Carlos Gerbase é considerado um dos mais talentosos e visionários cineastas de sua geração. Integrante por 24 anos da Casa de Cinema de Porto Alegre, deixou a produtora em 2011, com Luciana Tomasi, para criar a Prana Filmes. É também professor de cinema na PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e escritor. Na área da música, foi um dos membros fundadores (1984) da banda Replicantes, a princípio como baterista. Com a saída de Wander Wildner da banda (1989) assumiu os vocais, entregando novamente o posto a Wander em 2002. Em 2013, lançou o CD “Destrua você mesmo”, em que interpreta clássicos dos Replicantes em novas versões de músicos gaúchos. Como jornalista, atuou como repórter e sub-editor do jornal Folha da Tarde (Companhia Jornalística Caldas Júnior), entre 1980 e 1981. Colaborou com o jornal Tchê (1980-1983) e com a revista Wonderfull (1988-1990). Colaborou ainda com os sites ZAZ (1996-1997) e Terra (2000-2001). Atualmente escreve uma coluna quinzenal sobre cultura no jornal Zero Hora. Este ano lançou “Bio”, o seu sétimo longa-metragem. “Só vejo vantagens. Temos acesso a praticamente qualquer filme do mundo, de qualquer época. E continuo com vontade de ir ao cinema, ficar numa sala escura, com tela grande, etc. Quem se queixa são os antigos locadores de “home-video” (VHS e DVD), que já perderam seu lugar na história”, afirma o cineasta.
Carlos, é notório que 90% dos filmes brasileiros não dão certo. O que você acredita que deveria ser feito para que esta porcentagem não fosse assim tão grande?
O que é “dar certo” para um filme? Se “dar certo” é o mesmo que “dar lucro”, 90% dos países do mundo – incluindo algumas potências econômicas e culturais da Europa – deveriam interromper imediatamente a produção de filmes, pois, esta é uma atividade quase sempre não lucrativa. Temos um mercado global dominado por Hollywood, que sem dúvida faz filmes que, em média, “dão certo” e justificam-se economicamente. Talvez a Índia, a China e a Coreia do Sul tenham resultados semelhantes. O resto do mundo faz filmes porque eles são importantes para promover a identidade nacional, para debater os grandes temas da população e simplesmente para divertir as pessoas no idioma pátrio. O Brasil faz cinema para ser o Brasil.
Alguns cineastas afirmam que nunca conseguiremos ter uma indústria de cinema aqui no Brasil. É impossível termos uma indústria de cinema no país?
Não faz sentido para mim esse sonho de “indústria do cinema”, que geralmente vem de braços dados com o conceito de “atividade autossustentável”. Uma montanha de coisas no Brasil não se sustenta de forma independente. O Governo gasta bilhões, todos os anos, para tentar melhorar a saúde e a educação das pessoas. Para mim, a cultura é tão ou mais importante quanto as chamadas “prioridades sociais”. Povo sem cinema, música, teatro, literatura é povo submisso, que não sabe votar e que é facilmente manipulado. Com mais cultura, os eleitores brasileiros não teriam escolhido os parlamentares do atual Congresso, que são motivo de vergonha para o Brasil.
No que um festival de cinema pode ajudar um cineasta que já é conhecido seja pelo grande público, ou seja, pelo restrito mundo cinematográfico?
Os únicos festivais que realmente ajudam um filme, em termos de divulgação massiva para as salas de cinema, são os grandes: Cannes, Berlim, Veneza, Sundance e talvez Toronto. Além do Oscar, é claro, que nem festival é. Os outros servem para levar o filme adiante em mercados mais restritos e, principalmente, para colocá-lo na vitrine, onde pode ser escolhido pelos compradores de TV, internet, etc. Por outro lado, para o cineasta sempre é bom debater suas realizações, ouvir e ler críticas, dialogar com os colegas, perceber como reage o público em países distantes.
A popularização da internet, mudou a forma como se consume o cinema. E para você, quais são as principais vantagens e desvantagens (se é que elas existem) de se ter um meio como a web para divulgação?
Só vejo vantagens. Temos acesso a praticamente qualquer filme do mundo, de qualquer época. E continuo com vontade de ir ao cinema, ficar numa sala escura, com tela grande, etc. Quem se queixa são os antigos locadores de “home-video” (VHS e DVD), que já perderam seu lugar na história. Ao contrário dos livreiros, que ainda têm um longo futuro pela frente, os donos de locadoras já estão partindo para outra atividade.
Em 1995, você colaborou na minissérie “Engraçadinha: Seus Amores e Seus Pecados”, que era baseado no romance homônimo de Nelson Rodrigues. Como foi essa experiência de trabalhar com um autor tão provocativo e se existe alguma coisa de Nelson Rodrigues em seus trabalhos?
Gostei muito de fazer “Engraçadinha”, pois, me possibilitou conhecer melhor o Nelson Rodrigues, tanto como dramaturgo, quanto como autor de folhetins e romances. Não posso me comparar a Nelson. Ele é um gigante, e sou apenas um aprendiz de feiticeiro. Mas, sem dúvida, compartilho com ele a ideia de que, por mais que a gente tente esconder o fato, o sexo está por trás de muitas decisões humanas. Há toda uma cadeia de preceitos morais para regular a economia sexual da sociedade, e essa cadeia é naturalmente muito dramática e por isso está presente em tantas obras de arte. Vou citar um personagem do escritor Hanif Kureishi [dramaturgo britânico de origem paquistanesa 1954-]: “Qualquer pessoa precisa trabalhar com seu desejo, vencer o tédio, a fim de manter tudo vivo. Qualquer coisa boa precisa ser um pouco pornográfica, ou mesmo pervertida”.
Você também já atuou na imprensa como crítico de cinema, repórter e editor. Como tem visto a cobertura da mídia quando o assunto é cinema?
Uma geração de críticos que foi importante para mim aqui no Rio Grande do Sul está longe da imprensa. Os jovens que os substituíram escrevem bem e conhecem o cinema contemporâneo, mas não têm a mesma formação dos mais “antigos”. Além disso, os críticos de hoje são obrigados a criar seus textos nos intervalos de mil outras tarefas, como conferir a programação e viajar para cobrir lançamentos de produções internacionais, quase sempre dispensáveis. Não há mais intelectuais do cinema.
Em uma certa ocasião, você afirmou que faz filmes para que as pessoas se emocionem. Em qual de seus filmes esta emoção veio a tona antes mesmo de ser lançado, ou seja, naquela hora que você viu a sua obra finalizada antes de todos os outros?
Eu me emociono em todos os meus filmes, pelo simples fato deles existirem. Eles são milagres. Sei que nem sempre eles vão “funcionar” quando lançados, e muitas vezes já ouvi críticas arrasadoras. Mas aprendi que, cedo ou tarde, eles encontram seu público. A maior gratificação de um cineasta é falar com alguém que viu o filme anos depois do seu lançamento e se emocionou. É como se a gente fabricasse bombas emocionais de efeito retardado.
Como você acredita que uma atividade complexa como é o cinema, deve se tornar simples e não simplória para o público final?
Ser simplório às vezes é uma limitação (o que é compreensível e irremediável) e às vezes é uma opção consciente (o que é compreensível e condenável). O cinema brasileiro que “dá certo”, hoje, é feito com muita consciência e cumpre seu papel econômico. Contudo, se essas comédias que estão aí fossem a única produção do cinema brasileiro, eu morreria de vergonha. Já ser simples é só para pessoas geniais.
Experientes cineastas de todo mundo, afirmam que a graça de trabalhar com o cinema, é sempre tentar se superar no próximo filme, seja essa superação qual for. Essa superação, também faz parte da sua visão como cineasta?
A graça é terminar um filme e pensar: “Vou fazer outro”. Não necessariamente para me “superar”. É mais uma sensação de que ainda tenho algo a dizer, de que ainda posso me expressar enquanto ser humano, me comunicar, emocionar as outras pessoas com uma história ficcional. Os artistas servem para encantar os outros. Quando o encantamento funciona, é maravilhoso.
Você foi um dos membros fundadores da banda de punk rock Replicantes. Qual o paralelo do rock e o do cinema em sua vida?
Só faço cinema porque tive um aprendizado incrível com o super-8, que é o punk rock do cinema e tem a mesma lição: “Faça você mesmo”.
Fale um pouco do seu último longa-metragem “Bio”, que você já classificou como uma mistura de Eduardo Coutinho com David Lynch…
“Bio” é Eduardo Coutinho porque parece um documentário tradicional, baseado em entrevistas com pessoas que têm algo a dizer sobre um determinado tema. E é David Lynch porque o personagem principal nunca aparece em quadro, vive 110 anos e participa de alguns eventos que tocam um universo mais surreal que real. Vamos ver o que acontece. É um filme com uma longa e complicada história, que exige muita atenção e envolvimento intelectual do espectador, exatamente o contrário do que está na moda, que é fazer filmes quase sem história, que são “sentidos” e não “compreendidos” pelo espectador. Foi maravilhoso realizá-lo, trabalhei com atrizes e atores fantásticos, e uma equipe jovem e muito talentosa.
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