Nelson Motta, um dos maiores cronistas da música popular brasileira, viveu uma vida repleta de encontros marcantes, histórias fascinantes e influências transformadoras, o que lhe rendeu o apelido de “Forrest Gump do Brasil”. Assim como o personagem de Tom Hanks no icônico filme de 1994, Motta esteve presente em muitos dos momentos históricos e culturais mais importantes do Brasil, sempre de maneira quase incidental, mas com um papel relevante. Ele foi muito mais que um observador: Motta influenciou, escreveu, produziu e ajudou a definir a cultura brasileira em múltiplas frentes, desde a música até o jornalismo, o cinema e a televisão. Vamos explorar os principais momentos dessa carreira multifacetada e como ele deixou sua marca.
Nelson Motta iniciou sua trajetória como jornalista, mas desde cedo demonstrou uma profunda paixão pela música. Nascido em São Paulo em 1944, ele logo se mudou para o Rio de Janeiro, onde começou a frequentar os bares e rodas de samba da boemia carioca. A década de 1960 foi um período de efervescência cultural no Brasil, com a ascensão da Bossa Nova e o surgimento de novos movimentos musicais, como a Tropicália. Nelson, com seu faro jornalístico aguçado, logo se viu no centro desse turbilhão.
Trabalhando como crítico de música em grandes veículos de imprensa, como a Revista Veja, a Última Hora e o Jornal do Brasil, ele foi um dos principais articuladores da crítica cultural do país. Seus textos ajudaram a consolidar artistas como Elis Regina, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque. Ele não apenas escrevia sobre música, mas também compreendia profundamente os processos de criação artística, o que lhe permitiu ser um mediador entre o público e os artistas.
Um dos momentos mais icônicos da carreira de Nelson Motta foi sua parceria com Marina Lima, para quem ele escreveu diversas canções que marcaram a música brasileira nos anos 1980, como “Veneno (Veleno)“. Sua habilidade com as palavras, seu senso de ritmo e sua compreensão do que funcionava musicalmente permitiram que ele colaborasse com vários artistas, não apenas como letrista, mas também como produtor musical.
Nelson Motta teve a capacidade de conectar diferentes universos musicais, unindo a tradição da MPB com novas influências que surgiam a cada década. Ele produziu espetáculos importantes para artistas como Gal Costa e ajudou a moldar o som da música popular brasileira durante as transformações estéticas que ocorreram ao longo do final do século XX. Motta sempre esteve na vanguarda, seja por suas colaborações, seja por sua abertura ao novo.
A década de 1970 trouxe a ascensão da música disco no mundo, e Nelson Motta foi um dos primeiros no Brasil a perceber o potencial desse movimento. Ele foi o responsável por introduzir o ritmo nas pistas de dança brasileiras e criou um dos primeiros grupos brasileiros a trabalhar com o estilo: Frenéticas. O sucesso estrondoso de hits como “Dancing Days” transformou o grupo e o disco em fenômenos culturais.
O impacto de Nelson Motta no universo da música disco brasileira não pode ser subestimado. Ele entendeu que essa era uma forma de música feita para o entretenimento e o lazer, algo que o Brasil ainda não havia explorado amplamente em sua indústria fonográfica. Motta se inspirou nos grandes clubs de Nova York e adaptou essa nova energia para o público brasileiro, criando um espaço de celebração e diversão, especialmente em um momento de repressão política no país.
A mente criativa de Nelson Motta não se limitou à música. Ele também se envolveu com cinema e televisão, atuando como roteirista e produtor de programas inovadores. Um dos seus maiores sucessos na televisão foi a criação de “Armação Ilimitada”, série que fez grande sucesso nos anos 1980, trazendo um estilo inovador de linguagem televisiva e narrativa que dialogava com o público jovem. Também foi colunista cultural do “Jornal da Globo” de 2008 a 2023.
No cinema, Nelson Motta escreveu roteiros e contribuiu para a produção de filmes que retratavam a realidade brasileira de forma crítica e, ao mesmo tempo, divertida. A sua visão de mundo sempre foi plural e aberta a novas experiências. Ele era capaz de transitar entre o popular e o erudito, do drama à comédia, sempre com um olhar afiado e contemporâneo.
Nos anos 1970 e 1980, Nelson Motta passou longos períodos em Nova York, onde absorveu influências culturais que impactaram profundamente sua produção artística no Brasil. Ele frequentou clubes de jazz, conheceu grandes músicos internacionais e fez pontes importantes entre a música brasileira e a cena internacional.
Esse contato direto com o que acontecia nos Estados Unidos fez de Nelson Motta um dos primeiros a entender a importância da globalização cultural para o Brasil. Ele ajudou a promover artistas brasileiros no exterior e trouxe de volta ao país novidades que ainda estavam nascendo nas metrópoles internacionais. Essa troca cultural foi vital para o desenvolvimento da música brasileira, especialmente no que diz respeito à incorporação de novas tecnologias e estilos.
Nelson Motta também se aventurou no mundo da literatura, escrevendo livros que se tornaram best-sellers no Brasil. Sua biografia de Tim Maia, intitulada “Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia”, é considerada uma das mais importantes obras sobre a música popular brasileira. O livro foi adaptado para o cinema e para o teatro, consolidando ainda mais o impacto de Nelson Motta na cultura brasileira.
Além da biografia de Tim Maia, Motta escreveu romances, contos e crônicas, sempre com o olhar aguçado de quem viveu intensamente os últimos 50 anos da história do Brasil. Seus textos são, ao mesmo tempo, pessoais e universais, abordando questões que vão desde o comportamento humano até as grandes transformações sociais e políticas pelas quais o país passou.
O título de “Forrest Gump do Brasil” não poderia ser mais apropriado para descrever Nelson Motta. Assim como o personagem fictício que, de forma quase acidental, influenciou momentos chave da história americana, Nelson Motta esteve presente em praticamente todos os momentos importantes da cultura brasileira nas últimas décadas. Sua versatilidade e talento permitiram que ele deixasse uma marca em múltiplos campos: jornalismo, música, cinema, televisão e literatura.
Motta não foi apenas um espectador privilegiado de sua época, mas também um protagonista. Ele ajudou a moldar a cultura brasileira, sempre com uma perspectiva inovadora e uma disposição de experimentar. Sua trajetória é um testemunho do poder da curiosidade, da criatividade e da vontade de se reinventar constantemente.
Hoje, aos 79 anos (completará 80 no próximo dia 29), Nelson Motta continua sendo uma figura reverenciada e atuante. Seu legado vai muito além de suas criações artísticas: ele representa a síntese de uma época e o espírito de um Brasil plural, diverso e vibrante. Como Forrest Gump, Nelson Motta teve o dom de estar nos lugares certos, na hora certa – e de fazer a diferença em cada um desses momentos.
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