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Novo livro expõe os vieses políticos ocultos

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A entrevista exclusiva do portal Panorama Mercantil com o renomado pesquisador Luiz Gaziri revela insights profundos sobre os intrincados processos do autoengano e suas ramificações na sociedade contemporânea, temas centrais de seu novo livro “A Arte de Enganar a Si Mesmo”. Gaziri compartilha que a motivação para explorar esse tema surgiu da observação de amigos e familiares inteligentes que se envolviam em comportamentos contraditórios, apoiando políticos corruptos enquanto se cegavam para seus escândalos. Ele enfatiza a autopersuasão como uma forma poderosa de influência, destacando a dissonância cognitiva como um mecanismo que leva as pessoas a defenderem suas crenças mesmo diante de evidências contrárias. Ao abordar os desafios de lidar com o autoengano na sociedade, Gaziri destaca a resistência das pessoas em reconhecerem seus próprios vieses, mesmo quando reconhecem esses padrões nos outros. Ele aponta para o viés do autointeresse, revelando como as pessoas superestimam positivamente seu próprio comportamento em relação aos outros. A influência das ideologias na formação de crenças e na idolatria política também é discutida, destacando como a disponibilidade de informações nas mídias sociais pode moldar percepções e prioridades. A entrevista também explora os insights surpreendentes obtidos ao estudar os vieses que levam à idolatria política e à disseminação de fake news.

Luiz, qual foi a principal motivação por trás da escolha do tema “A Arte de Enganar a Si Mesmo” para o seu quarto livro?

A principal motivação foi ver amigos e familiares extremamente inteligentes dizendo não entender pessoas que apoiavam um certo político corrupto, ao mesmo tempo que se cegavam para todos os escândalos de corrupção que o candidato que estavam apoiando estava cometendo. Essa é a arte de enganar a si mesmo.

Muitos acreditam que somos facilmente influenciados por outras pessoas ou pela mídia, mas, na verdade, a ciência revela que o tipo de persuasão mais poderoso é a autopersuasão: quando você usa todos os seus recursos cognitivos para convencer a si próprio que está certo.

Uma das principais evidências científicas apresentadas no livro é a Dissonância Cognitiva, que é o desconforto causado quando uma consome uma informação contrária a sua crença. Se eu acredito que o político que apoio é honesto e recebo uma informação de que ele está envolvido em um ato de corrupção, automaticamente o meu cérebro vai encontrar todas as justificativas possíveis para defender a minha crença: “nada foi provado contra ele, isso é um golpe da mídia, é uma perseguição do STF, isso é uma armação do outro partido.” Essa autopersuasão é uma tentativa do cérebro em manter uma imagem positiva do indivíduo, já que todo ser humano tem como necessidade básica manter uma imagem de si mesmo como honesto, inteligente, bom decisor, racional e esperto. Toda vez que essa imagem está sob xeque, o cérebro encontra justificativas para enganar a si mesmo, ao invés de enxergar a realidade e admitir um erro.

Quais são os aspectos mais desafiadores ao explorar os intrincados processos do autoengano e suas ramificações na sociedade contemporânea, como abordados em seu novo livro?

O maior desafio é fazer as pessoas entenderem que estão sendo vítimas desses vieses, pois elas os enxergam perfeitamente nas outras pessoas, mas a dissonância cognitiva faz com que elas se consideram espertas demais para serem vítimas.

O cientista Mark Alicke, da Yale, descobriu um fenômeno chamado de Viés do Autointeresse, que demonstra que o ser humano tem uma imagem inflada de seu comportamento. Em um de seus estudos, Alicke pediu a um grupo de pessoas indicarem como quarenta características de sua personalidade (vinte positivas e vinte negativas) eram comparadas com as das outras pessoas. Como acreditavam ser os participantes em características como cooperação, lealdade e disciplina quando comparados com a média da população? E como seriam estas comparações quando o que estava sendo avaliado era a falsidade, desonestidade e irresponsabilidade?

Incrivelmente, em 38 das 40 características os participantes tinham a falsa impressão de se comportar melhor do que a maioria da população.

Já o cientista Tim Wilson da Universidade da Virgínia, revela que ao ler evidências científicas, a maioria das pessoas acredita que se comportaria de forma diferente dos participantes do estudo, demonstrando a necessidade de ter seus egos elevados e acreditarem que são seres únicos e imunes aos mais variados vieses psicológicos e cognitivos. “Esses participantes realmente se comportaram de forma enviesada, mas eu não me comportaria desse jeito”, reflete o cérebro do indivíduo.

Como você enxerga a influência das ideologias na formação de crenças e na idolatria política, especialmente no contexto atual?

Com muita preocupação, já que os influentes cientistas Daniel Kahneman e Amos Tversky descobriram que nossa visão do mundo é altamente impactada pelas informações que estão mais presentes em nossas cabeças, o que eles chamam de Viés da Disponibilidade.

Em uma demonstração impactante desse fenômeno, o cientista Shanto Iyengar, da Stanford, realizou um experimento onde os participantes foram separados em três grupos. O primeiro assistia a três matérias que tratavam sobre a dependência dos Estados Unidos em fontes de energia estrangeiras, o segundo assistia a seis matérias sobre o assunto e finalmente, o terceiro grupo não assistia a vídeo algum. Posteriormente, os participantes eram solicitados a nomear os três principais problemas enfrentados pelos EUA em suas opiniões. Do grupo de pessoas que não assistiu aos vídeos, apenas 24% nomearam fontes de energia como um problema. Este percentual subiu para 50% no grupo que assistiu a três vídeos e 65% para os participantes que assistiram a seis vídeos. Isto significa que quando um grupo político foca em certos assuntos como violência e armas, perseguição religiosa, banheiro para o público LGBTQIA+, auxílios sociais, drogas, privatizações de estatais, bloqueio da liberdade, aborto ou abuso de crianças, as pessoas passam a falar mais sobre este tópico e a acreditar que eles são s principais problemas a serem resolvidos, deixando para trás assuntos como melhoria na educação, saneamento básico, mudanças climáticas e saúde pública.

Quando falamos de mídias sociais, a preocupação é ainda maior, já que a cientista da Princeton, Molly Crockett, revelou em dois artigos científicos que conteúdos que apresentam violações morais são os que apresentam maior engajamento, sendo levados para o topo do feed de muitos usuários e alcançando um número maior de pessoas. Como as equipes de políticos têm acesso as métricas da mídias sociais e assim, sabem quais tipos de conteúdo viralizam, a tendência é que eles produzam cada vez mais conteúdos sobre esses assuntos, aumentando também a disponibilidade de ideologias na cabeça das pessoas. Crockett descobriu que compartilhar conteúdos com violações morais aumenta os níveis de dopamina nas pessoas, um neurotransmissor que é responsável pela antecipação de recompensas. A ativação frequente do sistema dopaminérgico leva as pessoas a ficarem viciadas em compartilhar conteúdos duvidosos, esperando recompensas como curtidas, comentários, novos seguidores e compartilhamentos.

Quais foram os insights mais surpreendentes que você obteve ao dedicar anos à pesquisa dos vieses que levam as pessoas a idolatrar políticos e disseminar fake news?

Um deles é que a idolatria política cega independe do nível educacional, raça, gênero e muitas outras variáveis. Todos nós conhecemos pessoas extremamente inteligentes, com doutorado ou posições de prestígio em seus mercados, que se tornaram radicais políticas. Isso se deve ao fato de que a dissonância cognitiva é um viés de extrema força, fazendo com que a maioria das pessoas prefira encontrar desculpas para apoiar um político corrupto ao invés de desafiar suas crenças e ter humildade para assumir que tomaram uma decisão equivocada. Anos de pesquisas da cientista Susan Fiske, da Princeton, mostram que o cérebro humano é “avarento”, esforçando-se ao máximo para economizar energia. Mudar de opinião exige um enorme esforço e gasto de energia, por isso, o cérebro prefere encontrar justificativas para manter suas crenças intactas e deixar as coisas como estão, o que os cientistas chamam de Viés do Status quo.

Outra é a facilidade com a qual as pessoas se tornam vítimas de fake news. Os cientistas Carl Hovland e Walter Weiss realizaram um estudo onde os participantes deveriam ler notícias polêmicas para os anos 1950, como as chances da invenção de submarinos nucleares, que não existiam na época. Para um grupo de pessoas, os cientistas informavam que a matéria havia sido escrita por uma fonte de alta credibilidade, o cientista Robert Oppenheimer, enquanto o outro grupo recebia a informação de que a matéria havia sido reportada por uma fonte de baixa credibilidade, um jornalista do Pravda, o jornal do governo da antiga União Soviética. Os cientistas Anthony Pratkanis da Universidade da Califórnia e Anthony Greenwald da Universidade de Washington demonstram em suas pesquisas que com o passar do tempo as pessoas passam a dissociar a mensagem da fonte, ou seja, a fonte é até lembrada, mas as pessoas a desconectam da mensagem. A persuasão da mensagem continua viva e da fonte também, mas as pessoas não se recordam mais qual fonte é responsável por aquela mensagem, esquecendo também desta forma se a mensagem é confiável ou não. Pesquisas mais recentes demonstram que o Efeito Dormente continua vivo e ativo, funcionando inclusive de maneira inversa. Quando uma pessoa de alta credibilidade, como um político idolatrado por muitos, divulga uma informação de baixa credibilidade, a tendência é as pessoas acreditarem com mais força na notícia com o passar do tempo, devido a enorme influência que autoridades exercem em nossas crenças. No fim das contas, as pesquisas científicas apontam que notícias de alta e baixa credibilidade acabam tendo uma influência igual na crença das pessoas com o passar do tempo.

Qual é o papel dos processos psicológicos das mídias sociais na maneira como as pessoas lidam com temas como hostilidade com a mídia, fake news e negacionismo científico, conforme explorado em seu livro?

Em 2020, um grupo de cientistas das Universidades de Cambridge e Nova York realizaram um estudo envolvendo quase 3 milhões de perfis nas mídias sociais que enfatizou exatamente o ponto das mídias sociais. Jay Van Bavel e seus colegas mostraram que posts hostis sobre o “outro grupo” eram compartilhados de forma dobrada em relação aos posts sobre o próprio grupo, ao ponto de que a cada termo hostilizando o grupo contrário, a probabilidade do conteúdo ser compartilhado aumentava 67%. A conclusão deste estudo é o de que a linguagem ofensiva contra “eles” é o principal preditor de engajamento entre todas as variáveis analisadas, sugerindo que as mídias sociais estão criando incentivos perversos para acirrar os ânimos de grupos políticos rivais. Vale lembrar aqui as descobertas de Molly Crockett, que revelaram que conteúdos com violações morais ativam o sistema de antecipação de recompensas nos usuários, fazendo com que eles se tornem viciados em compartilhar notícias duvidosas. Muitas vezes, a mídia compartilha notícias que desagradam radicais políticos, escancarando que o candidato que idolatram cometeu um ato de corrupção, portanto, é normal que as pessoas encarem certos meios de comunicação como inimigos, em uma tentativa de manter uma imagem positiva de si mesmas e dos grupos aos quais fazem parte, o Viés do Autointeresse. O perigo de não confiar na mídia é enorme, pois abre a possibilidade das pessoas confiarem mais em políticos, com interesses diferentes dos nossos e tentam nos empurrar suas agendas goela abaixo.

No caso da mídia, a maioria das pessoas acredita que ela tem um poder de persuasão enorme, mas não é isso que a pesquisa científica revela. No final da década de 1980, os cientistas John Innes e Howard Zeitz foram até áreas comerciais em uma cidade australiana para tentar entender como as pessoas avaliavam o poder de influência da mídia em seu comportamento. Os entrevistados deveriam indicar, quanto as “pessoas em geral” seriam influenciadas por uma propaganda política, conteúdo violento na televisão, uma campanha recente para alertar os cidadãos dos perigos de dirigir após a ingestão de bebidas alcoólicas Em seguida, os entrevistados deveriam indicar quanto eles mesmos foram influenciados pelos três conteúdos. Os resultados são assustadores! Sobre conteúdos violentos na TV os entrevistados indicavam que o “público em geral” tinha chances 5,6 vezes maiores do que eles de sofrerem influências negativas. Quando o assunto era política, os participantes diziam que “outras pessoas” tinham chances 4,15 vezes maiores de serem persuadidas. Já quando tratavam de não beber e dirigir, os entrevistados afirmavam que “outras pessoas” seriam 2,09 vezes mais influenciadas pela campanha. No geral, os participantes do estudo imaginavam ser 3,33 vezes menos influenciados pela mídia em relação as pessoas em geral. Os cientistas nomearam esse fenômeno como Viés da Terceira Pessoa, evidenciando que as pessoas acreditam ser imunes a influência da mídia, mas que as demais são fortemente influenciadas.

Processo similar acontece com a ciência, que nem sempre entrega os resultados que as pessoas gostariam que fossem verdadeiros, assim, elas passam a assumir que os cientistas são corruptos, teóricos que não entendem da vida real, que falsificam evidências para receber recursos para pesquisas e assim por diante, mantendo a imagem positiva que tanto precisam ter de si mesmas. O analfabetismo científico é um grande risco para a sociedade e infelizmente, a maioria das pessoas nunca leu um artigo científico ou tem conhecimento sobre como a ciência funciona. A metodologia científica é a maior invenção da humanidade, no entanto, como o famoso cientista Carl Sagan disse em uma certa oportunidade, nós construímos uma sociedade baseada em ciência e tecnologia em que as pessoas não entendem nada de ciência e tecnologia – isso é preocupante.

Quais são os desafios e as oportunidades ao tornar a ciência acessível para que pessoas e organizações tomem melhores decisões, como parte de seu comprometimento em fazer a ciência alcançar um público mais amplo?

Um dos desafios, citado anteriormente, é o analfabetismo científico. A maioria das pessoas não sabe como a ciência funciona e, portanto, não sabem explorar adequadamente as opções que temos para resolver os problemas da sociedade. Saber o que é um experimento científico, a diferença entre correlação e causalidade, o que é um teste duplo cego, o que é aleatoriedade, qual a função de um grupo de controle, quais revistas científicas são confiáveis, o que é uma hipótese nula e muitas outras particularidades certamente ajudaria os cidadãos a não serem vítimas de alguns dos vieses que exploramos até aqui. Nas escolas, os professores de ciências deveriam ensinar esses tópicos aos alunos no ensino médio, pois isso diminuiria o analfabetismo científico e melhor: ensinaria os alunos a pensarem adequadamente sobre os mais variados problemas que enfrentamos. Como professor posso afirmar que, na realidade, nem no ensino superior à metodologia científica é ensinada de forma adequada, exceto nos programas de mestrado e doutorado.

Outro desafio é o fato de que a maioria dos estudos científicos de qualidade são publicados em inglês, o que dificulta o acesso do brasileiro a descobertas importantes. Além disso, a ciência tem uma linguagem técnica, fazendo com que artigos científicos não sejam agradáveis ao leitor em geral. É por todas essas limitações que eu tomei como missão ensinar ciências comportamentais de uma nova maneira, usando uma linguagem simples, para que as pessoas e organizações explorem de forma completa seus desafios e assim, possam tomar decisões mais inteligentes.

Como você percebe a relação entre o racismo, homofobia e violência com armas de fogo no contexto das tendências comportamentais que analisou em sua pesquisa?

Os seres humanos assumem uma mentalidade de “nós x eles” com extrema facilidade. Evidência disso é que quando um participante de um estudo enxerga uma imagem do rosto de uma pessoa de outra raça por milissegundos, existe a ativação de sua amídala, área do cérebro responsável pelo processamento de medo, ameaça, insegurança e que possui uma associação com comportamentos violentos. O cientista Paul Rozin, da Universidade da Pensilvânia, descobriu em um experimento similar que em muitas ocasiões, a exposição dos participantes a rostos de pessoas de outras raças causam a ativação da ínsula, parte do cérebro que processa sentimentos de nojo. É interessante notar que se perguntarmos para as pessoas se elas são racistas, homofóbicas ou sexistas, a maioria delas responderá que não. O que preocupa os cientistas, no entanto, é o fato das pessoas discriminarem outros grupos fora do seu nível de consciência, o que é conhecido como Viés Implícito. Imagine que você está participando de um estudo científico em que, usando um computador, você deve apertar o mais rápido possível uma tecla a sua direita cada vez que enxergar a imagem de uma pessoa branca na tela, mas quando a face de uma pessoa negra aparecer na tela, você deve apertar uma tecla a sua esquerda. Em seguida, você deve apertar a tecla da direita toda vez que uma palavra negativa aparecer e a tecla da esquerda cada vez que for mostrada uma palavra positiva. Em outras ocasiões, esta ordem difere: a tecla da direita deve ser apertada o mais rápido que conseguir para pessoas brancas ou palavras positivas e a esquerda, para pessoas negras e palavras negativas. Com esta descrição você consegue imaginar o que está sendo investigado neste estudo? Ao analisar o comportamento de milhões de pessoas que fizeram este teste desde 1995, os cientistas Anthony Greenwald da Universidade de Washington e Mazarin Banaji da Harvard, descobriram que as pessoas demoram mais para apertar as teclas para reconhecer palavras positivas quando elas estão pareadas com fotos de pessoas negras, em comparação com as oportunidades em que tais palavras estão pareadas com imagens de pessoas brancas. O mesmo padrão foi encontrado ao analisar homossexuais, obesos e idosos.

Os psicólogos evolucionários assumem que enxergar pessoas de outros grupos como inimigas foi um fator importante para nossos ancestrais, já que outros grupos poderiam competir por comida, território, mulheres e outros recursos escassos, diminuindo as chances de um grupo em sobreviver e passar adiante cópias de seus genes. No entanto, mesmo vivendo em uma época completamente diferente, nossos vieses implícitos continuam ativos, fazendo com que seja uma tarefa fácil discriminar indivíduos de outros grupos e inclusive, usar a violência como forma de mantê-los afastados. Armas de fogo são um perigo não apenas no contexto de “nós x eles”, mas também aumentam a quantidade de suicídios, homicídios, acidentes, assaltos e ataques, sendo que esses efeitos são uma unanimidade entre os principais cientistas da área.

Como a leitura de milhares de artigos científicos e as visitas a instituições acadêmicas influentes, como Harvard, Stanford e Cornell, contribuíram para a construção das respostas que você busca em seu livro?

De forma gigantesca, já que sou humano e não estou livre dos vieses que apresentei até aqui. Falar diretamente com o cientista é muito importante, já que assim eu elimino o risco de interpretar a pesquisa científica de forma equivocada. Os cientistas também me indicaram novos estudos e novos cientistas que eu deveria conhecer, aumentando a riqueza científica do meu livro e sua confiabilidade. Eu levo meu trabalho muito a sério, portanto, seria um irresponsável escrever um livro baseado no que eu “acho” que funciona ou em ciência de baixa qualidade, que existe. Por isso, eu visito apenas cientistas amplamente reconhecidos, nas mais renomadas instituições do mundo. Na questão da leitura, também seleciono com todo o cuidado os artigos que vou apresentar, já que existem journals científicos de qualidades variadas. Além disso, eu mandei o meu livro para mais de uma dúzia de cientistas, para que eles pudessem criticar o trabalho e apontar meus erros. Esse é justamente o mecanismo da metodologia científica. Ler milhares de estudos é um processo dolorido mas extremamente necessário, já que para entender a direção em que a evidência científica aponta, é necessário ler estudos que analisam todas as possibilidades. Para descobrir, por exemplo, se armas nas mãos do cidadão comum aumentam ou diminuem a violência, é preciso ler artigos que chegaram a conclusões diferentes, meta-análises, estudos correlacionais e experimentos. Conclusões diferentes sobre o mesmo assunto são comuns na ciência, por isso, o que vale é a soma dos estudos que chegaram a cada conclusão. No caso das armas, a quantidade de estudos apontando que armas aumentam a violência é esmagadora em relação aos que chegaram na conclusão de que elas a diminuem. E não somente nesse assunto é necessária a leitura de muitos artigos, mas para todos os outros que abordei no livro.

Quais são os conselhos práticos que você oferece para lidar com soluções superficiais para problemas complexos, tema que você aborda em seu novo trabalho literário?

É fundamental que as pessoas entendam que o comportamento humano é extremamente complexo, mas que nós buscamos por explicações simples e rasas para o explicar. O renomado cientista Robert Sapolsky, da Stanford, diz que podemos explicar o comportamento humano desde um segundo antes de certo comportamento acontecer, e encontrar também explicações analisando milhões de anos atrás. Se alguém se comporta de forma violenta, podemos analisar os neurônios que estavam ativados um segundo antes, podemos voltar minutos atrás e analisar as mudanças hormonais que aconteceram no indivíduo, de acordo com as imagens, situação em que ele se encontrava, cheiros que ele sentiu, reações de outras pessoas. Podemos voltar meses e analisar se o indivíduo violento sofreu alguma coisa séria, como o falecimento de um filho, uma doença grave ou se ele foi demitido, aumentando hormônios de estresse com o passar do tempo. Podemos voltar a infância do indivíduo, ao seu período gestacional, aos genes de seus pais e até milhões de anos atrás, analisando por que indivíduos que se comportaram de forma violenta aumentaram as suas chances de reproduzir e passar seus genes adiante. Um fenômeno como violência, por exemplo, nunca tem uma única explicação. A ciência aponta que a disponibilidade a armas aumenta a violência, assim como o calor, densidade demográfica, programas de televisão violentos, games violentos, a cultura do indivíduo, crises econômicas, irritação, dor crônica, criação dos pais, competição por mulheres, ideologia política, intolerância religiosa etc. Existem várias causas para a violência, mas queremos reduzir esse fenômeno imaginando que a violência é uma luta entre cidadãos do mal contra cidadãos do bem, uma explicação extremamente rasa que não vai solucionar os problemas que enfrentamos.

Por que você acredita que compreender os princípios do comportamento humano é crucial tanto para indivíduos quanto para organizações, como reflete em sua trajetória como autor, professor e consultor?

Sem entender verdadeiramente de comportamento humano, as pessoas, empresas e governos vão gastar recursos importantes para discutir assuntos que já foram vencidos pela ciência. Um exemplo disso é a homossexualidade. Nossos políticos ficam discutindo esse assunto com a intuição de que uma pessoa pode “aprender a ser gay” ou usando o estereótipo de que todos os homossexuais são pervertidos, portanto, não podem frequentar os mesmos banheiros que pessoas hétero. No entanto, em 1991 o cientista da Harvard, Simon Levay, descobriu que uma região do hipotálamo, responsável pelo direcionamento sexual, apresenta diferenças significativas em seus tamanhos em homens e mulheres. A região conhecida como INAH3, apresenta o dobro do tamanho em homens em relação a mulheres e, incrivelmente, homens homossexuais têm essa região do cérebro do tamanho do de uma mulher e vice-versa. Isso demonstra que ninguém “aprende a ser homossexual”, sendo a homossexualidade uma condição genética tão natural quanto ter o cabelo ruivo. Quanto de dinheiro público já foi gasto nessa discussão, já vencida há 33 anos, por conta do analfabetismo científico?

Sem a educação científica, empresas irão usar estratégias que não funcionam e assim, serão menos lucrativas. Governos implementarão políticas públicas que irão falhar e assim, além de gastarmos recursos públicos à toa, atrasaremos o desenvolvimento do nosso país e a resolução dos problemas que nos assombram há décadas.


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