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Mudanças do calendário eleitoral no ano de 2020

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O calendário eleitoral 2020 conta com diversas mudanças. Um dos mais importantes é o do registro de candidatura, que finalizou às 8h do dia 26 de setembro, de forma online. Após essa data, a entrega deverá ser presencial e agendada, por meio dos cartórios eleitorais. Além das datas, os partidos devem ficar atentos também às cotas. O professor da Pós-Graduação em Direito Eleitoral da Universidade Estadual de Londrina, Guilherme Gonçalves, alerta que “a tendência do Tribunal Superior Eleitoral é de que toda e qualquer quantia arrecadada pelo partido em ação coletiva, deverá destinar 30% do total para a cota de gênero. O partido que não levar isso a sério já vai sair perdendo”. A Justiça Eleitoral tem se empenhado para estimular o avanço feminino na representação política, buscando também nessa esfera a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Este ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fez um esforço extra como incentivo, e contribuiu com a disponibilização do Guia Acessível para a Candidatura das Mulheres, lançado pela ONG Visibilidade Feminina, em parceria com a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados. Em formato de cartilha, o material contém orientações do passo a passo para participar da disputa eleitoral, abordando temas que vão desde as campanhas eleitorais, filiação partidária, lançamento e registro de campanha, propaganda eleitoral, até financiamento e prestação de contas.

Guilherme, quais são as regras eleitorais que não tínhamos nas eleições passadas e que teremos em 2020?

Além da mudança evidente a respeito do calendário eleitoral por conta da Covid-19, e essa alteração por si só (através da Emenda Constitucional 107) acaba provocando várias mudanças, o que é mais notório e notável que podemos destacar nesse momento é:

1º: Será a primeira eleição que serão proibidas as coligações proporcionais. O partido vai ter que lançar os seus candidatos próprios acabando com aquele fenômeno que o partido menor lançava uma ou duas candidaturas apoiando-se na base dos partidos maiores (com mais militância) e os partidos com pouca representatividade utilizando dos votos de outro partido coligado, acabava elegendo outro representante. Essa é uma mudança substancial.

2º: É a primeira eleição onde todas as chapas estão sob a condicionante, com aquela nova interpretação a respeito das consequências para o descumprimento da cota de gênero normalmente para mulheres, ou seja, já está claro que aquele partido não pode coligar e lançar candidaturas do gênero feminino ou vice-versa (o que é muito difícil) apenas para aumentar a cota de candidatos do outro gênero. Essa fraude se for descoberta e provada, gera cassação da chapa na totalidade, o que na minha opinião deve provocar o que vínhamos assistindo que é um maior respeito as essas políticas de empoderamento feminino.

3º: Outra mudança muito importante: com o atraso das eleições, teremos no Brasil a primeira eleição onde os candidatos (mesmo os proclamados eleitos) serão diplomados sem que a sua prestação de contas tenha sido apreciada pela Legislação Eleitoral. Normalmente numa eleição que se realiza no primeiro domingo do mês de outubro, ao chegar a diplomação que normalmente se faz a partir do dia 15 ou 16 de dezembro, os candidatos já tem as suas contas apreciadas pelo menos por uma das instâncias da Justiça Eleitoral, permitindo que sejam feitas adaptações e correções. Nas eleições municipais de 2020, as contas vão ser apreciadas só em janeiro. Os candidatos têm que entregar as contas até o dia 15 de dezembro, mas dificilmente a Justiça Eleitoral vai apreciar essas contas antes de 18 de dezembro que é a data da diplomação. Qual é a importância disso? Normalmente nas prestações, é possível regularizar muita coisa. Como o candidato vai ser diplomado e só depois vai ter suas contas apreciadas, acredito que isso vai provocar uma instabilidade muito grande por se tratar de eleições municipais, com regras muito complexas. Isso pode provocar algum tipo de dança, troca de cadeiras ou realização de novas eleições.

Por último, vamos ter as primeiras eleições onde tem uma definição jurídica clara e uma atuação muito contundente da Justiça Eleitoral no combate das chamadas fake news. Acredito que também nesse campo da propaganda eleitoral e da liberdade de expressão na internet, por conta do advento de uma tecnologia que a cada dia se multiplica na sua capacidade tanto de fazer o bem de certa forma (ampliando a comunicação), mas também de proporcionar notícias falsas. Creio que nessas eleições vamos ter bastante controvérsia e situações relativas ao combate as fake news e até talvez prisão por conta do abuso das redes sociais sobretudo por envio dessas fake news.

O senhor ainda considera que a atual Legislação favorece quem está no poder?

Considero que sim. Desde 1997, nós temos o fenômeno da reeleição. O próprio presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi o responsável por articular politicamente a Emenda Constitucional que produziu a reeleição no nosso Direito Eleitoral, reconheceu recentemente que talvez tivesse sido mais eficiente aumentar os mandatos executivos, sem reproduzir a reeleição… em algumas sociedades isso é bastante comum e interessante. Nos EUA é uma tradição de quase 300 anos de reeleição, e lá já se sabe que quando o candidato entra vai tentar a reeleição. Mas mesmo nos EUA, temos a chamadas “midterm elections”, que são as eleições de meio de período, que permitem ao presidente eleito ou reeleito, avaliar e ser avaliado pela votação que o partido recebe nessas eleições de meio de mandato. Então, a reeleição obviamente favorece.

Como isso pode ser mudado?

A Legislação ainda que traga uma série de proibições no capítulo das chamadas “Condutas Herdadas”, não consegue tirar o protagonismo de quem está no poder. Ele [candidato que está no poder] tem acesso maior aos meios de comunicação e a própria exposição natural que o fato de estar à frente de um mandato parlamentar ou do Executivo coloca. O sujeito que se encontra já à frente do exercício do cargo, também vai ter mais capacidade de agregar e usar do poder político mesmo de forma legítima para defender as suas pretensões. Acredito que a melhor maneira de acabar com essa vantajosidade de quem está no exercício do poder, é justamente abrindo, desregulamentando e deixando mais livre a possibilidade do debate político. Costumo dizer (e insisto) que nós temos uma Legislação Eleitoral que é amplamente esquizofrênica, porque no que pertine as formas tradicionais de comunicação (propaganda de rua, jornais impressos, TV e rádio) como concessões de serviços públicos, ela está completamente obsoleta. Não tem nenhum sentido hoje proibir a pessoa de pintar seu muro, de não usar outdoor… porque de outro lado tenho o poder das redes sociais.

O fim das reeleições mudaria o cenário em algum sentido?

De um lado tenho a Legislação dos instrumentos de liberdade de expressão, comunicação e propaganda tradicionais… do outro no que diz respeito as redes sociais, a internet, a capacidade de difusão de fake news, disparos em massa, dark posts e outros fenômenos recentes. Basta você assistir a dois documentários e você tem vontade de se isolar num casulo de chumbo de tão ameaçador que parece. Um documentário é “Privacidade Hackeada”, sobre o escândalo da Cambridge Analytica. O outro é “O Dilema das Redes”, que demonstram a capacidade que as redes sociais têm de manipular o convencimento de cada um de nós. Portanto, nos casos das redes sociais, isso favorece quem está no poder tendo a ineficácia absoluta da Legislação. Está na hora de fazermos uma grande reflexão e rever completamente nosso sistema de regulação da liberdade de expressão das ideias politicas e da propaganda eleitoral para que tenhamos uma maior igualdade de oportunidades. Me parece que a eliminação da reeleição, seria um passo importante nesse sentido, além da revisão completa da Legislação Eleitoral no que diz respeito a questão da propaganda eleitoral ou do período de pré-campanha e outras situações que temos nisso.

As eleições deste ano ainda não serão com a biometria devido à pandemia. Quais seriam os avanços desse novo sistema, na prática?

A biometria seria digamos, o ponto culminante da eliminação absoluta da possibilidade de fraude no sentido da preservação da integridade do princípio do cada cidadão um voto, já que a biometria impede que se use de algum artifício para que aquele eleitor que se identifica como tal, não seja efetivamente aquele que vai votar. Não me parece que o adiamento da biometria vai ter consequências tão graves, porque os outros instrumentos também já se provaram eficientes na medida que tem um sistema eletrônico de votação (um documento de identidade com foto, não é tão eficiente e tão ágil quanto a biometria). Me parece que é correta, proporcional ou razoável, que tendo em vista o risco ou os testes que o TSE fez comprovarem que após quarenta ou cinquenta usos, o leitor biométrico com álcool em gel perde a capacidade de ler. Então que se faça normalmente as eleições e que retomemos a biometria talvez de forma completa a partir de 2022, destacando que a base de dados de identificação mais confiável que nós temos no Brasil é o título eleitoral. É mais confiável que o CPF e mais confiável que o RG, sendo até mais confiável que a CNH. Já ouvimos falar de falsificação de carteira de identidade, CPF e CNH, mas é muito difícil verificar alguém que falsificou um título eleitoral. Não é atoa que o projeto chamado “Cédula Única de Identificação” quer utilizar da base de dados da Justiça Eleitoral como o seu mecanismo fundamental de base. Infelizmente não podemos usar a biometria, mas julgo que esse é um avanço que veio para ficar.

Os partidos precisam destinar 30% das quantias arrecadadas para a cota de gênero. Fale um pouco mais sobre isso.

Essa é uma decisão do TSE de exigir não 30%, já que 30% é o mínimo… Se uma chapa tiver 42% de mulheres, os recursos do Fundo Partidário, do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e da arrecadação coletiva, tem que ser distribuídos equitativamente considerando a efetiva porcentagem das mulheres. Penso que isso é um avanço muito importante, tal qual é um avanço também de se permitir que as candidatas mulheres tenham um acesso ao horário eleitoral gratuito de rádio e TV na mesma proporção das candidaturas dos homens. Cabe a esfera de autonomia de cada partido limitar como isso será feito (se vai distribuir entre todas as candidatas mulheres ou vai prestigiar as que tem mais chances de eleição). Pela nossa Constituição isso é um problema interno dos partidos (a Justiça Eleitoral não tem como entrar nisso). É outro avanço, que aponta que não há mais possibilidade de retrocesso nas políticas de afirmação e de participação das mulheres nos cargos proporcionais. Particularmente sou a favor de uma reforma mais radical. Por mim, fazíamos uma reserva no Parlamento e não reserva de candidatura. Os partidos teriam que preencher as cadeiras de acordo com a proporção. Em vez de 30% de candidatura, porque não 30%, 40%, 50% das vagas numa Câmara Municipal, numa Assembleia no Congresso, reservadas as mulheres? Certamente os partidos iam se ver obrigados a constituir e investir em lideranças femininas. Até lá o que temos já é um avanço bastante relevante considerando o que nós tínhamos há 12 ou 14 anos.

É possível fiscalizar esse termo para que isso seja cumprido à risca?

Acho absolutamente tranquilo a fiscalização disso. É um dado até contábil. O investimento é possível de se medir. Os fundos são de origem pública, já que são recursos públicos, portanto, além das consequências eleitorais, se houver desvio de finalidade desses recursos, os partidos ou candidatos responsáveis podem responder por improbidade e a fiscalização do tempo de rádio e TV é absolutamente tranquila. Até porque além das próprias mulheres dos próprios partidos interessarem a exercer esse direito, você tem a fiscalização recíproca de outras forças políticas e do próprio Ministério Público. Acredito que quem fraudar e quem não distribuir recursos adequadamente vai ter muita dor de cabeça, podendo enfrentar consequências seríssimas.

A participação das mulheres será maior nessas eleições?

Acredito que ainda é pouco (mas é necessário). Tenho a mais certeza de que vamos assistir mais parlamentares e prefeitas eleitas nessa eleição do que nas anteriores. Se nós pegarmos o ano de 2018, onde isso foi levado mais a sério, nós saltamos de 11 para 14% de mulheres no Congresso Nacional. É muito pouco, mas ainda é melhor que nada. E talvez o que seja ainda mais simbólico da eficácia desse tipo de política, seria o fato de na campanha presidencial de 2018, todas as candidaturas relevantes ou eram candidatas mulheres (na caso da Marina Silva) ou tinham candidatas a vice-presidência do sexo feminino. O único que não seguiu essa regra foi o Jair Bolsonaro que acabou sagrando-se presidente. Mas todos os partidos relevantes do Brasil lançaram candidatas a vice-presidência e também a candidata Marina Silva foi cabeça em sua chapa. Não tenho dúvida que é um caminho. Talvez seja um avanço tímido, mas é um avanço.

Quais são os estímulos da Justiça Eleitoral para um maior avanço feminino na representação política?

Além da questão da cota, além da questão dos recursos, além da questão do horário de rádio e TV, os TREs e o TSE são muito contundentes em propor cursos, em fazer convênios com ONGs além de ter espaços para entidades específicas que fazem cursos e preparações, incentivando que as mulheres participem de fato e não apenas de direito e que não estejam lá apenas para participar e fazer de bonito, mas que elas possam disputar na maior igualdade de condições possíveis com os homens para ocupar os espaços de poder.

Esses estímulos estão dentro daquilo que você considera como ideal?

Não, não considero ideal. Considero que são estímulos importantes, mas se dependesse da minha opinião, eu avançaria para a reserva de cotas de cadeira. Que 30% do Parlamento, seja numa Assembleia Legislativa, seja numa Câmara Municipal ou numa Câmara dos Deputados, pudessem ser reservados para serem preenchidos por mulheres. 30, 40 ou 50% das cadeiras. Tenho um argumento que mais do que ter uma simpatia digamos de natureza pessoal ou por convicções ideológicas de posicionamento político a respeito disso, tenho um dado que é científico. Entre as dez democracias mais desenvolvidas (e que não atoa são de países de primeiro mundo), existe uma característica que os identifica, além de serem democracias, que é o fato da participação das mulheres ser algo permanente, habitual e em proporções adequadas ou em proporções exatamente que refletem a distribuição da própria sociedade entre homens e mulheres. Se pegarmos os países nórdicos (Noruega, Islândia, Suécia, Dinamarca, Nova Zelândia e Canadá), em todos esses países com alto desenvolvimento democrático, a presença das mulheres em postos executivos e parlamentares da mais alta importância é comum. Lá não precisa fazer política afirmativa porque o primeiro-ministro ou a presidente do Parlamento ser homem, ou mulher é uma coisa habitual. Há um equilíbrio na participação feminina. Não me parece atoa, que países que tem essa característica sejam tão desenvolvidos. Acredito que isso é uma medida que nem o mais empedernido machista quer viver num país ruim, injusto e com tanta miséria. A não ser que seja um sádico maluco!

Quais os países ocupam as melhores e as piores posições de representatividade feminina na área?

Por incrível que pareça os melhores países que tem a melhor representatividade feminina são as democracias mais avançadas. O caso do Brasil é um caso a parte. O Brasil pode ser considerado uma democracia de fato, desde o fim da Ditadura Militar em 85, podendo se utilizar como marco a eleição de 89 e mesmo assim, ainda temos um baixíssimo índice de representação feminina desproporcional com essa história de afirmação democrática. O Brasil para termos uma ideia, tem menos mulheres no Parlamento do que Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e países da África que às vezes são países de convicção muçulmana onde existe o machismo institucionalizado. Por isso entendo que aqui as medidas deveriam ser mais contundentes. Teria que ser reserva de cadeira e não só reserva de candidatura.


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