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O cinema vanguardista de João Batista de Andrade

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O cineasta e escritor João Batista de Andrade foi professor na ECA-USP e esteve na vanguarda dos debates da redemocratização do país e na construção de uma política cinematográfica para o Brasil. Dirigiu importantes filmes da cinematografia brasileira (com diversos prêmios nacionais e internacionais), como “Doramundo” (1978), “Wilsinho Galileia” (1978), “O Homem que Virou Suco” (1980), “A Próxima Vítima” (1983), “O País dos Tenentes” (1987) e “Vlado: Trinta Anos Depois” (2005). Como romancista escreveu “Perdido no Meio da Rua” (1989), “A Terra do Deus Dará” (1991), “Um Olé em Deus” (1997), “O Povo Fala” (tese de doutoramento, 1996), “O Portal dos Sonhos” (2001), “Sozitos” (2013, romance infanto-juvenil), “A Terra será azul” (2014) “Confinados – Memórias De Um Tempo Sem Saídas” (2013)”, e “Poeira e Escuridão” (2015). Em maio de 2005 João Batista de Andrade assumiu a Secretaria de Cultura, a convite do governador Geraldo Alckmin. Neste cargo concebeu um projeto de lei de política cultural para o Estado que resultou no PROAC – Programa de Apoio à Cultura, celebrado pela classe artística. Em 2014 foi vencedor do Prêmio Intelectual do Ano/Troféu Juca Pato, prêmio literário concedido pela União Brasileira de Escritores (UBE). É presidente do Memorial da América Latina desde setembro de 2012. “O Brasil é um país de formação diferente”, afirma o cineasta e escritor.

Como o senhor enxerga o cinema que é feito no Brasil na atualidade?

Acho que hoje temos um cinema jovem procurando seu país. Da mesma forma em que em minha geração fazíamos um cinema sonhando com um novo país. Tenho visto poucos filmes, o que não é difícil de acontecer, com as precárias programações e a pouca durabilidade dos lançamentos.

A arte deve ter um papel social?

Deve, não. Tem. É bom não se esquecer disso. O que fazemos é dar uma forma pessoal, inventiva, do que a realidade se impregna em nós, em nossa imaginação. Respostas, iluminações, quaisquer que sejam elas. Há momentos, como aconteceu durante a ditadura de 1964\85, que o cinema revelou nossa inquietação e repulsa a esse perigoso abismo que povoou nossas vidas por 25 anos, marcando gerações. Hoje, há uma busca de sentido, já que o alvo não é tão explícito. Uma busca, um cinema jovem que tenta entender o país e o mundo em que vivemos.

Sendo um dos grandes atuantes na política cultural do país, o que enxerga de bom e ruim neste panorama?

Na verdade, acho que falta uma política cultural. O MINC (Ministério da Cultura) se perde numa política voltada para os artistas, aliás, os únicos a protestarem, não sem razão, contra a extinção do Ministério [o presidente Michel Temer, voltou atrás logo em seguida, recriando o Ministério da Cultura novamente]. E os protestos maiores vieram justamente de uma área razoavelmente bem resolvida, salvo exageros burocráticos e excesso de poder do Estado: o cinema. Muitas vezes me perguntei, por que o MINC não se manifestava a respeito dos graves problemas de nosso patrimônio cultural, com a Serra da Capivara. Nenhuma palavra! E também porque não desenvolve projetos envolvendo o sistema educacional, criando uma ligação mais forte entre cultura e educação. O que vemos é uma polêmica vazia a respeito da Lei Rouanet, quando o que há é pouca administração da lei e uma verdadeira libertinagem nos valores autorizados (problema que antevi e impedi ao criar, em São Paulo, a Lei da Cultura – PROAC)

Em 1987, o senhor realizou “O País dos Tenentes”. Fazendo um paralelo, podemos dizer que vivemos num país de coronéis, que de certa forma, têm dificuldade de recolher para a sua casa de campo?

O filme retrata o ocaso dos tenentes, findo um ciclo de aproximadamente 60 anos desde a revolta do Forte de Copacabana em 1922, passando pelo ciclo Vargas e o golpe de 1964. Hoje não acho que haja uma questão militar. Há uma questão militante, hábitos autoritários e retrógrados de partidos e pessoas que julgam indiscutíveis suas verdades, com roupagem de um tipo esquerda que já não deveria existir, principalmente depois da queda da URSS e do Muro de Berlim.

É possível termos uma indústria cinematográfica em nosso país hoje?

Já temos, não? Dezenas de filmes produzidos para as salas de cinema e uma boa, e crescente produção para TV. Somos uma indústria diferente, nada a ver com a americana, de grandes estúdios, equipes e elencos fixos. Seguimos na corrente do Cinema Independente, diversificado, de pequenas e médias empresas, sempre muito ligadas a realizadores. O problema é a viabilidade dessa produção, muito dependente (e, de certa forma direcionada) do Estado, através da poderosa Ancine (Agência Nacional do Cinema). E viabilidade tem a ver com alguns fatores que interagem. Um deles é a ocupação abusiva do mercado pela indústria do cinema norte-americano que desova aqui não o que gostamos, mas seu lixo comercial. Outro fator é a competição com a TV, que rejeita nossos filmes. Outro, a ausência de salas de cinema na maioria das cidades brasileiras, coisa cômoda para a produção estrangeira, que quer só o filé do mercado, mas cruel com nosso cinema. Ligado a isso, a questão de ser ou não ser popular. Difícil falar em inventar o popular, mas nesse quesito não vivemos um bom momento.

Em 2005, o senhor realizou o documentário de longa-metragem “Vlado, Trinta Anos Depois”. É mais duro trabalhar sobre um tema, no qual um amigo próximo está totalmente inserido, e pior, in memoriam?

Fiz o filme cumprindo um dever. Um esforço para não ser melodramático, tentar passar para as novas gerações informações consistentes e vivenciadas por mim como observador privilegiado de toda essa tragédia. Mesmo assim me emocionei várias vezes, incontrolavelmente.

O senhor foi criador da Lei da Cultura (PROAC) com editais e incentivos para a produção cultural quando foi secretário de cultura na gestão Geraldo Alckmin em 2005/2006. Sendo assim, acredita que as pessoas têm a real noção da importância destas leis, para a cultura de uma nação?

O PROAC, foi criado por mim em 2006. Tentem seguir essa lei. Ali exercitei minha crítica à Lei Rouanet, controlando valores, adequando-os à realidade cultural brasileira. Um exemplo curioso pode revelar isso. Quando se criou uma grande polêmica a respeito da liberação de R$9,4 milhões para o Cirque du Soleil, um repórter me ligou para saber se eu daria dinheiro do PROAC para o Circo. Eu disse que sim, no limite de R$100.000,00, estabelecido na administração da lei. Um dinheirão para qualquer circo brasileiro!

Quando o seu nome vem à baila, sempre se comenta que o senhor é um dos mestres do moderno documentário brasileiro. O que seria esse moderno documentário brasileiro em sua visão?

“Mestre?” – nunca tive essa pretensão. Mas torço para que as pessoas tenham razão… Tudo isso vem desde meu primeiro filme “Liberdade de Imprensa”, de 1967. Com esse nome, foi apreendido pelos militares em 1968. Todo mundo reconhece que o filme quebra padrões tradicionais do documentário. E traz uma visão pessoal de que o real, tal como se nos apresenta, é um fetiche se tomado como verdade. Desenvolvi, então, um cinema questionador, que nasce nas filmagens e não nas pesquisas. Um cinema que foge ao preconcebido, à explicação, à submissão ao acadêmico. Um cinema feito na rua, com gente comum. É moderno mesmo. Ano que vem, em 2017, quero comemorar os 50 anos desse filmezinho.

Você foi premiado como intelectual do ano, recebendo o troféu Juca Pato, por ter publicado o livro “Confinados – Memórias De Um Tempo Sem Saídas”. Como foi receber esse prêmio e como vê a atuação das cabeças pensantes do nosso país no cenário atual do ativismo político e social?

No mesmo ano recebi o Prêmio de Direitos Humanos da OAB-SP pela minha carreira. Fazendo dupla com o Juca Pato, isso significou um reconhecimento imenso em minha vida. Justamente quando minha carreira cinematográfica capengava, com enorme dificuldade para filmar. O Juca Pato ainda teve o mérito de reativar minha carreira de escritor, paralisada pela dedicação ao cinema. Uma carreira que agora, espero, não parar mais, ao lado do cinema. Quanto ao ativismo, eu nunca me afastei, a não ser no período do Plano Collor, quando me auto-exilei no centro oeste brasileiro, sem condições de exercer minha profissão de cineasta. Hoje, vejo o crescimento imenso desse ativismo, com as redes sociais. Mas vejo também o radicalismo e o autoritarismo próprio dessa camada de jovens ilustrados que descobre, nas redes sociais, uma ferramenta de poder. Um poder muitas vezes usado de forma irascível e irresponsável. Isso, certamente passará. Tanto pela percepção de que ter o poder nas redes não significa ter o poder real sobre a humanidade, quanto pelo cansaço e pelos interesses corporativos e profissionais mesclados com participação política.

Como o Brasil está inserido na diversidade de culturas da América Latina em sua visão?

Eu disse, em minha posse como Presidente do Memorial da América Latina, que nosso continente não é bem latino. Latinos eram os conquistadores. Somos guaranis, incas, maias, etc., basta andar pelas ruas de quase todos os países vizinhos ao Brasil. E observar as feições fortemente marcadas pela origem pré-colombiana. O povo. O Brasil é um país de formação diferente, um povo que se formou após o descobrimento, com pouca participação indígena visível na atualidade. Africanos, portugueses, espanhóis, italianos, árabes, japoneses. É inegável uma dificuldade brasileira de se identificar com essa “latinoamericanidade” sonhada em minha juventude. Somos voltados para o mar, o Atlântico. Com uma civilização litorânea de olhares para a longínqua Europa e não para nossos, ao que parece mais longínquos ainda, irmãos “latino-americanos”.

Fale um pouco das atividades da Fundação Memorial da América Latina.

Um esforço enorme, em duas direções. Primeiro, tirar o Memorial da sonolência, do vazio denunciado por suas praças que “não serviam para nada, apenas para o vazio”. Praças enormes num bairro popular densamente povoado e em fase de explosão demográfica. Em segundo lugar, abrir aquele espaço meio brasiliense para a população, popularizar nossa programação em convivência permanente com as culturas mais ricas e elaboradas. Por isso fui atrás de organizações sociais e culturais da região, atrás das publicações, atrás do público do Metrô (com estação encostada ao Memorial!) e atrás dessa composição hábil entre o popular e o erudito. O resultado está aí. Até maio contabilizamos um milhão de visitantes nesse ano, com programações que iam da “Turma do Chaves” (exposição do cenário da série) às sofisticadas exposições de arte (Wilfredo Lan, Salão de Outono da América Latina, ‘OURO”, da Colômbia, etc.) e cursos, debates, Festival do Cinema Latino-americano, Biblioteca Latino-americana, etc. E a nossa “Cátedra Unesco\Memorial” com dezenas de estudantes debatendo questões importantes da atualidade no mundo e na América Latina. Nesse primeiro semestre tivemos o Prof. Marco Aurélio Nogueira como coordenador, conduzindo o tema ligado às ideias de redes e ruas na internet e na política. Finalmente posso dizer que, com uma equipe competente e participante, estamos colocando o Memorial no lugar que merece: culto e popular.


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