemos atualmente no presidente, apenas em uma escala e intensidade menores. A diferença é que a pandemia e a recessão tornaram o cenário muito mais trágico. Quantas milhares de mortes teremos no país, que teriam sido evitadas com uma administração eficaz do combate ao coronavírus? Quantas pessoas perderão o emprego ou serão reduzidas à pobreza, pelos erros na política econômica?
Analistas afirmam que o presidente Bolsonaro tem duas opções: se socorrer no Centrão ou cair. Isso é realmente possível?
O presidente fez a opção de comprar apoio político no Centrão para poder levar adiante a negligência da pandemia. Não era sua alternativa. Ele poderia, ao menos em tese, buscar entendimentos com grupos moderados e tentar uma coalizão mais ampla para enfrentar o coronavírus. Contudo, vale lembrar que a lealdade do Centrão é como o amor do poeta: eterno enquanto dura. Esse apoio pode desvanecer diante de uma queda de popularidade acentuada do presidente, que ameace as perspectivas de reeleição dos membros do Centrão.
Enxerga que o presidente está isolado?
Sim. Desde o início da pandemia o presidente enfrenta perda crescente de popularidade e divisões dentro da base de apoio que o levou ao Planalto, sobretudo o grupo que votou nele inspirado pela Lava Jato.
É possível governar o Brasil sem o jogo do toma lá, dá cá?
Não. Mas é possível colocar as barganhas políticas a serviço de um projeto nacional mais amplo, de promoção do desenvolvimento, redução da pobreza e das desigualdades. Nos últimos anos o que vimos foi tão somente o uso da corrupção para manter no poder uma elite que serve a si mesma.
Vamos falar um pouco de estratégias. Qual o papel das fake news nos embates políticos do país?
No Brasil, como em outros países, as fake news servem para mobilizar uma base de apoio eleitoral radicalizada e descrente da política tradicional e dos mediadores usuais do debate público, como a imprensa e as universidades. As novas tecnologias de informação ofereceram uma plataforma fértil para esse tipo de propaganda, que foram habilmente exploradas por muitos políticos, sobretudo os da nova onda populista global.
O presidente seria eleito sem esse expediente?
Sim. Em países como os Estados Unidos e o Reino Unido, a vitória de Trump e do Brexit foi muito apertada. No Brasil, Bolsonaro venceu por uma diferença grande de votos. Com ou sem fake news, acredito que o resultado teria sido o mesmo. Foi a expressão do profundo descrédito da elite política e dos moderados, e uma opção clara da maioria do eleitorado pela radicalização.
Existem pontos positivos no Governo?
A melhor política pública do Governo Bolsonaro é o Programa de Parcerias em Investimentos, que realiza um trabalho importante na modernização da infraestrutura do país.
Quais os fundamentos necessários para liderar num mundo tão complexo como o atual?
Estamos diante de um cenário global de grande incerteza, na qual serão necessários flexibilidade, capacidade de adaptação a circunstâncias difíceis, análise de conhecimento científico apurado, aplicações às políticas públicas das novas tecnologias e negociações de consensos sociais difíceis. Temos visto exemplos bem-sucedidos mundo afora em países como Alemanha, Coreia do Sul e Nova Zelândia. Infelizmente o Brasil se situa ao lado dos Estados Unidos na escala mais baixa dos erros e falhas entre as grandes democracias.
Quem tem esse perfil na política nacional ou mesmo na sociedade civil organizada?
Quem está na linha de frente do combate à pandemia no Brasil são os governadores estaduais. Mesmo alguns daqueles que se elegeram como parte da onda bolsonarista (Doria, Witzel) tem se mostrado gestores hábeis frente aos desafios atuais. Eles têm sido também mais influentes do que os líderes da oposição. Em momentos como estes as pessoas têm necessidades urgentes de respostas, de medidas concretas, mais do que palavras ou as já infames notas de repúdio da política brasileira.
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