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O desafio da Agenda Pública como OSCIP

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Julia Albino é gerente de projetos da Agenda Pública. Foi supervisora de projetos de digitalização de serviços públicos na Prefeitura de SP. Tem mestrado em Administração e Negócios pela USP e especialização em Políticas Públicas pela Universidade de Edimburgo. A Agenda Pública é uma organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP), sem fins lucrativos, criada por um grupo de profissionais ligados à universidade e ao setor público, com o intuito de aprimorar a gestão pública, a governança democrática e incentivar a participação social. “A Agenda Pública segue se reinventando para resolver grandes problemas dos serviços públicos. Neste cenário particular que vivemos, frente à pandemia do novo coronavírus, o tema dos serviços públicos se torna ainda mais relevante. Lançamos guias para apoiar os gestores públicos com ações a serem replicadas localmente para garantir o funcionamento desses serviços. Além disso, nossa atuação busca antecipar os próximos passos. Em relação à recuperação econômica, por exemplo, lançaremos em breve um fundo para promover iniciativas que impulsionem a retomada do desenvolvimento local, com geração de emprego e renda. Além disso, promovemos e participamos de debates sobre temas como a nova fase do sistema de proteção social e o desenvolvimento sustentável na Amazônia”, afirma a gerente.

Julia, qual o papel do empreendedorismo social em momentos como esse?

O empreendedorismo social pode contribuir para a solução de problemas públicos complexos, que muitas vezes ficam exclusivamente à mercê da capacidade do Estado para resolvê-los ou ainda do incentivo relacionado ao potencial de lucro para endereçá-los. Modelos de negócio que promovam objetivos de desenvolvimento sustentável, como a maioria dos modelos de empreendedorismo social, contribuem para a redução das desigualdades que tendem à exacerbação em momentos como esse, mostrando-se cada vez mais relevantes para caminharmos em direção à redução da pobreza, proteção do planeta e prosperidade.

Como surgiu a ideia da Agenda Pública?

A Agenda Pública nasceu em 2009, quando um grupo de pesquisadores, gestores públicos e cientistas sociais tomou a decisão de se reunir para resolver um problema complexo: a implementação de políticas públicas. Esse aspecto representava um dos principais desafios públicos naquele período de construção de políticas públicas estruturantes. O discurso recorrente de que não havia recursos ou políticas públicas organizadas em determinada área passou a ser, então, como implementá-las. Foi um momento em que projetos de infraestrutura se expandiram com grandes obras Brasil adentro.

Hoje, a Agenda Pública segue se reinventando para resolver grandes problemas dos serviços públicos. Neste cenário particular que vivemos, frente à pandemia do novo coronavírus, o tema dos serviços públicos se torna ainda mais relevante. Lançamos guias para apoiar os gestores públicos com ações a serem replicadas localmente para garantir o funcionamento desses serviços. Além disso, nossa atuação busca antecipar os próximos passos. Em relação à recuperação econômica, por exemplo, lançaremos em breve um fundo para promover iniciativas que impulsionem a retomada do desenvolvimento local, com geração de emprego e renda. Além disso, promovemos e participamos de debates sobre temas como a nova fase do sistema de proteção social e o desenvolvimento sustentável na Amazônia. O atual contexto é de transformação sem deixar ninguém para trás e nossa organização está participando ativamente desse processo.

Quais os principais pilares da organização?

Impacto coletivo, visão territorial, coprodução de soluções e foco na(o) cidadã(o).

Como enxerga as políticas públicas em nosso país?

Ainda temos problemas em relação a todas as etapas do ciclo de políticas públicas. Por exemplo, a formação de agenda ainda é pouco baseada em dados e evidências, além de análises de custo-benefício serem raras, principalmente na esfera municipal, realidade com a qual trabalhamos diariamente em nossos programas. Estratégias para garantir uma boa implantação de políticas públicas ainda são primitivas ou inexistentes, gerando alocação ineficiente de recursos e descontentamento da população. Por fim, a avaliação de políticas públicas também precisa receber mais atenção no Brasil, além de aumentar a participação da(o) cidadã(o) nesta etapa.

O que deve ser feito para refinar a gestão pública do Brasil?

Existem diversos aspectos que poderiam ser refinados, como capacitação e educação permanente do(a)s gestores(a)s público(a)s, o aprimoramento dos mecanismos de participação social em todas as etapas do ciclo de políticas públicas e o aumento da transparência ativa e passiva, entre outros. Tais aspectos estão bastante alinhados com o propósito da Agenda Pública, de tornar os serviços públicos mais inteligentes, simples e humanos.

Temos um exemplo muito característico de como algumas mudanças podem trazer transformações significativas para os serviços públicos. Implementamos nosso Programa de Qualidade de Serviços Públicos no município de Terra Santa (PA) e, por meio do aprimoramento de fluxos da Ouvidoria do Sistema Único de Saúde (SUS) e com a implementação de Cartas de Serviço, foi possível reduzir em 75% o número de usuários insatisfeitos com a receptividade dos(as) atendentes. Mas nós só conseguimos enxergar que esse era o problema por meio da elaboração de um diagnóstico que nos mostrou que o desafio estava na comunicação e no atendimento da recepção nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs), e não na qualificação ou quantidade de médicos, por exemplo. Foi um conjunto de fatores que possibilitou uma ação assertiva: a escuta dos próprios usuários daquele serviço, oficinas com os(as) gestores que faziam parte do problema, mas também parte da solução, além de uma decisão baseada em informações reais. E é importante ressaltar também que a solução encontrada foi usar ferramentas que já existem, mas de forma assertiva, sem precisar reinventar a roda.

Quais políticas básicas já deveriam ter sido feitas em nossa nação?

Renda básica é uma das principais considerando o momento atual e perspectivas de desdobramentos. Além disso, precisamos urgentemente direcionar esforços para políticas de proteção social promovendo atendimento centrado na pessoa e coproduzido com ela, além da valorização dos vínculos comunitários a partir de redes sociais estendidas.

Qual o caminho para o desenvolvimento de políticas públicas consistentes?

O modelo de desenvolvimento que acreditamos e promovemos deve ser inclusivo e sustentável, sem deixar ninguém para trás. Além das ações já apontadas, como a capacitação e educação permanente do(a)s gestore(a)s público(a)s, o aprimoramento dos mecanismos de participação social em todas as etapas do ciclo de políticas públicas e aumento da transparência ativa e passiva, precisamos nos basear em diretrizes que já trazem caminhos, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU). São metas claras e que nos mostram como podemos promover esse desenvolvimento inclusivo. Também vale ressaltar a importância do voto consciente e posterior acompanhamento dos seus candidato(a)s, caso eleito(a)s.

Quais os maiores obstáculos para o desenvolvimento dessas políticas?

Falta de coordenação de atore(a)s relevantes para solução de problemas públicos, envolvendo também quem é parte do problema, além de baixa capacidade para resolução de problemas públicos complexos e em ferramentas e métodos de implantação de projetos.

O papel do líder social se torna complexo num mundo mutável como o atual?

Se torna complexo, sem dúvida, mas fundamental. Um bom ou uma boa líder social consegue conduzir equipes compostas por uma grande diversidade de perfis – característica primordial para resolver problemas complexos – para alcançar um objetivo, que pode ser a implantação de solução para um problema complexo decorrente da pandemia, por exemplo. Em cenários de alta imprevisibilidade como o atual, em que elementos novos são rapidamente agregados, levando à necessidade de ajustes de estratégia, manter o foco no objetivo é ainda mais desafiador. Esse papel de agregador(a), que facilita acordos e estimula os consensos possíveis é primordiais para se passar por momentos como o que vivemos.

Como esse líder deve envolver pessoas e todos os segmentos da sociedade para políticas públicas exitosas?

Para implantar políticas públicas exitosas é fundamental envolver diverso(a)s atora(e)s em todo o ciclo de políticas públicas. O papel do(a) líder social é chave para conduzir esse processo, encontrando os melhores mecanismos para que esse envolvimento seja efetivo, considerando sobretudo as perspectivas de todos os envolvidos.

Quando falamos em colocar pessoas de diversos setores para conversar parece algo impossível muitas vezes, mas nossa experiência mostra que não. É isso o que promovemos, por exemplo, com o ODSLab, um laboratório em que aproximamos governos, sociedade civil e empresas para juntos proporem soluções viáveis para desafios públicos reais, nos quatro cantos do Brasil, tendo os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) como diretrizes. Recentemente, no Vale do Rio Itaim (PI), levamos a mais de 80 participantes, com representantes de 14 municípios, por meio do ODSLab, a importância de identificar os gargalos de desenvolvimento em uma perspectiva territorial e integrada, além de identificar os problemas a serem enfrentados. É possível fazer acontecer com a participação de todas e todos.

O funcionamento da Agenda Pública nos estados brasileiros, difere em algum ponto?

A Agenda Pública desenha suas intervenções de acordo com as necessidades de cada município ou estado. Essas necessidades são compreendidas com base em elaboração de diagnósticos construídos a partir de coleta de dados primários, quantitativos e qualitativos, e dados secundários. Nossas metodologias e pilares de atuação permanecem iguais em qualquer território, mas existem particularidades de acordo com cada local.

Com mais de 10 anos de estrada, aprendemos que para estar em todas as regiões do país é preciso entender que existem vários “países” dentro de um só. Quando vamos para Minas Gerais, por exemplo, nossas coordenadoras de projetos levam uma média de oito horas para chegar nos territórios. Já na nossa atuação no Pará, o tempo de deslocamento pode chegar a até 23 horas, pegando barco rio adentro. Além disso, as particularidades regionais estão sempre em nosso foco de atenção. Queremos ouvir as pessoas que estão nos municípios e não chegar apenas com uma receita pronta do que deve ser feito. Nosso trabalho é feito de construção diária.


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