Advogado, jornalista e cientista político, Murillo de Aragão, é presidente da Arko Advice Pesquisas e sócio da LRCA Advogados. Entre 1992 e 1997 foi pesquisador associado da Social Science Research Council (Nova York). Foi membro do “board” da International Federation of the Periodical Press (Londres) entre 1988 e 2002. Foi pesquisador da CAPES quando doutorando no CEPAC/UnB. Autor dos livros “Grupos de Pressão no Congresso Nacional” e “Reforma Política – O Debate Inadiável”. É membro da Associação Brasileira de Ciência Política, da American Political Science Association e da Internacional Political Science Association, além de membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República desde 2007. “São partidos do universo da esquerda. O PSDB é um partido de centro-esquerda com viés de centro, e o PT é uma frente de esquerdistas de várias tonalidades com viés de esquerda. Ambos gostam do Estado, do poder intervencionista, do Estado regulador. O PSDB, por conta da aventura do Plano Real, está alguns passos adiante no que tange ao setor privado. O PT está aprendendo. (…) O Brasil não é um lutador completo. Tem grandes qualidades e grandes defeitos. Se fôssemos completos seríamos – de longe – um país de grande riqueza e poder. Falta ao Brasil o sentido de urgência de que necessitamos para vencer muitos obstáculos”, afirma o cientista político.
Todas as pesquisas realizadas até agora dão como certa a vitória da presidente Dilma Rousseff ainda no primeiro turno das eleições deste ano. Podemos dizer que só um tropeço de grande escala tira a reeleição da atual mandatária?
Dilma é a favorita e, em condições normais, depende apenas de si mesma para vencer. No entanto, sempre acontecem surpresas. E as surpresas podem mudar as tendências. O Brasil de hoje é cheio de surpresas. Basta lembrar as manifestações de junho de 2013 e os conhecidos “rolezinhos” de hoje em dia. Há fatores de risco que não podem ser desconsiderados. Em primeiro lugar, Dilma Rousseff precisa estar atenta ao desejo de mudança existente no eleitorado. Segundo o Datafolha (final de novembro de 2013), quando questionados sobre as ações do próximo presidente 28% dos entrevistados responderam que esperam “que sejam iguais”, e 66% querem “que sejam diferentes”. Esses percentuais são próximos dos registrados em 2002, no final do Governo FHC, quando 15% mostravam desejo de continuidade (“que sejam iguais”) e 76% optavam por mudança (“que sejam diferentes”). Há também problemas na economia, em especial, a inflação.
Há três anos, o senhor afirmou que o Brasil era como um lutador de boxe que não era completo em suas qualidades. Continua com essa análise?
Isso mesmo. O Brasil não é um lutador completo. Tem grandes qualidades e grandes defeitos. Se fôssemos completos seríamos – de longe – um país de grande riqueza e poder. Falta ao Brasil o sentido de urgência de que necessitamos para vencer muitos obstáculos. Temos um Governo de pouco brilho e uma oposição débil. O debate, de maneira geral, é pobre e reflete nossas amplas deficiências. Somos muito menos do que poderíamos ser e ainda não nos demos conta de nosso real potencial.
O que distingue os dois principais partidos da corrida eleitoral (PT e PSDB), já que hoje eles se equivalem em muitos pontos?
São partidos do universo da esquerda. O PSDB é um partido de centro-esquerda com viés de centro, e o PT é uma frente de esquerdistas de várias tonalidades com viés de esquerda. Ambos gostam do Estado, do poder intervencionista, do Estado regulador. O PSDB, por conta da aventura do Plano Real, está alguns passos adiante no que tange ao setor privado. O PT está aprendendo. Vale dizer que o “lulismo” é mais moderno que o “petismo”, por conseguir trabalhar melhor as contradições que se apresentam no dia a dia da gestão pública. PSDB e PT são exemplos claros da hegemonia do centro-esquerdismo no Brasil. O PMDB, mesmo sendo o maior partido, é um partido regional e com características de frente. Os demais são adereços partidários com pouca diferença ideológica ou pouca relevância. Ou, ainda, ambos.
Por que a reforma política nunca sai do papel?
Porque os políticos não querem aprová-la. Simples assim. Não interessa à classe política. Uma ampla reforma política age contra os interesses dos políticos. Ao establishment político não interessa as mudanças que podem ocorrer com uma reforma. Temos um Congresso Nacional altamente fragmentado, com cerca de 20 partidos políticos, muitos pequenos ou médios. Eles seriam os mais afetados pelas reformas. Por isso se juntam, para evitar andamentos consistentes e avanços relevantes. O sistema político nacional é uma traição aos ideais democráticos.
O senhor afirmou que a cultura brasileira de financiamento de campanhas é problemática. Fale mais a respeito.
Evidente que é problemática. De um lado, recursos de grandes empresas. De outro, o dinheiro público. Não deve ser assim. Defendo que a política seja financiada pelo cidadão. O dinheiro público deve ser minimamente empregado nos partidos. A campanha deve ser financiada pelos militantes e simpatizantes. Apenas assim teremos o político nas ruas junto do povo. Não concordo que a política seja 100% financiada pelos cofres públicos. É quase tão ruim quanto ao atual modelo. Com dinheiro público, os partidos vão virar as costas para a cidadania e tratar o eleitorado como prioridade apenas nas campanhas. Política partidária deve ser feita antes, durante e depois das eleições. Partidos devem ser organismos vivos de debate. E não instituições burocráticas que vivem adormecidas até chegar os tempos das eleições. Além do mais, a fiscalização do dinheiro do fundo partidário era, até bem pouco tempo, precária. Ninguém sabe direito como se gasta.
Todas as nações que tiveram um certo êxito sempre tiveram grandes lideranças. Às vezes, dá a impressão de que o Brasil carece de líderes. O senhor também tem essa visão?
Nossos líderes estão envelhecendo. Poucos jovens estão dispostos a ir para a política. Preferem tentar ser jogadores de futebol, economistas ou celebridades. No final das contas, seremos mandados por aqueles que gostam da política. Não necessariamente pelos melhores quadros que temos em nossa sociedade. Talvez tenhamos que viver graves crises para que as lideranças que necessitamos apareçam.
Alguns dizem que o ministro Joaquim Barbosa passa dos limites, outros entendem que ele cumpre muito bem o seu papel. Com qual dessas duas visões o senhor concorda?
Tanto como relator do Mensalão quanto como presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Barbosa cometeu exageros que não ficam bem. É uma figura complexa e extraordinária. Mas poderia ter feito tudo o que fez com menos espalhafato e sem dar a impressão, aos que entendem os meandros dos processos judiciais, de que ele forçou a barra algumas vezes. Em que pese o Mensalão ser uma galeria de crimes, houve desequilíbrios em algumas condenações. Como nossos grandes líderes, Barbosa tem virtudes e defeitos maiúsculos.
Trinta e dois partidos no país não é demais?
O problema não é somente o número de partidos políticos, mas a regra que permite que micro legendas tenham funcionamento parlamentar. O Congresso chegou a aprovar uma cláusula de desempenho, para evitar que partidos sem caráter nacional tivessem certas limitações na sua representação na Câmara. Mas, infelizmente, o STF declarou isso inconstitucional. Ter um Parlamento com cerca de 20 partidos políticos realmente não é bom para a governabilidade. O bipartidarismo não é bom. Mas a fragmentação excessiva é ainda pior.
Como o senhor vê a atuação do ministro Guido Mantega no Ministério da Fazenda?
O Brasil demora a fazer o que deve ser feito para ser um dos melhores lugares do mundo para se investir. Corremos o risco de sermos rebaixados pelas agências de risco por conta de erros na política econômica. Hoje o Governo critica as agências de risco. Mas ontem, quando ganhamos o grau de investimento, o próprio presidente Lula afirmava que isso era um reconhecimento da seriedade do país. Creio que Mantega tem boas intenções, mas seu desempenho depende de todo o Governo.
Quais os principais acertos e erros das administrações anteriores do Governo atual, ou seja, de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) e de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011)?
Cardoso nos trouxe o Plano Real e uma mentalidade de respeito aos fundamentos fiscais. Lula manteve os fundamentos de Cardoso e avançou na distribuição de renda e no combate à pobreza. Ambos foram, com todos os defeitos e virtudes, grandes presidentes. Nos faltam “lulas” e “fhcs”. Vivemos um período em que nos faltam grandes nomes para a política. Ainda vivemos há sombra de figuras dos tempos do Regime Militar. Aécio Neves e Eduardo Campos surgem como nomes mais novos. Tanto Cardoso quanto Lula cometeram o mesmo pecado: não foram mais radicais com as reformas que necessitamos. Em ambos, o ímpeto reformista foi contido pela “politicagem”. Não souberam transformar a popularidade elevada que usufruíram em mais avanços. Por outro lado, Cardoso teve o grande mérito na construção e viabilização do Plano Real que colocou o Brasil em outro patamar. Nos deu uma moeda que não tínhamos e controlou a inflação. Lula manteve muitos dos ganhos do Real e avançou no combate à desigualdade. Foram grandes presidentes com virtudes e equívocos maiúsculos.
Muitos esquerdistas acusam os grandes veículos de comunicação do país de serem anti-PT. Isso acontece de fato ou essa afirmação não faz sentido?
De certa forma, sim. Mas o PT, pelo seu lado, jogou na política do confronto. Quem é atacado tende a se defender. Mesmo assim, a grande mídia nunca tentou, de forma aberta, destruir os Governos do PT. Mesmo porque eles próprios se encarregaram de se meter em enrascadas. Por exemplo, os casos Carlinhos Cachoeira, o Mensalão, a primeira demissão de Palocci, o escândalo dos aloprados, o escândalo Erenice Guerra, o escândalo Rosemary, a segunda saída de Palocci… Nada foi inventado pela imprensa. Aconteceu dentro dos arraiais do Governo. Por outro lado, existem setores da imprensa que demonstram picuinha e tentam desvalorizar os sucessos alcançados. É uma relação conturbada.
O que falta para o Brasil avançar de forma consistente?
Nossas lideranças deveriam acreditar na imensa capacidade empreendedora do povo brasileiro. Nossos governantes, em todas as esferas, deveriam fazer o possível para que o Brasil fosse um dos melhores lugares do mundo para se investir. Basta olhar o ranking “Doing Business” do Banco Mundial para ver que, em termos de ambiente de negócios, estamos em um patético 116.º lugar entre todos os países. Temos que reduzir a burocracia, a carga tributária, simplificar a legislação trabalhista, melhorar a infraestrutura, manter a oferta de crédito elevada, investir para atender a demanda crescente do mercado consumidor. O mapa para o desenvolvimento já está disponível. Falta conhecimento, competência e coragem.
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