Formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Miguel Reale Júnior tem forte atuação na área do Direito Penal. É professor titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP, e autor de diversos artigos publicados nos mais diversos periódicos. Atualmente exerce a cátedra de Direito Penal no Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da USP. Com a tese “Dos estados de necessidade”, doutora-se pela mesma universidade em 1971. Foi um membro da Comissão Elaboradora da Parte Geral do Código Penal e da Lei de Execução Penal entre 1980 e 1984, e é um membro honorário da cadeira nº 2 da Academia Paulista de Letras bem como da Real Academia de Jurisprudência y Legislacion madrilenha. Em 1987 torna-se presidente do Conselho Federal de Entorpecentes – COFEN, órgão ligado ao Ministério da Justiça. Em 1995, é feito secretário estadual da Administração e Modernização do Serviço Público no governo de Mário Covas. Finalmente em 2002, torna-se ministro da Justiça no Governo Fernando Henrique Cardoso por breve período. “A crise brasileira contamina toda a cena política. Partidos, lideranças, Tribunal de Contas estão comprometidos. (…) As circunstâncias políticas são diversas, mas estão se aproximando com o imenso desgaste da presidente não só junto à sociedade”, afirma o jurista.
Em 2003, o senhor afirmou que a redução da maioridade penal é uma resposta simplória ao problema da criminalidade dos menores de 12 anos. Continua a ter a mesma opinião?
Se a punição fosse o caminho para a redução da criminalidade, a lei dos crimes hediondos, com todos os delitos que foram se acrescendo teria reduzido o tráfico de drogas e o latrocínio, por exemplo. É a denominada “ilusão penal” mediante a qual se imagina reduzir o crime ao se aumentar a ameaça penal. Chega a ser ingênua esta posição, sendo sincero que é sim comodista, pois, se deixa de tomar medidas preventivas de Política Criminal, medidas de cunho social que incentivam a socialidade e o acesso a uma vida mais digna, especialmente nos bairros periféricos das cidades médias e grandes.
Quais os principais absurdos que o senhor vê na proposta que quer reformar o Código Penal brasileiro?
O projeto foi elaborado de afogadilho com imprecisões técnicas insuperáveis, seja na Parte Geral como na Parte Especial, sendo difícil especificar um erro, pois, as insuficiências se encontram na maioria dos artigos. O texto do substitutivo corrigiu alguns erros por nós apontados, mas deixou outros e criou novos.
Ainda tratando do assunto, a bancada evangélica diz que o Código é excessivamente liberal. Acredita que o Código é excessivamente liberal?
O Código Penal e a Lei de Execução Penal não são liberais. Liberal foi a sua aplicação, seja por decisões do Judiciário, seja por inação da Administração. Houve grande rigor penal acrescido pela novel legislação (lei de pouca idade). Sucede que na falta de regime semiaberto, por exemplo, passou-se a tratar esse regime como se o aberto fosse, em uma fragilização da repressão penal.
O senhor afirmou que não adianta querer o impeachment de Dilma Rousseff a qualquer preço como muitos querem. Falta informação para alguns grupos pró-impeachment e até para alguns cidadãos que gostariam que a presidente deixasse o poder?
A crise brasileira contamina toda a cena política. Partidos, lideranças, Tribunal de Contas estão comprometidos. Hoje cresceu a possibilidade de impeachment diante da falta total de legitimidade da presidente e o fato mais grave está nas pedaladas fiscais cujo valor, continuidade e reiteração no tempo nada tem a ver com eventuais adiantamentos feitos em Governos anteriores, mesmo porque o mais grave está na não consignação dos empréstimos como dívida em uma falsificação de dados contábeis.
Sendo um dos juristas que redigiu o pedido de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello em 1992, vê algo semelhante entre a crise que acabou com a chamada “República de Alagoas” e o momento delicado em que vive o Governo Dilma?
As circunstâncias políticas são diversas, mas estão se aproximando com o imenso desgaste da presidente não só junto à sociedade, mas também frente ao próprio Congresso. Mas, fato novo surge que é o comprometimento do próprio Congresso com as medidas criminais contra seus membros. É uma situação mais grave agora, pois, toda a cena política está contaminada.
Sempre quando o senhor faz uma crítica ao atual Governo, analistas pró-Governo afirmam que o senhor é o jurista do PSDB. Em que ponto essa atitude de alguns setores da mídia e de simpatizantes que transformaram às questões do país em um verdadeiro Fla X Flu, são prejudiciais ao consciente nacional?
Tomei posição ao longo da vida independente de partidos. Em 2005 coordenei o movimento “Da Indignação à Ação”, não tendo sido seguido pelo PSDB do qual vivo afastado, tendo apenas sido do comitê financeiro de Alckmin na campanha à presidência e agora chamado a opinar e preparar a representação ao Procurador Geral da República. Sou crítico do partido em muitas questões. Minha posição é independente. Deixei de aceitar o patrocínio de defesas no Mensalão e no Petrolão por entender que são crimes que comprometem a estrutura da democracia pela qual lutei. É uma questão de coerência de vida e não partidária.
O senhor disse que o parlamentarismo impede que as crises se avolumem e prejudiquem a vida do país. Acredita se o plebiscito de 1993 tivesse um resultado diferente, as coisas não chegariam a esse nível que estamos presenciando atualmente?
O Brasil precisa viver crises para encontrar o caminho que afugenta maiores dramas, ou seja, o parlamentarismo que foi tão profícuo em 1961 e 62. Tomara se conserte esse erro do presidencialismo que durante a maior parte do tempo não constituía o regime adotado nos trabalhos constituintes e imposto por negociação espúria do Planalto com alguns parlamentares no final da Assembleia Constituinte.
Como o senhor vê o atual momento do ministro da Justiça José Eduardo Cardoso, que chegou a dizer que estava “no limite?”.
Não é para menos. A presidente chega a reclamar com ele como não adiou com a Polícia Federal a prisão dos empresários da Odebrecht e da Andrade Gutierrez para depois de sua ida aos Estados Unidos. Perdeu-se a dimensão da liturgia do cargo presidencial. Coitado do ministro da Justiça.
A segurança jurídica corre algum risco em nosso país neste momento?
Correria se por conveniência política deixassem, por exemplo, de cumprir ordens do Supremo de Busca e Apreensão em casas de senadores.
Qual a sua visão sobre as MPs (Medidas Provisórias), pois, para alguns juristas, esse sistema está desmoralizado?
Houve já muita limitação imposta por reformas constitucionais e pela própria prática no Congresso. O ideal é não legislar por medida provisória e sim por projetos de lei com urgência constitucional.
Considera a Justiça brasileira a melhor dos três poderes constituídos?
É o que apresenta menos defeitos.
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