O genovês Demetrio Giuliano Mino Carta é um dos principais nomes do jornalismo brasileiro. Carta dirigiu as equipes de criação de publicações que fizeram história na imprensa brasileira, como “Quatro Rodas”, “Jornal da Tarde”, “Veja”, “IstoÉ” e “Carta Capital”, da qual foi fundador e ainda é diretor de redação. Dos jornais que ajudou a criar, apenas um não prosperou: o Jornal da República, fundado junto com Cláudio Abramo, que foi fechado por problemas financeiros. Em 2000, lançou o livro “O Castelo de Âmbar”, em que emprega sua verve num projeto literário-biográfico cuja personagem principal, Mercúcio Parla (um “homem extraordinário”, segundo sua secretária Camomila), pode ser seu alter-ego e no qual relata, de modo cáustico, o que considera o relacionamento promíscuo entre governantes, jornalistas e “barões da imprensa”. “Ser um barão da imprensa não é minha inspiração. Não é nem ser ético. O meu objetivo é praticar um jornalismo correto, que tenta elevar o leitor, com aquilo que eu chamo de “verdade factual”. A verdade factual, é aquela que você não pode contestar, entende? Se eu digo que o Lula foi o presidente do Brasil e no momento é a Dilma, eu estou apenas enunciando a verdade factual. (…) A bagagem cultural e intelectual dos nossos jornalistas é medíocre (friamente dito isso), enquanto Europa é Europa!”, afirma o experiente jornalista ítalo-brasileiro.
Como o senhor enxerga o atual jornalismo que é praticado no Brasil?
Os graúdos ganham mais do que os colegas do mundo pretensamente primeiro e os miúdos ficam a léguas de distância a viver o terror da demissão. Disso tudo, e razões outras, resulta um jornalismo de péssima qualidade. Quem tiver dúvidas, compare os produtos da nossa imprensa (jornais e revistas), com os similares europeus e alguns americanos. Os quais, aliás, nascem em redações bem menores e infinitamente mais competentes, ancoradas em profissionais que lidam com o vernáculo com desembaraço impensável por aqui, além de carregar uma bagagem inatingível nas nossas latitudes de estudo e leituras importantes, em lugar de inúteis diplomas.
Por que no Brasil não temos um jornal como o britânico “Guardian”, para contrapor aos jornalões “Folha de S.Paulo”, “Estado de S.Paulo” e “O Globo”, que de longe são os mais influentes do país?
Primeiro temos que analisar quem é que lê no Brasil. Quem lê é a minoria da minoria. Então essas pessoas acreditam neles (jornalões) confiando cegamente. É uma situação absolutamente normal daquilo que eu chamo de verdade factual. Falando do “Guardian”, tem outros jornais além do mesmo – que é excelente, aliás – como o espanhol “El País”, como o italiano “La Repubblica” e muitos outros. Agora, é claro que nós não podemos produzi-los, nem o teríamos, se tivéssemos efetivamente uma mídia e uma imprensa especificamente pluralista. Nós somos fracos. Fracos de língua, fracos na lida com o vernáculo, e fracos culturalmente. A bagagem cultural e intelectual dos nossos jornalistas é medíocre (friamente dito isso), enquanto Europa é Europa!
Quando o ex-presidente Lula assumiu o poder em 2003, ele disse ao senhor o que poderia fazer pela “Carta Capital”. Se fosse um aproveitador, poderia neste exato momento ser o mais novo barão da imprensa nacional. O jornalista ético falou mais alto naquele momento?
Ser um barão da imprensa não é minha inspiração. Não é nem ser ético. O meu objetivo é praticar um jornalismo correto, que tenta elevar o leitor, com aquilo que eu chamo de “verdade factual”. A verdade factual, é aquela que você não pode contestar, entende? Se eu digo que o Lula foi o presidente do Brasil e no momento é a Dilma, eu estou apenas enunciando a verdade factual. Que o Lula se despediu da Presidência com mais de 80% de aprovação popular, é a verdade factual. Agora na hora que eu digo: “O Lula é ótimo, é um gênio da lâmpada” (claro evidentemente exagerando) eu estou manifestando a minha verdade, que não é a verdade factual. Há quem possa contestar é lógico, e é sempre bom que haja contestação, o problema é que no Brasil não há. O que a grande mídia diz, em geral, é a sacrossanta verdade, o que é um absurdo, não tem contraditório… é uma mídia de pensamento único!
O senhor se decepcionou com o Governo Lula?
Não, eu não me decepcionei com o Governo Lula. Eu acho que o Lula poderia ter feito mais do que fez pelo social especificamente. Teve momentos que ele favoreceu demais o mercado. Há momentos que ele topou, digamos assim, o ingresso dos transgênicos no país, que é outra coisa, a meu ver, gravíssima. Foi muito mal no caso do Cesare Battisti (ex-terrorista italiano que o ex-presidente concedeu asilo político) que é apenas um reles bandido, e o próprio Mensalão. A história do Mensalão nós cobrimos de uma forma muito honesta, porque pagamento mensal aos parlamentares, isso não foi provado, mas é evidente que houve uma bandalheira ali no que diz respeito a Caixa 2, e a grana de empresários que entrou para favorecer interesses partidários. Agora, não foi provado o Mensalão. Esse pagamento mensal, etc… não foi provado, e eu acho que não houve honestamente dizendo. Houve uso de Caixa 2, que é uma coisa que já aconteceu em todos os Governos brasileiros, infelizmente… Acontece que o Lula é mais visado. Veja o que falam a respeito da ausência dele, no almoço realizado para receber o Obama, é mais um delírio.
Acredita que a presidenta Dilma Rousseff vai rezar na mesma cartilha?
Eu acho que ela vai seguir em grande parte. Que ela possa ter um estilo próprio é louvável! Nós já escrevemos na “Carta Capital”, que a Dilma tem condições de apresentar um estilo próprio, mas basicamente, as grandes linhas do Governo Lula serão mantidas e até ampliadas. Eu acredito que ela investirá no Plano dos Direitos Humanos, enfim, acho que ela terá medidas mais amplas em relação a certos temas, eu acredito.
O senhor afirmou uma certa vez que Roberto Civita (presidente da Editora Abril) é um idiota. Qual foi o fator crucial que o fez chegar a essa conclusão?
Desde sempre eu o considerei um idiota. Vou contar uma historinha que demonstra quem é Roberto Civita. Em 1960, tinha voltado da Europa, já que tinha ido para lá 4 anos antes. Era um menino de 26 anos de idade e estava prestes a lançar uma revista chamada “Quatro Rodas” na Editora Abril, e nós estávamos (era a segunda ou terceira vez que eu conversava com ele) na rua descendo uma calçada próximo à então sede da Editora Abril que era no centro de São Paulo. Do nada, ele me pergunta qual era o meu QI. Eu disse a ele que não sabia, porque nunca tinha feito um exame para saber qual era o meu grau de inteligência. Ele vira e me diz: “Como eu, só tem 3 a cada 25 milhões”. Eu perguntei, aliás, foi uma observação, não foi uma pergunta, o Brasil então naquela época, tinha 75 milhões de habitantes: “Quer dizer que além de você, só existe mais dois no Brasil…”, então ele me responde: “Mas pode não haver nenhum no Globo Terrestre!”. Esse é o Roberto Civita, um absoluto idiota. Essa história é verdadeira, tão verdadeira, que recentemente um amigo meu estava no hospital, estava sendo tratado e tal, e esse amigo me disse que um jovem médico disse para ele a mesma coisa, ou seja, depois de 51 anos ele continua falando as mesmas besteiras.
Há pouco mais de 42 anos era criada a revista “Veja”, hoje a maior semanal do Brasil. O que existe daquela “Veja” que o senhor fundou?
Aquela revista não existe mais, aquela revista acabou. Só existe o nome, e isso definitivamente!
Em uma certa ocasião, o senhor disse que os milionários paulistanos tomam vinho nos restaurantes dos Jardins pensando que estão em Nova York ou Paris. A elite nacional de uma forma geral não sabe onde está ou fecha os olhos para o país em que vive?
Ela não sabe onde está porque ela não tem nem mesmo o nível cultural para fechar os olhos para o país em que vive. Ela somente se acha!
A “Carta Capital” convive com problemas no que diz respeito à captação de publicidade para as suas páginas devido a sua linha editorial?
Olha, eu acho que um certo contraditório faz bem ao país, é a nossa pretensão de democracia na “Carta Capital”. Às vezes, encontramos alguns publicitários com uma mente mais aberta, mas na maioria das vezes não. Em cálculos precisos, posso dizer que a divisão de anúncios hoje fica em 65% de empresas privadas e 35% de empresas públicas, mas é evidente que ainda é difícil para essa turma compreender isso.
Em 2005, a “Carta Capital” publicou o anúncio: “Nada contra os coelhos, mas alguém têm que vigiar às raposas”, que falava da diferença entre a revista e suas três concorrentes diretas (“Veja”, “Época” e “IstoÉ”) que colocaram em suas respectivas capas, uma manchete sobre um recente best-seller do escritor Paulo Coelho, quando o fato do momento era o Caso Daniel Dantas. Essa maneira de desviar o assunto principal para o trivial, não seria um crime contra o consumidor de informações?
É um crime contra o Brasil! Desviar às atenções é o esforço da grande mídia. Às vezes manipulando; às vezes mentindo; e às vezes omitindo, mas sempre fazendo um grande esforço para distanciar o país em seu conjunto, ou seja, desviando à atenção da nação dos seus verdadeiros problemas. Digo mais, é um esforço concentrado e maciço. Essa turma não brinca em serviço. As grandes semanais se unem, pois, por trás de tudo isso, existe o interesse da minoria que está no poder, então todos se unem. Quando eles enxergam uma fumacinha no horizonte, ou sentem que aparecerá alguma coisa que na opinião deles pode tirar-lhes certos privilégios, eles intervêm com muita força.
A mídia impressa vai acabar ou isso é um tremendo papo furado, visto, por exemplo, a musculatura de um jornal como o japonês “Yomiuri Shimbun”, o maior jornal do mundo com seus 14 milhões de leitores diários?
Eu acho que surgem outros instrumentos que ainda não definiram bem o seu alcance. Esses instrumentos têm os seus lados claramente positivos, mas também têm seus lados claramente negativos. Eu acho que a mídia impressa fica. Ela tenderá cada vezes mais à análise, ao comentário, à observação aguda, coisas assim. Eu creio que isso é uma tendência que vai se acentuar, até porque já existe a televisão. Existem meios que cobrem os fatos com uma rapidez que é imbatível.
Muitas pessoas com quem nós conversamos, nos disseram que a “Carta Capital” é a melhor revista semanal do país. O que fazer então para ela vender mais do que as outras?
Olha, aí tem dois fatores. Digamos que se nós tivéssemos tido dinheiro para investir em três áreas muito importantes: a primeira é a distribuição, a segunda é autopromoção (quero dizer à publicidade), e a terceira são as assinaturas (quero dizer, montar uma campanha de assinaturas forte, ter muitas pessoas que lidam exclusivamente com isso). Bom, eu acho que hoje nós teríamos o dobro da tiragem que temos, não mais. O nosso limite é de 140 mil exemplares semanais.
Temos alguma novidade em curso do Mino pintor (que já vendeu mais de 300 telas) e do Mino escritor que não se desfaz da sua grande “amiga” Olivetti?
Eu estou escrevendo um livro que se chamará “O Brasil”, que em breve vocês vão ouvir falar muito dele. Quanto a uma exposição, eu parei de pintar quando a minha mulher adoeceu mais gravemente, já que ela carregava um câncer terrível. Nessa época eu estava preparando uma exposição que iria acontecer na cidade alemã de Düsseldorf, mas abandonei tudo para ficar ao lado dela e fiquei até a sua morte que ocorreu em abril de 1997. Quando ela morreu, faltou-me vontade de continuar pintando e então eu parei. Agora existem alguns marchands paulistanos que estão envolvidos em uma operação, para que eu venha expor não às obras inacabadas, mas aquela exposição que não ocorreu em Düsseldorf. Eles estão armando a minha exposição. Vamos dizer que é “A Exposição Que Não Houve”, e vai se chamar assim mesmo, e deverá acontecer em junho próximo.
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