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O humor negro do talentoso Allan Sieber

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O animador, cartunista, ilustrador e quadrinista gaúcho Allan Sieber, é reconhecido pelo sarcasmo e humor negro de suas obras. Entre suas criações destacam-se as tiras Bifaland, A Cidade Maldita (publicada no jornal O Estado de S. Paulo), Vida de Estagiário, Preto no Branco e The Mommy’s Boys (publicadas na Folha de S. Paulo). Seu humor é tipicamente relacionado a heresia, crítica comportamental (sexual ou não) e escatologia. Editou três números de sua revista Glória Glória Aleluia, recebendo por ela o Troféu HQ Mix em 1995 (Melhor Fanzine) e 1998 (Melhor Revista Independente). Editou e publicou de forma independente três números da revista de quadrinhos de humor F (juntamente com os cartunistas Leonardo e Arnaldo Branco), o quarto número foi publicado pela Conrad Editora. Atualmente mora no Rio de Janeiro e trabalha na produtora Toscographics, da qual é cofundador (com a produtora e diretora Denise Garcia), que produz animações, vinhetas, curtas-metragens e documentários para TV e cinema. “Já fui enfant, hoje não sou mais. Terrible é o que busca ser qualquer cartunista que se preze e talvez eu tenha tido alguns momentos de brilho aqui e ali até agora. (…) A vida seria um saco sem humor. Ponto. Humor negro é uma de suas variantes. Sem humor, ironia e sarcasmo a humanidade não vai muito longe. Não existiria a comédia, o romance, nada, seria preto no branco”, afirma o cartunista. 

Allan, você é reconhecido pelo sarcasmo e humor negro. Alguns humoristas dizem que sem humor negro e principalmente sarcasmo, a vida seria um saco. A vida seria um saco sem sarcasmo e humor negro?

A vida seria um saco sem humor. Ponto. Humor negro é uma de suas variantes. Sem humor, ironia e sarcasmo a humanidade não vai muito longe. Não existiria a comédia, o romance, nada, seria preto no branco, como querem os cretinos fundamentalistas de todas as religiões.

Você já foi adventista do sétimo dia e saiu quando teve uma epifania. Foi nesse momento que você encontrou os quadrinhos e nele pode dar vazão a sua visão que estava até o momento “estacionada?”.

Eu tive essa epifania com uns 18 anos, sendo que tinha largado os adventistas aos 13, mas ainda sentia culpa, aquelas coisas. Logo depois disso comecei a trabalhar no estúdio de animação do Otto Guerra [cineasta e animador gaúcho) em Porto Alegre e conheci Adão Iturrusgarai [cartunista gaúcho, considerado um dos mais brilhantes do país], Silvio S. Schiavon [cartunista gaúcho], Guazzelli [Eloar Guazzelli, cartunista e artista plástico gaúcho], Fabio Zimbres [ilustrador paulista] e outros desenhistas que me influenciaram muito e abriram a tosca cabeça do jovem Allan.

Um pouco antes de falecer, o escritor e jornalista Ivan Lessa, disse que sentia falta de “punch” dos chargistas e cartunistas do país como um todo. Você concorda com ele?

Não sei se punch é a palavra, eu a trocaria por violência ou agressividade. Em termos de charge, humor cotidiano, etc, isso é fundamental. Vejo Angeli [chargista paulistano, um dos mais conhecidos do Brasil, principalmente pelos seus trabalhos no jornal Folha de S.Paulo] eventualmente muito afiado e com sangue nos olhos e principalmente o Leonardo [cartunista e chargista mineiro, principal chargista do jornal carioca Extra], que fazia a revista F comigo. Ele é o melhor de todos, tanto que passa metade do tempo indo às audiências porque a polícia processa ele o tempo inteiro por conta de sua charge diária no Extra. Esse incomoda mesmo, cumpre o seu papel como chargista.

Além de obviamente fazer rir, qual é a outra função primordial que o humor deve ter?

Nenhuma, só fazer rir. Tirando o chargista político, que tem a obrigação de bater em alguém. Mas esse fazer rir compreende uma vasta gama de humor: rir de si mesmo, rir dos poderosos, rir do opressor e do oprimido.

Como foi a experiência de escrever esquetes para um programa tão longevo na televisão como foi o Casseta & Planeta?

Sempre fui fã deles desde o tempo do Planeta Diário [influente tabloide brasileiro de humor publicado entre 1984 e 1992] e da Casseta Popular [grupo de humor surgido nos anos 1970 e com destacada atuação na imprensa escrita, rádio, televisão e música]. Reinaldo [Reinaldo Batista Figueiredo, humorista carioca, membro do grupo Casseta & Planeta] é um dos cartunistas que mais admiro, como diria o Jaguar [Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe, cartunista carioca e um dos fundadores do lendário “O Pasquim”], “já nasceu pronto”, não tinha o que tirar nem por, o mesmo caso do Leonardo.

Quais as principais dificuldades que você sentiu quando editou e publicou de forma independente, a revista F juntamente com os cartunistas Leonardo e Arnaldo Branco?

Falta de dinheiro, obviamente, o que gera falta de estrutura, tiragem pequena e distribuição ridícula. A F tinha uma intenção das melhores, ser a revista mais simples do mundo: 3 cartunistas fixos, um cartunista convidado (que fazia o pôster) e mais uma entrevista com caras tão díspares quanto Mr. Catra [Wagner Domingues da Costa, cantor e compositor carioca] e Diogo Mainardi [escritor, produtor, roteirista de cinema e colunista nascido em São Paulo, famoso pelo seu trabalho desenvolvido na revista Veja]. Não tinha discurso nenhum, nada de blá-blá-blá. Mas enfim, nos fodemos. Mais uma dívida.

Você sempre teve liberdade plena em seus trabalhos publicados na imprensa mais especificamente na Folha, ou isso se deu assim que o seu nome foi ficando cada vez mais relevante?

Eu sempre tive sorte. Na Folha nunca me censuraram, nem sombra disso. Na Playboy e Sexy, revistas que publiquei por anos, muito menos. Já na Trip, onde tive uma coluna por uns 10 números, eu vi que a coisa era meio tensinha, pessoal da bicicleta de bambu dentro da Land Rover.

No programa “Trash Hour” do canal Brasil, a ideia era não cair na armadilha de vender um programa cultural com escritores, atores e poetas vendendo o seu peixe. Qual a sua visão, dessa fórmula tão presente, principalmente em programas de entrevistas nas emissoras de TV aberta?

Tentei fugir, mas não sei se consegui. O TH tinha uma premissa interessante, ser um programa vagabundo de verdade. Mas eu sou péssimo na frente da câmera e a coisa às vezes não funcionavam muito. Mas, por outro lado, tinha uns convidados engraçados, animação do Bolaoito [Negão Bolaoito, personagem criado pelo próprio Allan] e a inenarrável Mulher Audiência, protagonizada pela Thatiana Moraes [atriz carioca].

Acredita que a fórmula do “Trash Hour”, teria alguma restrição no conteúdo original se fosse para a TV aberta?

Todas. Impossível passar na TV aberta. Apesar de que na TV aberta passava a Xuxa, umas das coisas mais doentes que o ser humano já imaginou.

O semanário Charlie Hebdo, daria certo em nosso país, ou em algum momento acredita que algum extremista poderia dar fim à vida de talentosos cartunistas como ocorreu naquele fatídico 7 de janeiro em Paris?

Daria sim. Só falta um editor culhudo e com bala na agulha (dinheiro no bolso) para encarar uns dois anos de prejuízo. Eu toparia numa boa organizar essa redação. Só preciso de um salário decente e estrutura.

Muitos te consideram o enfant terrible do cartum nacional. E você também se vê assim?

Já fui enfant, hoje não sou mais. Terrible é o que busca ser qualquer cartunista que se preze e talvez eu tenha tido alguns momentos de brilho aqui e ali até agora. Mas sempre me mirei pelos melhores: Jaguar, Crumb [Robert Crumb, artista gráfico e ilustrador norte-americano, reconhecido como um dos fundadores do movimento underground dos quadrinhos americanos, sendo considerado por muitos uma das figuras mais proeminentes deste movimento, cujo ponto de partida foi publicação do gibi artesanal Zap Comix, idealizado por ele], Millôr [Milton Viola Fernandes, desenhista, humorista, dramaturgo, escritor, tradutor, e jornalista carioca mais conhecido como Millôr Fernandes, 1923 – 2012], Vuillemin [Philip Vuillemin, cartunista francês, 1958 -]. É bom ter parâmetros inalcançáveis.


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